A expressão “Viniyoga” sugere a ideia de adaptação e individualização da disciplina espiritual, possibilitando que a prática seja retomada de onde a pessoa parou, respeitando suas condições atuais e focando na retomada e/ou progressão gradual. A etimologia da expressão "viniyoga" é a seguinte: “vi” sugere a ideia de adaptar, diferenciar; “ni” remete a ideia de “intensificar” e “yoga” significa “integração”, “conexão”, ou “união”. A combinação dos prefixos "vi" e "ni" intensifica o sentido de diferenciação e adaptação, enfatizando a importância de personalizar a prática do yoga para atender às necessidades e capacidades únicas de cada pessoa. Portanto, a tradução literal de "viniyoga" seria algo como "aplicação diferenciada da disciplina espiritual" ou "adaptação do yoga para o indivíduo".
Viniyoga1 implica a compreensão de que a prática deve sempre ser ajustada para atender às necessidades do momento em que nos encontramos, seja retomando a disciplina após um período de pausa, ou simplesmente buscando uma prática mais personalizada. Representa a retomada do nosso foco na essência do nosso ser, possibilitando-nos desenvolver métodos específicos e bem ajustados (nyāya) à cada nova situação que a vida nos apresenta. Deste modo, Viniyoga deriva do nosso esforço de conexão com a Suprema Consciência, com o consequente desenvolvimento do poder de agir pelo coração, com motivos puros, mantendo o ego inativo. Este poder, conhecido como naiṣkarmyasiddhi, envolve o compromisso com o propósito (saṃkalpa) definitivo (ananta he!) de praticar a rendição incondicional (namaḥ), em estado de atenção plena, ao aspecto de sagrado (bhāvana), oculto em todas as experiências do mundo. Enquanto parte da disciplina do Śuddha Yoga, Viniyoga surge como consequência natural dos processos de mudança e/ou instabilidade, que trazem o desejo de recomeçar e requerem um novo ajuste no estado de sintonia fina da mente com o sagrado no coração.
I. Bhāvana Namaḥ: a escuta do Ser e a práxis sintrópica
A chave para o ajuste expresso por Viniyoga, realizado com vistas a se colocar o amor universal em ação, é designado como Bhāvana Namaḥ, que significa "rendição ao sentimento de unidade de todas as coisas". Esta rendição está expressa no mantra "OṂ haṃsas so'haṃ yogeśvarīṃ hrīṃ svāhā", que pode ser traduzido da seguinte forma: OM, eu sou o Eu Sou, saudações a Yogeśvarī, a rainha do Yoga – ou seja, Śrī Yoga Devī. Bhāvana Namaḥ exprime o poderoso sentimento que surge do coração quando estamos estabelecidos no estado de testemunha (Sākṣī). Traduz-se pela consagração (namaḥ) à práxis sintrópica, capaz de aguçar a percepção da unidade sagrada (bhāvana) da vida, do tempo, do espaço e de todas as coisas aí contidas. Traduz-se, em suma, pela disciplina que surge de Viniyoga e nos reorienta em direção à Suprema Consciência (Brahma-sāmīpya).
Bhāvana Namaḥ decorre das disposições da alma, relativas à capacidade do ser humano de renascer diariamente e viver de forma cada vez mais sintrópica, a escuta do Ser; o que implica em (1) exercitar, continuamente, a compreensão de que toda experiência objetiva esconde uma oportunidade de comunhão com o sagrado (nirvāṇa) por meio da linguagem simbólica da vida e; (2) tornar-se cada vez mais grato pela compreensão do significado profundo dos vários obstáculos e dificuldades que a vida ordinária (saṃsāra) apresenta. O cultivo de Bhāvana Namaḥ, resultado desta prática ininterrupta de escuta do Ser e rendição ao sentimento amoroso da presença do sagrado em todas as experiências do mundo, promove a gradual transmutação das energias materiais que alimentam os cinco sentidos e a mente ao longo do dia, nutrindo o corpo de Prāṇa (energia vital).
II. Ṣaṭkarman: os seis componentes da práxis sintrópica do Śuddha Yoga
A essência de Viniyoga, representado pelo esforço contínuo de cultivar o estado de Bhāvana Namaḥ, ou de completa rendição ao aspecto de sagrado das experiências do cotidiano traduz-se pela passagem X.75 do Mānava Dharma Śāstra, onde se lê:
अध्यापनमध्ययनं यजनं याजनं तथा।
दानं प्रतिग्रहश्चैव षटूकर्माण्यग्रजन्मनः॥
adhyāpanam/adhyayanaṁ yajanaṁ yājanaṁ tathā.
dānaṁ pratigrahaś/caiva ṣaṭūkarmāṇyagrajanmanaḥ.
(1) Estudo e (2) ensino; (3) realização de sacrifícios e
(4) condução de rituais; e a (5) realização e
(6) aceitação de doações são as seis principais atribuições das pessoas
de nascimento brâhmane. (Mānava Dharma Śāstra X.75)
Estes versos da tradição védica, interpretados à luz do Śuddha Yoga, definem os seis componentes da práxis sintrópica que constitui a essência de Viniyoga:
(1) Adhy-ayana. O estudo sobre a essência do sagrado.
(2) Adhy-āpana. Instruir os demais sobre Adhy-ayana.
(3) Yājña, Realizar o sacrifício de si mesmo, que significa contemplar o Ser (Ātman).
(4) Yājana. Realizar sacrifícios pelo próximo. Significa o nosso esforço para ver e compreender o sagrado, sempre manifesto em todas as experiências da vida. Implica em ter compreendido e realizado os três deveres anteriores.
(5) Dāna. Fazer a doação de si mesmo é o maior ato de caridade. Significa a rendição ao Sagrado.
![]() |
Śaṭkarman: os Seis Deveres do Śuddha Yogue |
Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização espiritual. Tal disciplina pressupõe a renúncia (samnyāsa) ao fruto das ações e o desligamento de todas as coisas que impedem a consagração de si mesmo à manifestação da Vontade Suprema. Ela está representada no paradigmático verso BhG 18.66, que trata da genuína dedicação e entrega (satya tyāga) de si mesmo e, consequentemente, de todas as nossas ações (karma) à Vontade Suprema. Em suma, é esta entrega ao Supremo, ilustrada pelos seis componentes da práxis sintrópica, que constitui Viniyoga.
N O T A S
(1) A expressão "viniyoga" foi popularizada por T. Krishnamacharya e T.K.V. Desikachar, que desenvolveram uma abordagem do yoga baseada na adaptação individualizada da prática. Essa abordagem considera as diferenças físicas, mentais e emocionais de cada pessoa, buscando integrar todos os aspectos do yoga (posturas, respiração, meditação, etc.) de forma harmoniosa e benéfica para o praticante.
Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2016
(atualizado em 18.06.24)
(atualizado em 18.06.24)
Nenhum comentário:
Postar um comentário