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2021-12-31

A Jornada do saṃsāra ao nirvāṇa em quarenta movimentos


​A Bhagavad Gītā no Mahābhārata:​
Sanjaya narra para o rei cego Dhritarashtra a revelação do Śraddhā Yoga

As quarenta proposições a seguir ilustram como o Śraddhā Yoga, revelado na Bhagavad Gītā, nos conduz, por meio da arte e da ciência da meditação, do saṃsāra ao nirvāṇa. 

01. Cada novo dia é uma oportunidade de iniciação na heroica jornada do saṃsāra ao nirvāṇa. Para que esta iniciação ocorra e/ou se atualize, temos que tomar a resolução firme de não cair ante o desânimo e todas as demais dificuldades que forem se apresentando como provas, ou obstáculos, ao desabrochar de nossa śraddhā. Colocado em termos da filosofia grega, este desabrochar guarda semelhanças com o processo descrito na Alegoria da Caverna de Platão.

2021-07-06

A essência do Mahābhārata e da Bhagavad Gītā em 108 proposições

Mahābhārata1 estabelece a filosofia do coração em torno de quatro Puruṣārthas, ou poderes do coração, explicitados no próprio corpo do texto (MBh 1.2.83). No episódio da Bhagavad Gītā Arjuna mostra-se, inicialmente confuso, sem ânimo, motivação e coragem (śraddhā). Ele não sabe como resolver o seu dilema, elucidado por Krishna ao longo do texto. Krishna argumenta que, em cada instante, somos constituídos em conformidade com a nossa śraddhā (o sentimento sintrópico, a certeza interior e o altruísmo biológico, frutos do amor em ação), a bússola que orienta o desenvolvimento da nossa capacidade sintrópica de convergir, agindo com conhecimento e amor, para o coração. Como se dá este processo? Esta questão, introduzida no vídeo abaixo, está respondida nas 108 proposições discutidas a seguir. Dramatizada ao longo de todo o Mahābhārata, e conceituada no diálogo da Bhagavad Gītā, a Filosofia do Coração funda-se na escuta amorosa do sentimento sintrópico que expressa o nosso altruísmo biológico, ou  śraddhā. Este revela-se a partir do esforço de harmonizar as vias, contrárias e mutuamente excludentes, da ação e do conhecimento (jñānakarmasamuccaya-vāda). 

2021-06-28

Mahābhārata: a filosofia sintrópica na práxis

Neste sábado, 26.06.21, tive a oportunidade de realizar a palestra “Mahābhārata1: A história da manifestação do śuddha dharma” (veja o vídeo abaixo), no ciclo de palestras do Projeto Fontes de Luz, organizado pelo Ashram Kalyāṇa do Śuddha Dharma Mandalam. O título, um tanto provocativo, indica a transgressão de certos valores no Mahābhārata, onde muitos papéis do hinduísmo tradicional são questionados, ou se invertem em função da influência, sutil e decisiva, de Krishna e da sua filosofia sintrópica na vida dos Pāṇḍavas. Arjuna, por exemplo, se traveste de mulher; os Pāṇḍavas, ainda jovens, vivem como renunciantes na floresta, mas depois retornam para uma nova vida na cidade etc.

2020-11-22

Śraddhā Yoga: (IV) A meditação e a busca da verdade

O sábio vê em 3D o que o mundo percebe
de forma plana e polarizada.

Este texto é o quinto da serie de pequenos artigos adaptados do capítulo "A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga: ciência, espiritualidade, meditação e o surgimento de um novo paradigma", de minha autoria, que encerra o livro O Estudo da Consciência – Inovação Pessoal e Redes Sociais (Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2020).

Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta. (Jung)

Podemos explicar a arte e a ciência da meditação reveladas na Bhagavad Gītā tomando como ponto de partida a reflexão sobre o significado do praṇava[1] AUM no texto. O praṇava simboliza o modo conforme o universo (saṃsāra) se origina e permanece em Brahman. Esta verdade intuitiva (pratyakṣa) surge na mente (citta) quando controlamos e harmonizamos (nirodha) a sua atividade (vṛtti) por meio da prática de meditação. O iogue, de mente disciplinada, age no mundo harmonizando as posições contrárias (tese ou sañkalpa e antítese ou vikalpa) e estabelecendo novas sínteses (anukalpa). Ele compreende o simbolismo dialético do praṇava, onde se oculta a ciência do mundo e do Ser. Em sua busca da verdade ele se aproxima da resposta de três questões fundamentais da teoria do conhecimento: (1) o que é o Ser?; (2) como se pode alcançar o conhecimento verdadeiro sobre o Ser?; e (3) como ter certeza sobre a verdade de qualquer afirmação relativa ao Ser? Na Bhagavad Gītā, esse processo está associado à meditação. Meditar, nesse contexto, significa contemplar como o mundo se origina do Ser, como o contém e como está contido nele. Este é o simbolismo associado praṇava AUM.

2020-10-23

Śraddhā Yoga: (II) A Teoria de Verdade

Este texto é o terceiro da serie de pequenos artigos adaptados do capítulo "A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga: ciência, espiritualidade, meditação e o surgimento de um novo paradigma", de minha autoria, que encerra o livro O Estudo da Consciência – Inovação Pessoal e Redes Sociais (Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2020). 

A epistemologia de que se vale Krishna na Bhagavad Gītā deriva da milenar filosofia do sāṃkhya, segundo a qual a matéria possui três qualidades básicas, denominadas, respectivamente, sattva (harmonia e equilíbrio), rajas (movimento e paixão) e tamas (inércia e indolência). De acordo com o sāṃkhya, em cada situação da vida de um indivíduo, dependendo do estímulo interno do espírito, predomina uma dessas três qualidades. Por isto, os indivíduos também podem ser classificados, em conformidade com as suas inclinações, como sáttvicos, rajásicos e tamásicos. Os três guṇas são os responsáveis pela produção de todos os pares de opostos da realidade fenomênica deste mundo dual: afeto e aversão; prazer e dor; amizade e inimizade etc. Estas três qualidades (triguṇas) da realidade material não existem isoladamente, em forma pura, mas sempre conjuntamente, com uma predominando sobre as outras duas e compondo todo o espectro, tanto da realidade subjetiva, como objetiva. Em termos simples, o predomínio de sattva denota o estado harmonioso e equilibrado entre matéria e espírito, característico do funcionamento ātma-para (espiritualista), discutido na seção anterior. O predomínio de rajas ou de tamas caracteriza o funcionamento guṇa-para (materialista). O guṇa sattva é indicativo da presença e predominância do princípio inteligente e espiritual, tanto quanto os guṇas tamas e rajas o são da influência e predominância do princípio material e do consequente estado de sujeição do espírito à matéria. Sattva representa a harmonia; rajas, o estado dinâmico e explosivo, típico daquilo que é colorido pela paixão; e tamas, o estado obscuro, pesado e inerte, característico do que é opaco e sem luz. Deste modo, a śraddhā tamásica pode traduzir-se, por exemplo, nos fenômenos do fundamentalismo religioso; a śraddhā rajásica, naqueles outros ocasionados pela fé apaixonada e em descompasso com a razão; e a śraddhā sáttvica, que é o objeto central da Bhagavad Gītā, pela sintonia com as intuições superiores do espírito e confiança na certeza científica.

2020-10-17

Śraddhā Yoga: (I) A Natureza da Meta

A Bhagavad Gītā como a Expressão Paradigmática da Metáfora Fundamental sobre a Arte e a Ciência da Meditação
Sanjaya narra o diálogo da Bhagavad Gītā
para o rei cego Dhritarashtra.

Este texto é o segundo da serie de pequenos artigos adaptados do capítulo "A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga: ciência, espiritualidade, meditação e o surgimento de um novo paradigma", de minha autoria, que encerra o livro O Estudo da Consciência – Inovação Pessoal e Redes Sociais (Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2020), objeto do texto anterior (ver aqui).

Parte essencial da narrativa maior do épico Mahābhārata (aproximadamente 100.000 versos), os setecentos versos da Bhagavad Gītā constituem, muito provavelmente, a primeira reportagem de guerra em tempo real de que se tem notícia (TURCI, 2007b). O episódio da Bhagavad Gītā representa a reportagem feita ao rei cego Dhṛtarāshtra em seu palácio sobre os fatos que estão se passando no campo de batalha, instantes antes do seu início. A importância da Bhagavad Gītā deve-se ao fato dela registrar o diálogo que restabelece os fundamentos perdidos da ancestral arte e ciência da meditação, conforme praticada pelos antigos sábios da tradição védica (Ṛṣis). 

2020-05-08

A epistemologia e a teoria da verdade da Bhagavad Gītā

Tudo flui dos infinitos modos de ser (bhāva) por necessidade (ṛta)

O que vem primeiro, a percepção profunda (bhāva; bhāvanā; anubhūti; anubhava), que se manifesta como sentimento ou o pensamento (cintā; cittavṛtti)? A Bhagavad Gītā assume que o sentimento tem precedência sobre o pensamento. Os sentimentos de Arjuna são utilizados para representar a fenomenologia da consciência. O sentimento de impotência e incerteza, típico daqueles que se encontram desconectados da sua śraddhā (bússola interior), qualifica o seu emotivo estado de paralisia inicial. E o sentimento sintrópico de potência, convicção e certeza (śraddhā), posteriormente manifestado sob a forma de alegria espiritual e amor universal, o faz superar a sua condição inicial. "Sentir" (verbos “aṇūbhū” e “bhū”) denota a experiência de ser, significa “experimentar ser”, ou “vir-a-ser”. Os sentimentos expressam necessidades imediatas dos seres e a memória dos mesmos é conhecida como “rasa”. Quando o sentimento é o amor, diz-se que o resultado de rasa é a paz (śānti).

2020-05-01

Uma Tese de Filosofia sobre Śraddhā na Bhagavad Gītā

17.04.07. Foto com os colegas, logo após a defesa de tese.

"Śraddhā in the Bhagavad Gītā":
uma tese de doutorado em filosofia

O longo processo de revalidação pelo Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) da tese "Śraddhā in the Bhagavad Gītā" (2007), desenvolvida no Instituto de Ciências Sociais da McMaster University, inicialmente sob a orientação da Dra. Phyllis Granoff (2001-4) e após a sua transferência para a Yale University, do Professor Emérito, Dr. Paul Younger (2004-7), envolveu o reconhecimento explícito (ver parecer) da existência de um pensamento verdadeiramente filosófico na Índia antiga. Isto pode, à primeira vista, parecer irrelevante, mas de qualquer forma, cabe salientar que se tratava da primeira tese doutorado, e até onde sei a única, sobre a Bhagavad Gītā, a ser reconhecida e aprovada no âmbito da filosofia ocidental. Isto posto, antes de passar à explicação das razões que me levaram a escolher um departamento de filosofia para revalidar o meu diploma no Brasil, necessito destacar que durante o período de mudança de orientador, contei com a ajuda inestimável do membro do meu comitê de tese, Dr. Graeme MacQueen, sem o qual a realização deste trabalho não teria sido possível. Além destes três orientadores, agradeço também ao Dr. Peter Widdicombe, membro da banca e do meu comitê de tese, ao Dr. Peter Travis Kroecker, chefe de departamento, e ao examinador externo, Dr. James Pankratz, pela leitura cuidadosa do texto. Em 2009 este texto foi reconhecido como uma tese de doutorado em filosofia, conforme o parecer da Comissão Especial de Revalidação de Certificados e Diplomas de Pós-Graduação do Departamento de Filosofia da UFRJ, constituída pelos professores Dr. Fernando José de Santoro Moreira, Dr. Franklin Trein e Dr. Gilvan Luiz Fogel. Após quase dois anos de luta justificando o meu pedido (veja aqui), considero uma vitória e um marco inédito para a área de estudos orientais ter a tese reconhecida como um tratado filosófico.

2020-03-04

A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga

A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
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O lançamento do livro O Estudo da Consciência – Inovação Pessoal e Redes Sociais (Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2020), organizado pelos professores Antonio Carlos de Azevedo Ritto e Marinilza Bruno de Carvalho, aconteceu na manhã do dia 11 de fevereiro de 2020, no auditório da Diretoria de Administração Financeira (DAF) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), durante a realização da quarta tertúlia do Projeto Estudos da Consciência: INOVAÇÃO PESSOAL E REDES SOCIAIS. Merece destaque o fato de que, embora a temática do livro e do próprio evento fizesse parte da área de ciência e tecnologia, os organizadores acolheram contribuições de natureza mais metafísica e espiritualista, que visavam harmonizar e compatibilizar ciência e espiritualidade. Durante o evento, integrei a mesa "Uma nova consciência em tempos de vida intensa nas redes" e tive a oportunidade de esclarecer como o capítulo "A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga: ciência, espiritualidade, meditação e o surgimento de um novo paradigma" de minha autoria, que encerra o livro, se insere nesse contexto. A minha fala procurou introduzir os colegas ao conteúdo desse capítulo e sobre o desenvolvimento de um  núcleo transdisciplinar de estudos avançados em ciência da meditação e espiritualidade, a partir da Bhagavad Gītā. Daí o título que escolhera para o capítulo de encerramento do livro, que adaptei e passo a compartilhar nas seções seguintes deste compêndio.

2019-12-31

A Meditação como a Disciplina sintrópica do Ardor do Coração (Heartfulness)

Neste artigo de abertura do presente capítulo apresento um pouco da história e dos fundamentos teóricos e práticos da cultura sintrópica, que norteou a criação e o desenvolvimento da (anti) disciplina A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā. Meditar significa desenvolver o amoroso sentimento sintrópico (śraddhā) de identidade com o triuno praṇava OṂ (AUM), conforme expresso pelos principais aforismos (mahāvākyas) da literatura védica, em especial, os seguintes, que constam da Chāndogya Upaniṣad: “sarvaṃ khalv-idaṃ brahma” – "Tudo isto é o Ser" (ChU 3.14.1) e “Tat tvam asi ” – “Tu próprio és o Ser" (ChU 6.8.7). A palavra "praṇava" é um nome para o som AUM. Significa, etimologicamente, “aquilo que renova, faz novo”. Também significa  “controlador e dispensador do alento vital (prāṇa)”. Segundo outra etimologia (Yoga Sūtra I.29), o termo “praṇava” deriva de “pra” (antes, adiante) e “nava” (som, grito primal de exaltação) e designa o som primordial que reverbera dentro do sagrado recôndito do nosso coração e dos canais nervosos do nosso corpo. O Praṇava corresponde à respiração da criação cósmica e representa a voz (va) do prāṇa. O som onomatopéico OṂ é cheio de significado. Representa o ruído de fundo do universo em expansão, o som primordial da natureza e o seu próprio alento vital. AUM expressa esta verdade sagrada, tendo cada uma de suas letras um significado oriundo do método conhecido como akṣaramudrā, ou diagrama de selo de letras. Ambos aforismos exprimem o significado das metáforas e mantras que compõem a espinha dorsal, tanto deste livro-blog, como da nossa disciplina sobre a arte e a ciência da meditação: (1) a metáfora dos dois pássaros; (2) a metáfora do cisne; (3) a metáfora da quadriga; (4) o mantra AUM (OM); (5) o mantra Haṃsa; e (6) o mantra OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA.

2019-02-06

O "Bom-Senso", a Bhagavad Gītā e o contexto do ​Mahābhārata

Eu penso, portanto eu sou.
(Discurso sobre o Método,  1637)
O "Bom-Senso": o coração tem razões que a própria razão desconhece

O bom-senso (com hífen), representa, diferentemente do senso comum (sem hífen), a base fundamental onde se assentam todas as expressões verdadeiras, justas e belas. Pode ser entendido como o resultado do pleno funcionamento da razão, quando iluminada pelo sentimento ajuizado que jorra do coração. Neste sentido novo, o antônimo de "bom-senso" é "fé cega" e não "mau senso". O bom-senso, portanto, previne contra toda a espécie de dogmatismo, fantasia, idolatria e fanatismo. Esta definição ingênua, quase óbvia, poderia ter sido formulada por Descartes, mas ele não explicou completamente o que entendia por "bom senso" (sem hífen). O resultado é que até hoje os lexólogos só reconhecem o sentido da expressão sem o hífen. O  bom-senso (com hífen) de Descartes, contudo, manifesta-se em sua obra como a expressão elevada desse sentimento ardoroso interior que o orientou, de forma indubitável, como uma bússola, em direção à sua primeira certeza sensível: "cogito ergo sum" –  penso, logo existo (1644). A certeza sensível é uma expressão da harmonia entre a razão (mente) e o coração (intuição). Surge do mesmo bom-senso que fez Descartes ferver por inteiro, impedindo-o de sucumbir à letra morta das Escrituras, à autoridade papal e, principalmente, de cair vítima da interpretação cega das leis e dos costumes da época. Foi o seu bom-senso que impediu a sua razão de se tornar mera desrazão, à serviço de interesses obscuros das pseudo-ciências, pseudo-religiões e pseudo-justiça. O seu bom-senso, ou seja, a sua razão iluminada pela luz do coração, dotou-o de coragem para driblar a desrazão vigente e manter a coerência entre o seu discurso e a sua prática.

2019-01-14

Movimentos de Convergência: (6) a contracultura e os estados alterados de consciência

Luiz Carlos Maciel, foi para O Pasquim por intermédio de seu amigo Tarso de Castro. Já como cronista, Maciel recebeu, certo dia, uma carta comentando sobre a contracultura e os jornais alternativos que haviam surgido nos EUA. A carta fora enviada por um leitor brasileiro chamado Jacques, estudante da Universidade de Berkeley. Maciel passou então a se corresponder com ele e a se informar sobre a contracultura (veja aqui), porque no Brasil não havia nenhuma informação acerca deste movimento e muito menos sobre a repressão sofrida pelos seus integrantes.

2019-01-10

Espiritualidade e Tolerância Religiosa

Hoje é comum falar em espiritualidade nativa, espiritualidade feminina, e assim por diante, para designar aquilo que as religiões institucionalizadas nem sempre conseguem abranger. Em linhas gerais, define-se espiritualidade como a vida interior e o conjunto de práticas que a sustém, sem que isto se dê, necessariamente, em associação com qualquer religião institucionalizada. O termo "espiritualidade" empresta fôlego novo para lidar com as antigas divergências religiosas e se apresenta com um bom candidato para ajudar a ressignificar o termo "religião". Enquanto a religião exige que se aja segundo a fé, a espiritualidade nos convida a agir segundo as leis do amor universal. Na Europa e nos Estados Unidos grande parte das instituições universitárias já têm uma disciplina tratando da espiritualidade. No Brasil, a Universidade Federal Fluminense, por exemplo, oferece, desde 2017, a disciplina Medicina e Espiritualidade, envolvendo profissionais das áreas de psicologia, medicina e artes. 

2019-01-08

Movimentos de Convergência: (5) Norman O. Brown e a abertura para o mistério

Movimentos de Convergência: (5) Norman O. Brown e a Abertura para o MistérioLuiz Carlos Maciel foi introduzido ao pensamento de Norman O. Brown, (veja aqui) por meio de seu colega, o jornalista Sérgio Augusto, que lhe indicou o livro Life against Death. Maciel, entusiasmado com o texto, convenceu a Rose Marie Muraro a propor a tradução do texto para a Ed. Vozes, de Petrópolis, que o editou com o título Vida contra Morte: uma interpretação psicoanalítica da história. Trata-se do único livro de Norman O. Brown traduzido para o Português. O subtítulo traz os dois elementos constitutivos da síntese pretendida no texto: a história, o elemento marxista, de esquerda; e o elemento de direita, a interpretação psicoanalítica, freudiana, do inconsciente.

2019-01-07

Qual o papel da Bhāṣyopetā de Haṃsa Yogi na tradição da Bhagavad Gītā?

A Khaṇḍa-Rahasya de Haṁsa Yogi: uma análise sobre a Mística da Bhagavad Gītā
Os Śuddha Acharyas R. Vasudeva Row, Dr. Sir. S Subramania Iyer e Pandit K. T. Sreenivasacharya, oriundos, respectivamente, dos três principais sistemas filosóficos do vedānta: Dvaita (dualismo de Madhva), Advaita (não-dualismo de Shankaracharya) e Visishtadvaita (não-dualismo qualificado de Ramanuja).


















Pretendo discutir neste artigo duas questões relacionadas com a tese "Śraddhā in the Bhagavad Gītā" (2007). A primeira refere-se às razões para não ter considerado diretamente no corpo da tese o texto da  Bhagavad Gītā editado pela Śuddha Dharma Maṇḍalam1. A segunda questiona a relevância das discussões geradas em torno desta nova recensão da Bhagavad Gītā. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a polêmica gerada por esta nova versão da Bhagavad Gītā constitui um "pseudo-problema", ocasionado pela publicação desse extrato do seu "comentário-guia" da Bhagavad Gītā, intitulado Śrī Bhagavadgītā Bhāṣyopetā, que apresenta, para efeitos de sua análise (Śuddha Sāṃkhya) e síntese (Śuddha Yoga), uma ordem de versos e capítulos distinta da usual.

2019-01-01

Movimentos de Convergência: (3) Heidegger

1. A  Filosofia como a História do Ser

Luiz Carlos Maciel estudou filosofia, segundo ele próprio afirma (veja aqui), pelo livro Introducción a la Filosofía, de Manuel García Morente. O texto apresenta um panorama bastante acessível da filosofia ocidental. Morente parte da dualidade fundamental de sujeito e objeto, e sustenta que no início da história da filosofia a ênfase era no objeto, ou seja, na realidade – aquilo que está fora de mim, tudo que não sou eu.
Segundo Morente, a primeira grande revolução filosófica acontece com a filosofia moderna (Descartes, Leibniz, Spinoza), que desloca a ênfase do objeto para o sujeito. Daí decorre a famosa frase de Descartes “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum). Descartes coloca o pensamento subjetivo antes da existência, que é objetiva. É o pensamento subjetivo que o autoriza a acreditar no objeto. Nasce daí a relação estabelecida aqui entre a certeza sensível, expressa no cogito cartesianoe o conceito de śraddhā na Bhagavad Gītā. Esta tendência de valorização do sujeito ocorre também no empirismo inglês, o qual questiona, inclusive, a própria substancialidade do objeto. Em outras palavras, é a reunião das experiências sensoriais (pelo tato, olfato, paladar, audição e visão) que dão existência aos objetos fora de nós. Do mesmo modo, a filosofia do idealismo alemão (Kant, Fichte, Schelling e Hegel.) coloca o objeto como resultado de uma experiência, ou seja, de um testemunho do sujeito. Esta tendência aprofunda-se com Hegel e tem a sua culminância com Soren Kierkegaard, pensador dinamarquês que se atreveu a criticá-lo. Para marcar a importância e o sentido filosófico da vida Kierkegaard afirmou que Hegel seria como um homem muito rico que, ao construir uma mansão maravilhosa, teria optado por morar do lado de fora, na casa do zelador. Para Kierkegaard, Hegel construíra um edifício teórico espantoso, mas inútil, pois despreza a única coisa que interessa – a vida, a existência. Nasce assim o movimento da Filosofia Existencialista, que marcou profundamente a vida de Maciel.

2018-12-18

As Correntes Noúricas de Pensamento: dos Vedas até o Manuscrito do Purgatório e a ciência moderna

Quando se olha para o céu, tem-se um sentimento de unidade
que encanta e dá vertigem. (Ferdinand Hodler)
Na serie de artigos que compõem este capítulo introduzo a discussão sobre o estado de sonho e a sua relação com as correntes superiores de pensamento, implícitas, tanto no conceito védico de “Ṛṣi-nyāsa”, como no conceito das “noúres”. Este termo foi cunhado por Pietro Ubaldi a partir de duas palavras gregas, "nous" (pensamento) e "rhéo" (fluir), para expressar aquilo que os filósofos chamam sentimento intuitivo; os artistas, de inspiração; os religiosos de revelação e mediunidade; os xamãs, de estados alterados de consciência e percepção1

Segundo a lei universal da ressonância e da afinidade espiritual (Ātma-śakti dharma, fundada no funcionamento de tejas e śraddhā), que se encontra na base da ciência do espírito, podemos, tanto contagiar aos demais, como nos deixar contagiar pelos seus diferentes estados de ânimo. A mente humana é capaz de vibrar e de entrar em sintonia e ressonância com diversas correntes psíquicas, as quais dão origem a uma enorme gama de emoções, sentimentos e pensamentos. Daí a importância dos mantras, das orações e das disciplinas espirituais que nos convidam a elevar o nosso estado da alma, para que ela possa se nutrir dos nobres ideais e valores vividos por aqueles que alcançaram os planos superiores da consciência. Ṛṣi-nyāsa2 representa, basicamente, a disciplina de internalização e incorporação (nyāsa) do ideal de unificação com a esfera dos seres divinos e santos (Ṛṣi), tornando-nos aprendizes das hostes celestiais e instrumentos, portanto, da vontade cósmica. De acordo com a literatura sagrada da Índia, Ṛṣi-nyāsa representa a ancestral técnica védica utilizada pelos Rishis (videntes) na elaboração de textos sagrados, manifestando-se, em suma, como a capacidade de fazer de toda atividade humana um meio de acesso à energia sintrópica (brahma-śakti). No Ṛgveda esta energia aparece personificada como a deidade Śraddhā; no Mahābhārata, como Durgā, a encarnação do aspecto de invencibilidade da divindade. Tanto o Ṛgveda como o Mahābhārata nascem como expressão e consequência de Ṛṣi-nyāsa, que encontram, então, no diálogo entre Krishna e Arjuna na Bhagavad Gītā a sua representação paradigmática.

2018-04-24

O que é a Prática do Bhāvana?

A Prática do Bhāvana1

Há dois termos técnicos muito próximos, presentes nos textos sagrados da Índia, tanto em sânscrito como no páli, que indicam o processo de desenvolvimento mental e contemplação. São eles: "bhāvana" e "bhāvanā". Ambos foram, originalmente, empregados no campo da agricultura, para designar o cultivo da terra. "Bhāvana" é um adjetivo e/ou substantivo neutro, que dá a ideia de desenvolvimento; enquanto "bhāvanā" é um substantivo feminino, que expressa a reflexão e a meditação budista. Ambos os termos referem-se à ideia de "cultivo", no sentido de se trazer algo à existência. Designavam, portanto, o cultivo da terra. O Senhor Buda os utilizou para explicar como cultivar o sentimento intuitivo e a meditação. Uma ideia que é cultivada, ou seja, colocada em prática com o devido fervor, tem mais valor que outra que permanece apenas como uma abstração teórica. Na prática do bhāvana procura-se exercer a escuta interior que nos revela a presença do sagrado em todas as coisas. 

2017-10-15

A Arte de Sonhar segundo Bhagavan Das

Esta prática assenta-se no princípio da unidade essencial (śuddha) de todo o fenômeno religioso   (dharma), conforme descrito por Hamsa Yogi no Sanātana Dharma Dīpikā e também no seguinte grupo de cinco shlokas do seu estudo introdutório da Bhagavad Gtīā (Upodhgāta, p. 72), conhecido como MANIFESTO ŚUDDHA. Bhagavan Das: profundo estudioso do Śuddha Dharma.  Pioneiro nas discussões sobre a unidade essencial das religiões. Autor, dentre outros livros, do seminal Essential Unity of All Religions (1932).
Bhagavan Das. Autor do seminal
Essential Unity of All Religions (1932).
Sonhos e Realidade: Uma Questão Desde a Infância

Desde a mais tenra infância, meus sonhos não eram meras divagações noturnas, mas sim portais para questões profundas sobre a realidade. Quem de nós nunca se perguntou se o mundo que experimentamos acordados é real? Ou se os limites entre o que é vigília e o que é sonho são mais tênues do que imaginamos? Neste Dia do Professor (15.10.2017), e celebrando um ano de nosso Livro-Blog, convido você a explorar essas indagações à luz do pensamento de Bhagavan Das, um mestre que dedicou sua vida à essência do sagrado e à arte de sonhar.

Bhagavan Das: O Senhor dos Sonhos e o Manuscrito Misterioso

Bhagavan Das, o grande mestre e precursor da Cultura Sintrópica do Śraddhā Yoga e autor do inspirador comentário Studies in the Bhagavad Gîtâ by the Dreamer: The Yoga of Discrimination (London, Theosophical Publishing Society, 1902) apresenta-se como ninguém menos que "The Dreamer" (O Senhor dos Sonhos), o personagem que aparece no misterioso e pouco conhecido manuscrito de Dr. R. V. Khedkar, The Dream Problem (Delhi: Practical Medicine, 1922), onde ele próprio também manifesta-se como um interlocutor. 

2017-08-12

Bhāvana Namaḥ: um projeto de meditação para todos

“Há dois pássaros, dois bons amigos, que habitam a mesma árvore do Ser. Um se alimenta dos frutos desta árvore; o outro apenas observa em silêncio.” (Ṛigveda 1.164.20)

“Há dois pássaros, dois bons amigos, que habitam a mesma árvore do Ser.
Um se alimenta dos frutos desta árvore; o outro apenas observa em silêncio.”
(Ṛigveda 1.164.20)

A proposta do Bhāvana Namaḥ -- projeto de meditação para todos é auxiliar no desenvolvimento das pessoas interessadas na cultura sintrópica e na arte e ciência da meditação. Não há consenso, nem é simples definir de forma abrangente o que é a meditação (veja aqui um pouco da sua origem, história e uma lista de vídeos e pequenos artigos online com os pontos de vista de distintas escolas) Meditar, em essência, significa aquietar o pensamento, testemunhar o ritmo da respiração e fazer o coração vibrar (śraddhā) na frequência do amor puro da energia cósmica de onde surgiu o universo e que nos unifica à nossa transcendente origem. O amor é a lei universal e a base da meditação. O amor e a compaixão acalmam e regulam, naturalmente, a nossa respiração. Representam a verdadeira "técnica" de respiração das práticas de meditação. As técnicas de respiração, simplesmente, são de pouca ajuda, se não estiverem associadas à consciência sintrópica, fonte do sentimento de amor e compaixão.