2019-01-16

Movimentos de Convergência: (7 ) O Flower Power (Poder da Flor) como um movimento pacifista de vanguarda

Contracultura: de onde surgiu esta palavra? Segundo Luiz Carlos Maciel, este termo expressa uma invenção da mídia americana para designar os fenômenos culturais de vanguarda dos anos sessenta (veja aqui). A contracultura nunca se viu como contracultura, mas a mídia ansiava por um termo que sugerisse que aquelas manifestações culturais eram inimigas da cultura. Os artistas e as demais pessoas envolvidas na contracultura não se abalaram com isso e simplesmente adotaram o termo. A contracultura manifestou-se nos EUA como uma cultura que avançava para o futuro nos planos da política, do comportamento, da moral, da expressão artística, da filosofia e da religião. Inicia-se no plano da política pacifista de inspiração inglesa, com o movimento a favor do desarmamento nuclear e as grandes manifestações de Trafalgar Square, que contaram com a presença de Bertrand Russell.

bomba nuclear era a grande ameaça daquela época. Maciel se recorda de que jovem ainda escreveu um artigo intitulado A Bomba H e o Destino da Geração. Havia acabado de ler sobre o que poderia acontecer com a humanidade com o surgimento da bomba H (fusão do hidrogênio), muito mais poderosa que a bomba atômica (fissão do urânio). O receio das ameaças atômicas levou ao surgimento dos movimentos pacifistas, a favor do desarmamento nuclear. Embora não tivessem tido resultados práticos, essas manifestações mobilizaram intelectuais como Bertrand Russell e outros, que criaram o símbolo conhecido como o símbolo do desarmamento nuclear. Este símbolo foi adotado pelos pacifistas americanos que protestavam, particularmente, contra a falta de sentido de se manter a guerra do Vietnã, onde uma quantidade assustadora de soldados americanos morria para nada, sem nenhum objetivo nítido de defesa da Pátria.
Como consequência da guerra a parte mais rebelde da juventude americana tornou-se insubmissa. Embora o serviço militar fosse ainda obrigatório nos EUA, os jovens começaram a rasgar os Certificados de Reservista Militar em manifestações públicas contra a guerra. Um jovem sem Certificado Militar não tinha mais como conseguir qualquer tipo de emprego, pois uma das exigências para isso era estar quites com o serviço militar. Desta forma, ao rasgarem os seus Certificados Militares, os jovens se colocavam à margem do sistema, constituindo, desta forma, a primeira leva de hippies. Estes primeiros jovens começaram a virar hippies quase por acaso, porque não conseguiam mais se integrar ao mercado de trabalho. Passaram a deixar os cabelos crescerem (no exército, a primeira coisa que se fazia era tosar os cabelos bem curtinhos) e a usar roupas coloridas, com motivos ciganos ou relacionados aos índios pele-vermelhas, ícones do que sobrara da liberdade fundamental americana. Foram chamados, inicialmente, de hipsters (não os hipsters atuais, que são os escravos do sistema) e logo de hippies. Hippie é um diminutivo de hipster. “Hip” quer dizer “quadril”, uma referência ao fato de que os hippies, ao contrário do andar duro da marcha militar, tinham um andar com molejo, com jogo de cintura. O famoso ensaio de Norman MailerThe White Negro (O Branco Negro) definia o hippie como um jovem de classe média, branco, que vivia marginalizado e na insegurança, à semelhança de um negro americano.
A origem pacifista marcou a atitude política da contracultura e dos hippies que, durante as manifestações, não reagiam à repressão policial, a não ser colocando flores nos canos das armas dos soldados, constituindo o Flower Power (Poder da Flor), contra o poder das armas. O Flower Power evoluiu para um comportamento alternativo, com os hippies procurando viver em comunidades com o menor contato possível com a sociedade vigente. O ideal hippie era a construção de uma sociedade alternativa, conforme propagado no Brasil por Raul Seixas e Paulo Coelho. Como o lema dos hippies era Paz e Amor, eles se recusavam a entrar em confronto com as forças do sistema, ao contrário dos revolucionários ortodoxos, de esquerda, que sempre o enfrentaram de forma bastante agressiva e violenta. Os hippies, não. Acreditando no Poder da Flor, não queriam briga. Queriam apenas o direito de uma existência separada, para poderem constituir uma outra sociedade, com valores distintos da sociedade patriarcal judaico-cristã, polarizada entre representantes de direita e de esquerda.
No plano do comportamento, os hippies caracterizaram-se pela liberdade sexual e pelo uso de alucinógenos e outras drogas ilegais, com o intuito, não apenas de se libertarem dos seus condicionamentos, mas, principalmente, para alcançarem aquele estado de relaxamento que possibilita que se dê vazão, com muito mais liberdade, aos processos criativos. Das manifestações da contracultura, a mais popular de todas vincula-se aos famosos concertos de rock, que não foram objeto de análise de Maciel, uma vez que este é um tema vastamente explorado e estudado. Uma outra expressão da contracultura foi a imprensa alternativa. Vários veículos, tanto da Inglaterra, como dos EUA, divulgaram a contracultura de uma maneira eficiente. Maciel recebia o material e abordava o seu teor na sua coluna no Pasquim, chamada Underground. No Brasil também surgiram alguns jornais, que não duravam mais que dois ou três números, como o próprio jornal editado por Maciel com Rogério Duarte e Torquato Mendonça, A Flor do Mal, que, por falta de patrocínio, durou apenas cinco números. Ninguém se interessava à época em anunciar em um jornal contracultural.

Uma terceira instituição contracultural foi o experimento que passou a acontecer no número 49 da Rivington Street, em Londres, a partir de 12 de fevereiro de 1968, chamado Anti-Universidade, formada como um centro de difusão cultural, com cursos, aulas, palestras, etc., que não se sujeitavam aos programas acadêmicos. Yoko Ono ofereceu um curso chamado Getting Together, onde nada acontecia; as pessoas simplesmente se reuniam e conversavam sobre os seus interesses. Desta forma, a anti-universidade também não progrediu, pois não emitia nenhuma certificação ou qualquer tipo de habilitação profissional. Mesmo assim a ideia de uma anti-universidade ainda resiste ao tempo, conforme demonstram as recentes experiências da Antiuniversity Now .
A contracultura, contudo, não conseguiu se aproximar das chamadas ciências. Não há contribuições contraculturais na área das ciências exatas. Talvez a única área que tenha sido um pouco influenciada pela contracultura tenha sido a ciência médica. Primeiro, por meio dos hippies rurais, que cultivavam a medicina natural: ervas medicinais, preparados, chás medicinais, etc., desprezando a chamada farmácia capitalista. Segundo, na área da psiquiatria, com dois pesquisadores ingleses, Ronald David Laing e David G. Cooper, que criaram a chamada anti-psiquiatria. Eles não consideravam a loucura como uma doença, ou disfunção, mas como uma alternativa psicológica. Portanto, a antipsiquiatria não tratava o esquizofrênico, apenas supervisionava as suas experiências porque acreditava que estas eram aventuras psicológicas que teriam que ser vividas até o fim. Isto gerou muita polêmica e, ao que tudo indica, o ponto de vista da psiquiatria convencional se impôs definitivamente.
Nos aspectos filosófico e religioso, contudo, as contribuições da contracultura tiveram muitas consequências. Em primeiro lugar, as filosofias racionalistas perderam espaço e foram abandonadas pela contracultura em favor do pensamento mágico das culturas primitivas, nas quais a magia desempenhava um papel fundamental. O mundo não estaria ordenado, objetivamente, para que a ciência ocidental pudesse decifrá-lo por meio do seu método, mas ele apresentava uma pluralidade acessível, principalmente aos xamãs e místicos. Por isto Norman O. Brown afirmou que devemos nos erguer da história para o mistério. Avança-se da concepção filosófica ocidental tradicional, cuja matriz se centra na exatidão do cálculo e na prova concludente da experiência, para uma concepção mais próxima do pensamento oriental, conforme proposto por Heidegger, quando aproxima o conceito de Tao do taoísmo com o conceito grego de Logos. O mesmo acontece quando se afirma que a história ocidental é uma história do ente, e não uma história do Ser, conforme discutido nos encontros anteriores. É neste contexto que Maciel coloca o pensamento mágico de Carlos Castaneda, como veremos a seguir.

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