Karpaṇya-doṣaḥ — a névoa do coração
que anuncia a alvorada da śraddhā.
1. O medo de não ser:
o drama do ego entre svārtha e kārpaṇya-doṣa
“Todo mundo que eu conheço vive a síndrome do impostor.” — disse Jesse Eisenberg. Se até artistas reconhecidos a experimentam, o que dizer dos que trilham o caminho da interioridade?
O Śraddhā Yoga não interpreta essa síndrome como fraqueza, mas como rito iniciático: um limiar entre a ignorância do ego e a humildade da alma.
A sensação de não estar à altura — de ser um personagem disfarçado de si mesmo — é comum àqueles que começam a abandonar as máscaras sem ainda conhecer o rosto por trás delas. Em sânscrito, dois termos nos ajudam a compreender essa travessia: svārtha e kārpaṇya-doṣa.
Svārtha traduz-se como “autointeresse” ou “benefício próprio”. Mais que mero desejo material, refere-se a uma visão centrada no eu — onde o mundo se organiza em torno da própria vantagem. No Śraddhā Yoga, svārtha é um obstáculo à práxis sintrópica: ele fragmenta o fluxo da ação sábia (BhG 2.50).
Kārpaṇya-doṣa, por sua vez, significa “a falha da mesquinhez”. Na Bhagavad Gītā, Arjuna se declara afligido por esse doṣa — o defeito da impotência afetiva e espiritual que paralisa a ação e obnubila a clareza. É o enfraquecimento da śraddhā, que transforma o dharma em dilema e o ato em hesitação.
2. Arjuna: o arquétipo da travessia
No início da Bhagavad Gītā, Arjuna encarna esse drama. Diante da batalha justa, vê-se tomado por um sentimento de indignidade. Seus braços tremem. Seus olhos se turvam. Suas palavras se embargam. É o momento de karpaṇya-doṣaḥ: a autoimagem fragmentada que oscila entre culpa e confusão.
Mas Krishna não o condena. Ele escuta. Depois, orienta.
Na Bhagavad Gītā, essa escuta silenciosa é o início do processo de superação: o instante em que se reconhece o impostor interior é o mesmo em que se abre espaço para a verdade do Ser. A dor e o ardor puro de Arjuna formam o campo sagrado onde Krishna revela o yoga ancestral. A síndrome, ali, é o início do despertar.
3. O palco do Ser: rendição e silêncio
No teatro, o “impostor” é aquele que teme não ser convincente diante da plateia.
Mas no palco do Śraddhā Yoga, não há plateia — só presença. A performance deixa de ser espetáculo e se torna invocação.
É aqui que se revela o Haṃsa Prāṇāyāma: gesto respiratório de purificação do ego, onde o foco absoluto se volta ao instante de Ṛta. Inspirar, reter, expirar — e perceber que nenhuma dessas fases pertence ao “eu”. Respirar com śraddhā é sair do papel e reencontrar o ator essencial: o Ser.
Nesse silêncio, a síndrome do impostor não é patologia — é rito de passagem.
O medo é o último guardião do portal que conduz ao si-mesmo.
4. Do medo à śraddhā: coragem como amor em ato
Ao decidir enfrentar esse medo com lucidez, Arjuna recupera sua śraddhā: a confiança silenciosa que escuta a voz de Ṛta. O praticante já não precisa provar nada. Não se trata de vencer, nem de agradar — mas de ser fiel ao impulso sagrado do coração. Assim, Arjuna atinge sua mais alta performance.
Quando o ego se cala, a alma canta. E, como ao final de toda peça verdadeira, o silêncio do Ser recebe o aplauso mais importante: não da audiência, mas da própria essência da realidade.
Rio de Janeiro, 01 de junho de 2025
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