2016-09-29

Viniyoga: a sintonia integral com a luz natural do coração

Viniyoga1expressa a disciplina do Śuddha Yoga que visa desenvolver métodos específicos e bem ajustados (nyāya) à cada nova situação que a vida nos apresenta. Representa o esforço de conexão com a Consciência Sintrópica, com o consequente  desenvolvimento do poder de agir pelo coração, com motivos puros, mantendo o ego inativo. Este poder, conhecido como naiṣkarmyasiddhi, envolve o compromisso com o propósito (saṃkalpa) definitivo (ananta he!) de praticar a rendição incondicional (namaḥ), em estado de atenção plena, ao aspecto de sagrado (bhāvana), oculto em todas as experiências do mundo.

I. Bhāvana Namaḥ: a práxis sintrópica

Viniyoga surge como consequência natural dos processos de mudança e/ou instabilidade, que trazem o desejo de recomeçar e requerem um novo ajuste no estado de sintonia fina da mente com o sagrado no coração. Tal ajuste, realizado com vistas a se colocar o amor universal em ação, é designado de  Bhāvana Namaḥ.

Bhāvana Namaḥ  exprime o poderoso sentimento que surge do coração quando estamos plenamente estabelecidos no estado de testemunha (Sākī). Traduz-se pela consagração (namaḥ) à práxis sintrópica, capaz de aguçar a  percepção da  unidade sagrada (bhāvana) da vida, do tempo, do espaço e de todas as coisas aí contidas. Representa, desse modo, a própria essência da disciplina de convergência para a Suprema Consciência Sintrópica, ou Brahma-sāmīpya. Bhāvana Namaḥ, em suma, é a disciplina que surge de Viniyoga e nos reorienta em direção à  Brahma-sāmīpya.

Bhāvana Namaḥ decorre das disposições da alma, relativas à capacidade do ser humano de RENASCER DIARIAMENTE e VIVER de FORMA CADA VEZ MAIS SINTRÓPICA, com mais foco para: (1) exercitar, continuamente, a compreensão de que toda experiência objetiva esconde uma oportunidade de comunhão com o sagrado (nirvāṇa) por meio da linguagem simbólica da vida e; (2) tornar o ser humano cada vez mais grato pela compreensão do significado profundo dos vários obstáculos e dificuldades que a vida ordinária (saṃsāra) apresenta. O cultivo de Bhāvana Namaḥ, resultado desta prática ininterrupta de rendição ao sentimento amoroso da presença do sagrado em todos os seres e em todas as experiências do mundo, promove a gradual transmutação das energias materiais que alimentam os cinco sentidos e a mente ao longo do dia, nutrindo o corpo de Prāṇa (energia vital).  

II. Ṣaṭkarman:  os seis componentes da disciplina da ação

Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização suprema.
Śaṭkarman: os Seis Deveres do Śuddha Iogue
Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização suprema. Tal disciplina, que pressupõe a renúncia (samnyāsa) ao fruto das ações e  o desligamento de todas as coisas que impedem a consagração de si mesmo à manifestação da Vontade Suprema, está representada no paradigmático verso BhG 18.66, que trata da genuína dedicação e entrega (satya tyāga) de si mesmo e, consequentemente, de todas as ações (karma), ao Supremo. Esta entrega ao Supremo tem sido expressa ao longo dos séculos dos mais variados modos pelas distintas religiões e sistemas de filosofia. Um exemplo clássico é o que ocorre na passagem X.75 do Mānava Dharma Śāstra,  onde se lê:

अध्यापनमध्ययनं यजनं याजनं तथा।
दानं प्रतिग्रहश्चैव षटूकर्माण्यग्रजन्मनः॥
adhyāpanam/adhyayanaṁ yajanaṁ yājanaṁ tathā.
dānaṁ pratigrahaś/caiva ṣaṭūkarmāṇyagrajanmanaḥ.
(1) Estudo e (2) ensino; (3) realização de sacrifícios e
(4) condução de rituais; e a (5) realização e
(6) aceitação de doações são as seis principais atribuições das pessoas
de nascimento brâhmane.  (Mānava Dharma Śāstra X.75)

São estes mesmos versos da tradição védica, interpretados segundo o Śuddha Yoga da Bhagavad Gītā, que expressam a essência de Viniyoga, representado pelo esforço contínuo de cultivar o estado de  Bhāvana Namaḥ, ou de completa rendição ao aspecto de sagrado das experiências do cotidiano:

(1) Adhy-ayana. O estudo sobre a essência do sagrado.
(2) Adhy-āpana.  Instruir os demais sobre Adhy-ayana.
(3) Yājña, Realizar o sacrifício de si mesmo, que significa contemplar o Ser (Ātman).
(4) Yājana. Realizar sacrifícios pelo próximo. Significa o nosso esforço para ver e compreender o sagrado, sempre manifesto em todas as experiências da vida. Implica em ter compreendido e realizado os três deveres anteriores.
(5) Dāna. Fazer a doação de si mesmo é o maior ato de caridade. Significa a rendição ao Sagrado.
(6) Prati-graha. Plena aceitação da graça, ou da Vontade Suprema.

N O T A S

(1) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.

(2) Eu vejo uma correspondência biunívoca entre os cinco pilares do dharma, estabelecidos por Krishna, com os cinco pilares onde se funda a ação perfeita e completa, realizada com śraddhā:
  1. O príncipe herdeiro Yudhiṣṭhira simboliza a dhairya (determinação, compostura e paciência), mencionada por Krishna e pressuposta no Saṃkalpa (a firme resolução da faculdade da vontade de convergir para a essência do dharma e, consequentemente, para a meta suprema);
  2. O príncipe Arjuna simboliza o prema (amor), pressuposto em Ṛṣi-nyāsa (a internalização da divindade);
  3. O príncipe Nakula, o grande astrólogo e expert em Ayurveda, simboliza nyāya (regra, lei, justiça, justeza, juízo, lógica, sistema, plano, adequação, método, modelo, axioma), pressuposto em Viniyoga (a sabedoria para desenvolver métodos amorosos específicos, adaptados à cada nova situação);
  4. O príncipe Sahadeva, aquele que convive com (saha) os deuses (deva), simboliza samarpaṇa (oferecimento, entrega), pressuposto na Satya Tyāga (dedicação e entrega), e
  5. O príncipe Bhīma, que também representa força, humildade, obediência e gratidão, simboliza o verdadeiro conhecimento (jñāna), pressuposto de Upasthāna (conclusão, saudação final e agradecimento pelo estado de sintonia alcançado). 
SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Próximo texto: Satya Tyāga: a arte de despertar para a consciência sintrópica

Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2016
(atualizado em 23.04.23)

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