1. A prova do olho do pássaro: o foco como arquétipo
No Ādi Parva (134–135) do Mahābhārata, Dronācārya oferece aos seus discípulos uma lição que se tornaria mítica. Um pássaro de madeira repousa sobre um galho. Os jovens guerreiros, convocados a mirar com o arco, são interrogados pelo mestre. “O que vês?” Alguns veem o pássaro, o galho, a árvore, o céu. Arjuna, porém, responde: “Vejo apenas o olho do pássaro.” Sua flecha atinge o alvo com precisão.
A moral parece clara: foco absoluto conduz ao sucesso. Assim se forja o ideal heroico da concentração — miramos no centro, anulamos o ruído. Mas, no Śraddhā Yoga, essa narrativa é transfigurada desde dentro.
2. Pratyāhāra: a inversão do controle do foco
O foco que o Śraddhā Yoga cultiva não é o da fixação na meta externa, mas o da escuta interna. Mindfulness orienta os sentidos para o fluxo do real; heartfulness recolhe esse fluxo até o ponto imóvel do Ser — como a tartaruga que recolhe seus membros (BhG 2.58).
Em vez de tensionar a vontade no arco da mente, relaxa-se o objeto externo e escuta-se a vibração da praxis sintrópica, que brota de Ṛta — instante a instante. O alvo não está na árvore: está no coração. A flecha é o saṃkalpa, o arco é o Śraddhā Yoga, e pratyāhāra, a direção interior.
Alta performance não é acertar um ponto lá fora, mas habitar um ponto aqui dentro — o instante sagrado de Ṛta. A mente deixa de ser telescópio guṇa-para e se torna harpa ātma-para. O som não é produzido: é ouvido. Não se força a nota: ela emerge.
3. O artista do agora: a arte imperfeita de expressar a perfeição
Haṃsaḥ: o som da alma atravessando
o céu sem se apegar a nuvem alguma.
Para o artista sincero, como para o yogin, há um instante em que tudo se apaga: o público, os erros, o tempo. Resta apenas o agora da ordem cósmica — Ṛta. Esse é o espaço de śraddhā: escuta do que permanece velado, bússola do Ser que respira amor invisível e o traduz em clareza e maestria.
Haṃsaḥ é o mantra do foco desperto: haṃ ao inspirar, saḥ ao expirar. Como um cisne cruzando o céu do peito, esse som guia sem conduzir, orienta sem prender.
Atingimos o alvo, tocamos a nota — como se fôssemos tocados por ela.
Nessa escuta profunda, a performance não é esforço, mas sintonia. A arte se torna naiṣkarmya — ação sem desejo — e a técnica, transparência do gesto.
4. A escuta como oferenda: śraddhā é inter-ser
No Śraddhā Yoga, não se performa para impressionar, mas para revelar. A respiração é o primeiro e último mestre. Escutá-la com atenção amorosa é reconectar-se ao dharma primordial.
Ali onde o som nasce, nasce também a consciência. Quando nos alinhamos com ele, tocamos o real. Não há plateia. Há presença. Não há prêmio. Há o êxtase de contemplar Ṛta.
Rio de Janeiro, 01 de junho de 2025
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