2016-09-03

Śuddha Pañjikā: o diário da consciência

Diário do Iogue em Śuddha Yoga
Iogue em Śuddha Dhyāna (Meditação Transcendental)
Śuddha Pañjikā1 indica aquele diário da consciência sintrópica onde os Śuddha Yogis exercitam a sintonia fina com a energia amorosa do coração. Dizia-se na antiguidade védica que a pañjikā representava o registro das ações humanas mantido pelo Senhor da Morte, Yama. Em sua essência (śuddha), a pañjikā representa o registro do esforço de se viver em conformidade com a filosofia da práxis sintrópica do coração. A Śuddha Pañjikā procura expressar o desabrochar gradual de śraddhā e, consequentemente, da visão sintrópica (divyacakṣus), considerando que o coração não tem correntes, porque não sabe viver acorrentado. O coração espiritual busca apenas o seu ritmo sintrópico, procurando se harmonizar, sem perder a cadência e o compasso. 

Esta versão online do diário, sob a forma de um livro-blog, dá sequência ao Diário da Consciência (Śuddha Pañjikā), que surgira como um desdobramento natural dos registros (ver arquivo digitalizado) das impressões da primeira visita que realizara ao então embrionário núcleo do Śuddha Sabhā Ātma, em janeiro de 1979. Antes de alcançar a sua primeira forma digital, em 1994, este diário, que a partir de agora se torna público, já havia sofrido algumas modificações estruturais, incorporando, por exemplo, os registros da série de quarenta e dois encontros, denominada Buddhi Yajña (Esforços de Intelecção), ocorridos entre janeiro de 1988 e maio de 1989, que tinha por objetivo refletir sobre os rumos da instituição e a constituição da Grande Síntese (ver arquivo digitalizado). Ao alcançar a plataforma dos blogs, esta nova serie, que irá ao ar dentro de algumas semanas com a publicação do seu primeiro artigo, torna-se, na prática, um instrumento de reflexão sobre a práxis sintrópica e a nascente ciência da meditação e, consequentemente, sobre a fenomenologia da consciência. Quando esta fenomenologia se desenvolve segundo o prisma sintrópico de śraddhā, o poder do amor em ação, avançamos no processo assimptótico de aproximação e compreensão da realidade última e suprema (Brahma-sāmīpya).

Śraddhā, como veremos ao longo do processo de construção e publicação dos textos deste livro-blog, denota a capacidade sintrópica de iluminar a razão e facilitar a meditação na práxis do mundo. Assenta-se no tripé de jñāna (conhecimento), bhakti (vontade e devoção) e karma (ação). Sob o prisma sintético de śraddhā, o terno formado por jñāna, bhakti e karma, que dá forma a toda a atividade humana, harmoniza-se de forma sincrônica, sinergética e sintrópica. Jñāna passa a expressar a capacidade de ver o sagrado em tudo na vida e de distinguir, a cada passo de nossa jornada, o real do irreal, os nossos anseios superiores (śreyas) daqueles de nosso corpo emocional (preyas). Igualmente, bhakti torna-se a capacidade devocional de se decidir desinteressadamente pela verdade e pelos desejos legítimos e superiores (śreyas) ao invés daqueles meramente prazerosos (preyas). Muitas pessoas pensam que os seus desejos, simpatias e antipatias são elas próprias, daí ser difícil desenvolver a devoção, o desapego e, consequentemente, a autêntica bhakti. Por fim, pode-se dizer que karma torna-se "naiṣkarmya", a capacidade de silenciar o ego para se agir pelo não-agir, conforme BhG 3.4,  BhG 18.49 e implicito em BhG 18.50.

Há, basicamente, seis pontos que qualificam a atividade sintrópica humana em termos desta "não-ação" (naiṣkarmya) do ego: (1) Domínio da Mente; (2) Domínio da Ação; (3) Tolerância; (4) Contentamento; (5) Foco e Perseverança (unidade de direção para o fim visado); e (6) Confiança e Convicção Interior. (1) Domínio da Mente significa ter a capacidade de manter o pensamento sempre calmo e sereno (funcionamento Ātma-para), evitando que o ego assuma o controle (funcionamento guṇa-para). Tristezas, doenças, perdas – nada deve ser motivo para se perder a calma mental. (2) Domínio da Ação significa que o pensamento deve tornar-se um instrumento e uma expressão do sagrado, que se deixa traduzir em obras. (3) Tolerância nasce da compreensão. É a qualidade fundamental para se ajudar ao próximo e trabalhar pelo bem coletivo. (4) O Contentamento com tudo o que a vida nos reserva nos lembra da perfeição do plano cósmico. (5) Foco e Perseverança significam cumprir o mandamento universal: “O que quer que faças, faze-o de boa vontade, como sendo para o Senhor e não para os homens”. (S. Paulo: Colossenses 3:23) (6) Confiança e Convicção Interior são as qualidades que se manifestam no ser humano como śraddhā, definindo e qualificando a sua conduta. 

Esta Śuddha Pañjikā (livro-blog), em síntese, irá constituir-se segundo o esforço sintrópico, ou yajña, de naiṣkarmya, que se revela como śraddhā -- a bússola interior e a expressão em nós da espiritualidade pura, do ardor do amor em ação e do poder do coração, que fortalece a vontade, a confiança e o sentimento de comunhão com a verdade e o sagrado. Conforme ensina Teófano, o Recluso, em A Arte da Prece, "quando a consciência está dentro do coração, ali também está o Senhor; e assim os dois tornam-se um." Quando todo e qualquer estímulo, originado pelos contatos dos órgãos dos sentidos com o exterior, passar primeiro pelo coração, antes de se constituir como pensamento; quando todo o pensamento que vier a se instalar em nossa mente tiver antes passado pelo crivo do coração, então a mente estará unificada ao coração, tal como propõe toda a ciência sagrada sobre a arte da meditação. Assim como a lâmina de uma navalha não pode cortar a si mesma, a mente não se ilumina por ela mesma, mas pelo coração. A ação de meditar e a meditação na ação compõem a via da síntese, que harmoniza a mente, fazendo-a retirar-se dos objetos dos sentidos e residir no coração, fonte de toda śraddhā e poder de realização da essência mais pura (śuddha) do sagrado (dharma).

O que é a consciência? Dois olhares distintos






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(1) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.

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Rio de Janeiro, 03.09.16
(Atualizado em 28.01.24)

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