2021-10-14

Bhāvana Namaḥ: A Meditação e a Universidade do Coração

Embora o primeiro esboço deste texto tenha sido elaborado em 28.01.12, uma semana antes da vinda de Francisco Barreto ao Rio de Janeiro com alguns voluntários da Grande Síntese para o estabelecimento da pedra fundamental da Universidade do Coração
Francisco Barreto (05.02.2012)
, a sua conclusão está sendo possível somente agora. Quando eu comecei a escrever este texto havia há pouco concluído os três anos do meu pós-doutorado com bolsa da FAPERJ (Processo E-26/101.733/2008-Bolsa; e matrícula 2008.0660.0) na Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ, responsável pela implementação do Laboratório de Estudos sobre a Índia e Ásia do Sul (LEIAS) na UFRJ, conforme previa o convênio de cooperação técnica número 7/2007, celebrado entre a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por questões políticas, o projeto de implementação do LEIAS foi cancelado, impedindo o estabelecimento do programa regular e bilateral entre Brasil e Índia, destinado a doutorandos e mestrandos da UFRJ interessados em temas relacionados à história, cultura e economia do subcontinente asiático.

Durante o período do pós-doutorado, tive a oportunidade de realizar as primeiras palestras (1) no Pólo de Xistoquímica da UFRJ (Prof. Cláudio Costa Neto, emérito da UFRJ), (2) no Instituto de Química (Prof. Joaquim Fernando Mendes da Silva), (3) no HESFA da UFRJ (coordenadora de eventos Dalva de Castro) e (4) no salão nobre da decania do CCMN (Prof. Nilo Pedro da Cunha Gonçalves da EEFD/UFRJ). Dentre os primeiros eventos destinados a estimular a criação do LEIAS cabe destacar “Índia em Foco”, “Ciência e Espiritualidade” e "Índia Ontem e Hoje: História, Cultura e Sociedade". Não menos importantes para o estabelecimento do LEIAS, bem como para atrair a atenção da comunidade acadêmica para as questões relativas à Índia, foram as inúmeras atividades realizadas na UFRJ1, das quais, destaco algumas do último ano do pós-doutorado, em 2011:

  1. Participação no “GT 19 Religião e Filosofias da Índia” durante o III Congresso Nacional da ANPTECRE –– Mackenzie/São Paulo, com a apresentação no dia 4 de Maio de 2011 da comunicação “Uma Visão Polifônica sobre o contexto da Gītā no Mahābhārata”;
  2. Participação na mesa "Mente, Consciência e Neurociência" (19.08.11) do I Seminário Internacional Consciência, Mente e Corpo: Perspectivas Orientais e Ocidentais, com a comunicação “Teoria e Prática sobre a Disciplina da Mente na Bhagavad Gītā”; 
  3. Participação da Comissão Científica do I Seminário Internacional Consciência, Mente e Corpo: Perspectivas Orientais e Ocidentais, promovido pela UFRJ entre os dias 17 e 21 de agosto de 2011;
  4. Emissão de Pareceres para a Numen – Revista de Estudos e Pesquisa da Religião do Programa de Estudos Religiosos da Universidade Federal de Juiz de Fora; e
  5. Publicação na Revista Numen: Uma Visão Polifônica sobre a Gênese da Ciência do Sagrado na Bhagavad Gītā

Desde o início do LEIAS, tive a oportunidade de realizar e desenvolver algumas parcerias, por exemplo, oferecendo o curso Introdução ao Estudo da Bhagavad Gita) no PACEM/UFRJ. O LEIAS fortaleceu as relações com a Jawaharlal Nehru University, de Nova Deli, Índia, representada pelos professores Abhijit Karkun (Departamento de Literatura e Estudos Culturais), que esteve na UFRJ em 2009 e Aparajit Chattopadhyay (Departamento de Estudos Hispânicos e Brasileiros), que me recebeu na lá, em janeiro de 2010. Além disto, o LEIAS estabeleceu uma colaboração com os professores Braj Bhushan, do Instituto Indiano de Tecnologia de Kanpur, e Shirley Telles, Chefe do Departamento de Yoga e Biociência da Universidade SVYASA de Bangalore. Ambos vieram à UFRJ por ocasião da I CONFERÊNCIA INTERNACIONAL CONSCIÊNCIA, MENTE E CORPO: PERSPECTIVAS ORIENTAIS E OCIDENTAIS, organizada em parceria pelo Instituto de Psicologia e o LEIAS. O evento aconteceu no Campus da Praia Vermelha, entre 17 e 21 de agosto de 2011.  

No plano interno da UFRJ, em função dos convênios firmados com as universidades indianas, a principal parceria estabelecida pelo LEIAS foi com a Professora Cecília Mello e Souza do Instituto de Psicologia, que, em 2010 enviaria a Profa. Lucia Rabelo de Castro à Índia para desenvolver o seu projeto de Pós-Doutorado. Findo o meu Pós Doc na UFRJ, eu também deveria ir à Índia e passar o ano de 2012 na condição de Professor Visitante, a convite da Prof. Shirley Telles, Chefe do Departamento de Yoga e Biociência da Universidade SVYASA de Bangalore. Contudo, com o cancelamento do projeto do LEIAS no final de 2011, isto não foi possível. Mesmo assim, segui em meus esforços, trabalhando de forma voluntária, o que me permitiu desenvolver a disciplina CMT014 – A Arte e a Ciência da Meditação, implementada no CCMN da UFRJ em 2019.
Prof. Abhijit Karkun no IFCS/UFRJ
Foi nesse contexto de encerramento do LEIAS que Francisco Barreto chegou ao Rio de Janeiro no início de fevereiro de 2012 para tratar da Universidade do Coração. Surgia aí o embrião da disciplina CMT 014. A base empírica da Universidade do Coração fora montada dentro do “Projeto Curação: aprendendo a curar com o coração” que, no experimento conduzido por Francisco Barreto, na sede da Fazenda Mãe Natureza, tomara o nome de “Projeto Reviver”, cujo alicerce era o conceito de Bhāvana. Em linhas gerais, decorre deste conceito o entendimento de que o planeta Terra é um ser vivo e que a vida se desenvolve em conformidade com a lei sintrópica do altruísmo biológico. Pode-se inferir do Bhāvana que tudo no mundo está interconectado, de modo que aquilo que alguém realiza, automaticamente, torna-se patrimônio de toda a humanidade. Bastaria, portanto, acessar o próprio coração para alcançar o que permanece oculto no coração do mundo. A própria natureza se encarrega de nos disponibilizar parte desse patrimônio ao longo do tempo. 

A ideia principal que serviu de espinha dorsal para o desenvolvimento da disciplina CMT 014 – A Arte e a Ciência da Meditação, reside na práxis sintrópica, capaz de remover as barreiras que impedem o acesso à percepção da nossa natureza de amor, paz e sabedoria, que constituem a fonte do coletivo e do tecido social. Temos em nós esta fonte de sabedoria natural, esquecida, mas que é ativada quando aprendermos a interpretar os sinais que recebemos do nosso corpo, do nosso ambiente e do nosso planeta, promovendo o florescimento de uma cultura de traços cada vez mais sintrópicos. 

O objetivo central das práticas de meditação é nos nutrir do amoroso sentimento sintrópico (Bhāvana) que nos conduz do saṁsāra ao nirvāṇa, na exata medida em que aprofundamos o nosso entendimento de Ṛta, a lei universal que rege os processos entrópicos da realidade material e inorgânica e os processos sintrópicos da realidade espiritual e orgânica. Silenciar o ego é a cura da alma e, como já dizia Platão, não há como curar qualquer corpo sem antes curar a alma que o anima. O segredo da vida é não criar resistências, para que as coisas sigam em seu fluxo natural, sem a interferência do nosso ego. Prescrita por Krishna a Arjuna na Bhagavad Gītā, a práxis sintrópica representa um processo de cura, capaz de nos libertar do nosso passado e nos fazer compreender que devemos  aceitar o outro do jeito que ele é, sem medo, e com a consciência de que estamos todos, juntos, formamos uma unidade. E a bússola da práxis sintrópica, como temos argumentado, está representada no conceito de śraddhā e no entendimento de que o diálogo entre Krishna e Arjuna representa uma metáfora para o diálogo da consciência e, consequentemente, uma metáfora para a própria arte e ciência da meditação.

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(1) Considero também um marco deste processo ter conseguido levar o debate em torno da epistemologia e teorias da verdade da Bhagavad Gītā para o Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza da UFRJ, participando do Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro (2009) com o texto ““Shraddhá” quaerens intellectum: A certeza interior como pressuposto para o conhecimento” que consta dos seus Anais (pp. 823-9).


Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2021.
(Atualizado em 28.04.23)

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