2018-12-08

Maha Saṃkalpa: a precedência de Śreyas (anseios altruístas) sobre Preyas (anseios passionais)

O exercício do olhar e da escuta de Śraddhā:
O São Coração em mim saúda-o em você!
O sagrado coração materno do judaísmo e
do seu filho, o cristianismo, é um só.
Namastê! Namastê! Namastê!
Antes de realizar um Maha Saṃkalpa, devemos atender à disciplina espiritual. Devemos invocar, no silêncio de cada dia que amanhece, a energia  sintrópica (brahma-śakti), personificada como a deidade Śraddhā, que simboliza o poder do amor em ação e também o fogo do coração espiritual. Śraddhā, a energia divina em nós, fecunda a vontade altruísta, conduzindo-nos à vitória sobre as nossas paixões inferiores.
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(Ājñā Chakra: ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala) 
ॐ हंसस् सोऽहं योगेश्वरीं ह्रीं स्वाहा 
OṂ haṃsas so'haṃ yogeśvarīṃ hrīṃ svāhā
OṂ eu sou o Eu Sou, saudações a Śrī Yoga Devī

(Ājñā Chakra: ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala) 
हंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहं
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .

Meditemos por alguns minutos, com os olhos suavemente fechados,
auscultando a nossa respiração e nos lembrando de que
a consciência deste mantra nos possibilita viver
a vida toda em estado de meditação . . . 

OṂ   OṂ   OṂ
Inspiro (haṃ-) paz e harmonia (Brahma Śakti), expiro (so-) amor (Śraddhā)
Quando inspiro, sinto a presença do Ātman no meu coração;
quando expiro, sinto o meu coração no Paramātman. .  .
Haṃ-so-haṃ. . . 
OṂ eu sou o fogo ardente do coração
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ eu sou a presença da paz e do amor em ação
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ todo ressentimento transformo em compaixão e compreensão
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .
OṂ tudo é sagrado; tudo é de natureza sagrada; tudo é necessário

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OṂ OṂ OṂ

OṂ   TAT   SAT

Namastê! Namastê! Namastê!
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Saṃkalpa, a reta resolução, o firme propósito de natureza sintrópica, está associado à faculdade imaginativa de projetar o comportamento futuro segundo a luz da via altruísta do amor e da sabedoria do coração. A meditação (Dhyāna1), assentada na consciência de sagrado (Bhāvana) e unificada na práxis sintrópica (Śuddha Yoga), pavimenta esta via que, de início, parece amarga como o fel, mas logo se revela doce como o mel. Antes de cada novo amanhecer, portanto, o Śuddha Yogue deve certificar-se de estar em estado de completa harmonia e unidade (Bhāvana), de tal modo que a sua atividade (Karma/Kriyā) ao longo do dia, em qualquer ambiente, contribua para a harmonização do mesmo. A atenção plena a esse modo sintrópico, bom e justo de viver, aos poucos, transforma a vida toda em uma forma de meditação, dedicada ao aprimoramento da práxis e ao aprofundamento da comunhão com a unidade sagrada da vida. Bhāvana (ideação da unidade), Karma/Kriyā (reta ação) e Dhyāna compõem, em suma, a disciplina sintrópica do Śuddha Rāja Yoga, transmitido por Krishna a Arjuna na Bhagavad Gītā.

A disciplina do Śuddha Rāja Yoga propõe aos Śuddha Yogues o Maha Saṃkalpa (Grande Resolução) que estabelece o compromisso definitivo (Ananta he!) de promover a cultura sintrópica, que dá precedência aos anseios superiores (Śreyas) do sagrado coração sobre aqueles de natureza passional e inferior (Preyas) da mente emocional. Este ideal universalista expressa a essência da experiência religiosa das distintas cultura. Ele está presente, por exemplo, no seguinte Saṃkalpa realizado por Chico Xavier:

"Aos outros, dou o direito de serem como são; a mim, o dever de ser cada dia melhor".

O desejo (kāma) é a força motriz que orienta as nossas atividades. Daí as distintas tradições religiosas proporem como disciplina espiritual (dharma) a adequação dos desejos ao ideal de uma vida plena (artha), que nos liberte (mokṣa) de nós mesmos e da escravidão deste mundo. Na literatura sagrada da Índia antiga o desejo aparece sempre associado ao par Śreyas e Preyas. O anseio altruísta, Śreyas, infalivelmente, nos conduz à transcendência sobre a influência dos pares de opostos e à sintonia fina com as diversas frequências sintrópicas de amor da rádio cósmica que trazemos em nosso próprio coração, conectando-nos à fonte da vida (Puruṣa, Ātman) e das potencialidades humanas (puruṣārthas). De outro lado, contudo, o anseio passional e entrópico, Preyas, revela o espírito insatisfeito e em  busca de prazeres efêmeros que, no início, são doces como o mel, mas no final apresentam a amargura do fel.

À medida que fortalecemos as nossas habilidades e compreendemos os exemplos deixados por aqueles que se libertaram da via das adicções, sublimamos os nossos desejos inferiores. Por meio de pequenos saṃkalpas, ou resoluções que fortalecem a faculdade sintrópica da vontade e aumentam o nosso foco nas estratégias com as quais nos comprometemos "só por hoje"2, aprimoramos, progressivamente, o nosso sentimento sintrópico de conexão com o sagrado. Deste modo, aos poucos  os desafios "só por hoje" tornam-se uma conquista definitiva, "para sempre!" (Ananta he!), passando a fazer parte de nós mesmos.

Diferentemente dos pequenos saṃkalpas ("promessas"), os Maha Saṃkalpas ("votos sagrados") são para sempre e, uma vez estabelecidos, implicam no compromisso definitivo de repelir, imediatamente, qualquer pensamento, por mais inocente que pareça, que possa interferir desviar a nossa atenção do estado de Bhāvana, ou de sintonia com a essência do sagrado. Desta sintonia (Bhāvana) nasce a cultura sintrópica (Śuddha Dharma), que ritualiza a vida toda (Karma/Kriyā), transformando-a num ato contínuo de meditação (Dhyāna) na unidade e equilíbrio de todas as coisas no aqui e agora. O instante presente (kṣaṇa), o momento de escape do tempo, é onde as realidades objetiva, subjetiva e transcendente se fundem, possibilitando que a meditação torne-se uma contínua e ininterrupta meditação na práxis sintrópica (Haṃsa), ou "Meditação em Movimento", conforme descreve a Bhagavad Gītā. A técnica conhecida como Meditação Minuto ilustra como se dar um primeiro passo nesta direção que nos possibilita fazer de toda e qualquer ação uma forma de meditação sintrópica. Ela atende aos requisitos do sūtra 52 do terceiro capitulo de Os Yogasūtras de Patañjali: kṣaṇa-tat-kramayoḥ saṁyamāt vivekajaṁ-jñānam – "a contemplação contínua do instante presente conduz ao conhecimento [do Ser, do não-Ser e da sua interrelação]".

O segredo para a compreensão e a aferição do estado de contemplação da unidade (Bhāvana) está oculto em nossa própria respiração. Quando ela se torna a expressão de um Haṃsa Prāṇāyāma da classe dos Śuddha Prāṇāyāmas, a nossa respiração torna-se sintrópica, fazendo desabrochar em nós o Dhyāna Mantra, que nos coloca em sintonia com tudo o que respira em nosso entorno. Deste modo, aqueles que despertam para este  processo sintrópico de sincronização com o estado natural de paz e amor que se irradia da consciência de sagrado (Īśvara), presente no alento vital, tornam-se instrumentos, veículos, deste mesmo despertar nos demais. E a respiração sincronizada é a prova, em qualquer ambiente, desse processo contagiante, induzido pelo poder de uma mente purificada. Na exata medida em que nos identificamos com aqueles que se encontram harmonizados pela consciência de sagrado, damos início à sincronização da nossa respiração, inflamando aos demais. E assim, amparado pelos Saṃkalpas (resoluções), Dīkṣās (iniciações) e Saṃskāras (sacramentos), o aspirante avança pelo caminho.

N O T A S

(1) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.

(2) Dois exemplos de sucesso desta estratégia são os cinco princípios do Reiki (veja aqui) e o programa de doze passos das irmandades Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos, que se fundam neste lema (veja aqui).

SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2018
(Atualizado em 09.09.23)

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