2018-12-08

Maha Saṃkalpa: a precedência de Śreyas (anseios altruístas) sobre Preyas (anseios passionais)

A escuta de Śraddhā
e a percepção do sagrado coração.
Namastê! Namastê! Namastê!
A disciplina espiritual e sintrópica do Śuddha Rāja Yoga, transmitida por Krishna a Arjuna na Bhagavad Gītā, compõe-se de três partes: Bhāvana (a escuta do Ser e a contemplação da unidade sintrópica), Karma/Kriyā (práxis sintrópica) e Dhyāna (meditação). Antes de cada amanhecer o Śuddha Yogue deve certificar-se de estar em estado de harmonia e unidade (Bhāvana) com o cosmos, de tal modo que a sua atividade (Karma/Kriyā) ao longo do dia, em qualquer ambiente, contribua para a harmonização do mesmo. A meditação (Dhyāna1), assentada na consciência de sagrado (Bhāvana) e unificada na práxis sintrópica (Naiṣkarmya), pavimenta esta via que, aos poucos, transforma a vida toda em uma forma de meditação, dedicada ao aprimoramento e ao aprofundamento da comunhão com a unidade sagrada da vida.

O segredo da atenção plena encontra-se oculto nos pequenos saṃkalpas, nas pequenas resoluções que precedem os grandes votos, ou Maha Saṃkalpas. Saṃkalpa, a reta resolução, o firme propósito de natureza sintrópica, está associado à faculdade imaginativa de projetar o comportamento futuro segundo a luz da via altruísta do amor e da sabedoria do coração. Antes de realizar um voto, ou saṃkalpa, devemos atender à nossa disciplina espiritual. Devemos invocar, no silêncio de cada dia que amanhece, a brahma-śakti (energia  sintrópica), personificada como a deidade Śraddhā, que simboliza o poder do amor em ação e também o fogo do coração espiritual. Śraddhā, a energia divina em nós, fecunda a vontade altruísta, conduzindo-nos à vitória sobre as nossas paixões inferiores e, consequentemente, ao estabelecimento de pequenos saṃkalpas que, no devido tempo, dão forma ao Maha Saṃkalpa (Grande Resolução). Os Maha Saṃkalpas expressam o nosso compromisso definitivo (Ananta he!) de promover a precedência aos anseios superiores do sagrado coração, Śreyas, sobre aqueles da mente emocional, de natureza passional, Preyas, e inferior. As seguintes frases complementares, respectivamente, de Goethe e de Chico Xavier constituem exemplos paradigmáticos deste firme propósito de não se desviar dos seus votos:

"Trate as pessoas como se elas fossem o que poderiam ser
e você as ajudará a se tornarem aquilo que são capazes de ser." 

"Aos outros, dou o direito de serem como são; a mim, o dever de ser cada dia melhor".

Na literatura sagrada da Índia antiga o desejo  (kāma) aparece sempre associado ao par Śreyas e Preyas. O desejo é a força motriz que orienta as nossas atividades. Daí as distintas tradições religiosas proporem como disciplina espiritual (dharma) a adequação dos desejos ao ideal de uma vida plena (artha), que nos liberte (mokṣa) de nós mesmos e da escravidão deste mundo. O anseio passional e entrópico, Preyas, revela o espírito insatisfeito e em  busca de prazeres efêmeros que, no início, são doces como o mel, mas no final apresentam a amargura do fel. À medida que fortalecemos as nossas habilidades, sublimamos os nossos desejos inferiores avançamos pela via virtuosa, trilhada por aqueles que se libertaram da via das adicções, e que, de início, parece amarga como o fel, mas logo se revela doce como o mel. O anseio altruísta, Śreyas, infalivelmente, nos conduz à transcendência sobre a influência dos pares de opostos e à sintonia fina com as diversas frequências sintrópicas de amor da rádio cósmica que trazemos em nosso próprio coração, conectando-nos à fonte da vida (Puruṣa, Ātman) e das potencialidades humanas (puruṣārthas). 

Por meio de pequenos saṃkalpas, ou resoluções com as quais nos comprometemos "só por hoje"2, aprimoramos, progressivamente, o nosso sentimento sintrópico de conexão com o sagrado. Deste modo, as pequenas promessas (saṃkalpas), "só por hoje" tornam-se uma conquista definitiva, "para sempre!" (Ananta he!), passando a fazer parte de nós mesmos como um "voto sagrado", ou Maha Saṃkalpa, que nos dá o poder de repelir, imediatamente, qualquer pensamento dissonante com o estado de Bhāvana, ou de sintonia com o sagrado. Este estado permanente de sintonia (Bhāvana), que promove a ritualização (Karma/Kriyā) da vida toda, transformando-a num ato contínuo de meditação (Dhyāna) é o que caracteriza aqueles que já se movem segundo a nascente cultura sintrópica (Śuddha Dharma), fundada na relação entre Śreyas e Preyas no aqui e agora. A técnica conhecida como Meditação Minuto ilustra como dar um primeiro passo nesta via de convergência para o sagrado, que nos possibilita fazer de toda e qualquer ação uma forma de meditação. O instante presente (kṣaṇa), o momento de escape do tempo, onde as realidades objetiva, subjetiva e transcendente se fundem, possibilita que a meditação torne-se uma contínua e ininterrupta meditação na práxis sintrópica (Haṃsa), ou "Meditação em Movimento", conforme descreve a Bhagavad Gītā.  Os Yogasūtras de Patañjali ilustram este processo, por exemplo, no sūtra 52 do terceiro capitulo: kṣaṇa-tat-kramayoḥ saṁyamāt vivekajaṁ-jñānam – "a contemplação contínua do instante presente conduz ao conhecimento [do Ser, do não-Ser e da sua interrelação]".

Deste modo, em suma, amparado pelos saṃkalpas [e também pelas Dīkṣās (iniciações) e Saṃskāras (sacramentos)], o aspirante avança pelo caminho na exata medida em que se identifica com a consciência de sagrado (Īśvara), presente em nosso alento vital conforme ilustrado pelo Dhyāna Mantra, "Haṃsa", discutido anteriormente e reproduzido mais abaixo. 

N O T A S

(1) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.

(2) Dois exemplos de sucesso desta estratégia são os cinco princípios do Reiki (veja aqui) e o programa de doze passos das irmandades Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos, que se fundam neste lema (veja aqui).

*********************************************************************************************************
(Ājñā Chakra: ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala) 
ॐ हंसस् सोऽहं योगेश्वरीं ह्रीं स्वाहा 
OṂ haṃsas so'haṃ yogeśvarīṃ hrīṃ svāhā
OṂ eu sou o Eu Sou, saudações a Śrī Yoga Devī

(Ājñā Chakra: ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala) 
हंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहं
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .

Meditemos por alguns minutos, com os olhos suavemente fechados,
auscultando a nossa respiração e nos lembrando de que
a consciência deste mantra nos possibilita viver
a vida toda em estado de meditação . . . 

OṂ   OṂ   OṂ
Inspiro (haṃ-) paz e harmonia (Brahma Śakti), expiro (so-) amor (Śraddhā)
Quando inspiro, sinto a presença do Ātman no meu coração;
quando expiro, sinto o meu coração no Paramātman. .  .
Haṃ-so-haṃ. . . 
OṂ eu sou o fogo ardente do coração
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ eu sou a presença da paz e do amor em ação
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ todo ressentimento transformo em compaixão e compreensão
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .
OṂ tudo é sagrado; tudo é de natureza sagrada; tudo é necessário

*
***

OṂ OṂ OṂ

OṂ   TAT   SAT

Namastê! Namastê! Namastê!

Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2018
(Atualizado em 11.10.24)

Nenhum comentário:

Postar um comentário