2024-05-21

A Cremação como um Símbolo Sintrópico de Transcendência e Cura: Reflexões Pessoais e Culturais

A cremação, processo de redução do corpo humano a cinzas através do calor intenso, possui um simbolismo multifacetado que varia entre culturas e religiões. Este artigo explora a cremação sob uma perspectiva sintrópica, enfatizando seu potencial como metáfora para a transformação pessoal, a cura e a busca pelo bem-estar integral, culminando na transcendência do eu individual. A vida deve ser vivida buscando o equilíbrio sintrópico, tal como faz o equilibrista que atravessa o precipício por cima de uma corda esticada: belamente e cuidadosamente. Em um nível pessoal, a cremação tem me feito refletir sobre o equilíbrio e o processo de cura e recuperação da saúde integral do meu corpo.

A Cremação em Diferentes Tradições

Nas tradições orientais, como o hinduísmo e o budismo, a cremação simboliza a libertação da alma (Jīva) do corpo físico, facilitando sua jornada para a próxima vida ou para a realização e libertação espiritual. No entanto, nas tradições ocidentais, a cremação nem sempre foi aceita. A Igreja Católica Romana, por exemplo, apenas recentemente passou a permitir a cremação em circunstâncias específicas, devido à contradição com a ideia de ressurreição do corpo. A tradição judaica também prefere o enterro, enquanto o islamismo geralmente proíbe a cremação.

A Cremação como Metáfora para a Transformação Pessoal e a Cura

Sob uma perspectiva sintrópica, a cremação pode ser vista como uma metáfora poderosa para a transformação pessoal e a cura. Assim como o fogo (agni) transforma o corpo físico em cinzas, podemos usar o "fogo interior" (tapas) para queimar toxinas, energias negativas (kleśa) e apegos, abrindo caminho para um novo "eu", mais saudável, equilibrado e livre. O conceito de sintropia (tendência em direção à ordem; o contrário da entropia), cunhado por Albert Szent-Györgyi em 1974, assume cada vez mais relevância nos dias atuais, refletindo o significado simbólico da lei de Ṛta, descrita na literatura sagrada da Índia. Ṛta expressa a lei que regula o equilíbrio cósmico e ordena o funcionamento de todas as coisas do universo, assumindo a forma convergente e ordenadora (sintrópica) quando predominam as forças espirituais, e a forma divergente e desordenadora (entrópica) quando predominam as forças materiais.

Em minha experiência pessoal, a imagem da cremação surgiu durante uma prática de meditação (em 28.02.2024), oferecendo uma metáfora para lidar, tanto com o luto, como com os processos de recuperação da saúde. A cremação se apresentou para mim como um símbolo de purificação e renovação, queimando agentes "malignos" e promovendo a cura. O fogo (agni), elemento central na cremação, representa a transformação e a transmutação, a morte do que se opõe à vida do espírito e a ascensão da alma. As cinzas simbolizam o retorno à ordem e harmonia da natureza (ṛta).

O Fogo Interior, a Respiração e o Dhyāna Mantra

Manter aceso o "fogo da cura" (tapas) dos males que me acometiam desde o final de 2015 significava cultivar a disciplina e o respeito pela consciência sintrópica, onde o mistério da morte se revela. A respiração (prāṇāyāma) aparecia como a expressão desse fogo interior, alimentado pela prática do Dhyāna Mantra "Haṃsa". O mantra "Haṃsa",  oculto em nossa respiração, simboliza a união do eu individual (Jīvātman) com o Eu Universal (Paramātman). Representa o alimento que nos nutre de paz, renovando a nossa capacidade de colocar o amor em ação. O fogo e o ar simbolizam  a purificação dos cinco sentidos e da mente, atuando na terra do nosso corpo a partir do éter e nos nutrindo da "água da vida". Deste modo, por meio do Dhyāna Mantra, somos convidados à disciplina interior (tapas), fundada no silêncio do ego (yajña da naiṣkarmya) e na doação de si mesmo (dāna), que nos lembra da nossa verdadeira natureza divina, expressão de Brahman.

Conclusão

A cremação, sob uma perspectiva sintrópica, transcende a mera disposição final do corpo. Ela se torna um símbolo de transformação, cura, renovação e, em última instância, de transcendência do eu individual. Ao explorarmos o simbolismo do fogo, da respiração e do Dhyāna Mantra, encontramos inspiração e orientação para nossa própria jornada de autoconhecimento, cura e crescimento pessoal, que culmina na dissolução das fronteiras do ego e na união com o Todo. A cremação, nesse contexto, não é um fim, mas um novo começo, um retorno à nossa essência mais pura e luminosa, um despertar para a consciência sintrópica que permeia o universo e nos convida à harmonia, ao equilíbrio e à transcendência.


Rio de Janeiro, 21.05.24
(Atualizado em 05.06.24)

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