2018-11-23

Brasil: em busca de uma grande síntese tropicalista

Guru da Contracultura
Luiz Carlos Maciel (Setembro/2017)
Pretendo introduzir nas próximas seções do presente capítulo o pensamento psicopolítico do filósofo, jornalista e roteirista LUIZ CARLOS MACIEL (15.03.38 – 09.12.17), o guru da contracultura. Autor de vários livros, dentre eles, o aclamado O Poder do Clímax – fundamentos do roteiro de cinema e TV (reeditado em 2017). Maciel foi um dos fundadores de "O Pasquim" e diretor de redação da revista "Rolling Stone".

Maciel é admirado ainda hoje como defensor da cultura de paz e amor que surgiu nos anos sessenta, que representava uma alternativa à cultura belicista, ainda vigente. A sua ênfase na via pacífica, de síntese, para harmonizar posições polarizadas, antitéticas e mutuamente excludentes, pode ser resumida na  conhecida máxima gandhiana: “seja você a mudança que você quer ver no mundo”. O mundo é um campo de provas, de experimentação. E o mundo é assim desde que o mundo é mundo. Sem amor, quanto mais parece mudar, mais permanece o mesmo. O que o mundo pede de nós é tolerância, compaixão. Em certo sentido, pede a compreensão de que "é preciso ser muito profundo para compreender que não há nada de errado com o mundo" (autor desconhecido).

Pouco antes de falecer, ciente de que não teria tempo para terminar e entregar à editora o seu último livro, que se chamaria A Rosa dos Ventos, Maciel decidiu, num último e hercúleo esforço, gravar, em meados de setembro de 2017, uma serie de vídeos, sobre o que considerava constituir a essência mais pura de todo o sistema filosófico da contracultura. Intitulada “Anticurso Filosofia e Contracultura”, a serie foi lançada, oficialmente, na Casa da Ciência da UFRJ, em 15.03.18, data em que Maciel completaria 80 anos. Nela (ver abaixo) tem-se a oportunidade de ouvir Maciel em seu derradeiro e mais importante depoimento sobre a épica jornada contracultural do herói, sempre em busca de liberdade e autorrealização. Nesta serie Maciel realiza uma verdadeira síntese antropofágica para interpretar a formação do pensamento tropicalista brasileiro e o Brasil dos últimos cinquenta anos.


Conforme teremos oportunidade de ver nas demais seções que compõem este capítulo, diferentemente de outros autores contemporâneos que refletem sobre a nossa realidade política e social, como o sociólogo Jessé Souza, por exemplo,  autor de A Ralé Brasileira: quem é e como vive (2009), A Tolice da Inteligência Brasileira (2015), A Radiografia do Golpe (2016) e A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato (2017), Maciel não comtempla em sua obra um discurso emoldurado no ressentimento. Diferentemente dos demais críticos da “elite econômica”, que apresentam um discurso não-dialógico, Maciel nos convida ao encontro com o outro de si mesmo, com o diferente. Ele é bem sucedido em sua proposta multicultural (ou contracultural) de celebrar a diversidade, o diálogo e a difícil arte da síntese do real (veja aqui). 

Pode-se argumentar que Maciel parte do mesmo pressuposto básico do processo psico-sócio-político discutido ao longo deste estudo, a maiêutica do ardor do coração (śraddhā). A mente se filia a distintas correntes ideológicas, religiosas, filosóficas e políticas. O coração, não. O coração não tem corrente, porque não sabe viver acorrentado. O coração, em sua essência mais pura, ocupa-se do sentimento de amor, ou fervor (śraddhā) que, a um só tempo, nos emancipa e nos leva a respeitar todas as distintas e sempre efêmeras ideologias. Conforme já expressei em outro lugar, a mente segue métodos e metodologias, mas o coração, não. O coração apenas busca o seu ritmo e procura se harmonizar, para evoluir, sem perder a cadência, nem o compasso. Onde há mais amor, o mundo é melhor. Logo, nenhum processo de mudança que não o promova, ou não seja nele fundado, pode produzir qualquer melhora significativa no mundo. 

O amor é a lei natural que, no curso do tempo, conduz à paz verdadeira, aproximando o ser humano, sempre em transformação, ao seu estado mais bem acabado e completo. As pessoas tornam-se melhores quando trilham a via de síntese amorosa, capaz de organizar e estruturar o território psico-sócio-ambiental, onde se fundam todas as experiências do Ser. E esta via de síntese, por nascer de dentro, no imo do coração, conduz, necessariamente, à superação do entendimento dicotômico e polarizado da realidade onde o inferno são sempre os outros.  Em uma entrevista gravada em 1959 para o programa Face to Face da BBC, Bertrand Russel, filósofo e ícone do pacifismo, exemplifica esse ponto quando responde de forma brilhante à última pergunta do entrevistador:
REPÓRTER: Uma última pergunta: suponhamos professor Russell, que esta gravação seja encontrada por nossos descendentes após centenas de anos, tal como se deu com os Manuscritos do Mar Morto. O que valeria a pena dizer a essa geração sobre a vida e as lições que aprendeu?
RUSSEL: Gostaria de dizer duas coisas: uma intelectual e uma moral:
(1) A intelectual é esta: quando estiver estudando qualquer tema ou considerando qualquer filosofia, pergunte apenas a si mesmo: “quais são os fatos?” e “qual é a verdade que os fatos sustentam?” Nunca se deixe desviar pelo que deseja acreditar, ou pelo que lhe traria benefício se assim fosse acreditado. Observe unicamente quais são os fatos. Este é o aspecto intelectual que gostaria de dizer.
(2) O aspecto moral é muito simples. O amor é sábio, o ódio é estúpido. Neste mundo, que cada vez se torna mais e mais estreitamente interconectado, temos que aprender a nos tolerar uns aos outros e aceitar o fato de que alguém nos dirá coisas que não gostaremos. Só podemos viver juntos dessa maneira. Se vamos viver juntos, e não morrer juntos, devemos aprender um pouco de compaixão e um pouco de tolerância, que é absolutamente vital para a continuação da vida humana no planeta.
Acessamos a verdade e nos motivamos a alcançá-la quando colocamos o coração em tudo o que fazemos. Blaise Pascal já nos alertava sobre esse ponto, conforme mostra a seguinte passagem de Pensamentos (Martins Fontes, 2005), onde afirma:
Conhecemos a verdade não apenas pela razão mas também pelo coração.  É desta última maneira que conhecemos os primeiros princípios, e é em vão que o raciocínio, que não toma parte nisso, tenta combatê-los. [...] Os princípios se sentem, as proposições se concluem, [...] e é tão inútil e ridículo a razão pedir ao coração provas dos seus primeiros princípios por querer consentir neles, quanto seria ridículo o coração pedir à razão um sentimento em todas as proposições que ela demonstra por querer recebê-las.” (Pascal, 2005, pp. 38-39.)
O coração tem razões que a razão desconhece; sabe-se disso em mil coisas.
É o coração que sente a Deus e não a razão. Deus é sensível ao coração, não à razão. (Pascal, 2005p. 164)
As próximas seções deste capítulo serão destinadas a investigar mais de perto como o guru da contracultura e autor do aclamado O Sol da Liberdade (2014), estrutura o seu pensamento filosófico. Durante todo o ano de 2017 tive a oportunidade de discutir longamente com eles sobre os fundamentos de sua filosofia voltada para a práxis e sempre em busca da genuína liberdade. O pensamento de Maciel ilustra a máxima budista, “vai pelo caminho do teu coração e o caminho todo logo se abrirá”. A paz do coração é, verdadeiramente, o caminho, o sagrado caminho de que tratam todas as culturas e tradições, conforme também procurou expressar o grande poeta russo, Maiakovski: "Doravante não sou mais dono de meu coração!  Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe – o coração tem domicílio no peito. Comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração - em todas as partes palpita. Oh! Quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha!”


Rio de Janeiro, 23.11.18.
(Atualizado em 05.02.21)

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