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2021-12-27

A Homossexualidade no Contexto da Tradição Védica

Pārśvanātha Mandir (Janeiro de 2010)
Templo jainista do século décimo em Khajuraro

Se a partir de Freud a homossexualidade passou a ser classificada no ocidente como uma doença mental (somente em 1993 a OMS a retirou da lista de doenças mentais), na Índia a literatura sânscrita sempre preferiu considerar a existência de um “terceiro gênero” (tṛtīya prakṛti).  Desde os textos védicos, discutem-se as várias possibilidades de gênero, a homossexualidade (samaliṅgakāma), a bissexualidade (ubhayaliṅga), os hermafroditas (napuṁsakas) e os desvios de sexualidade causados pela impotência (klība). A cultura indiana constitui-se como um somatório de práticas religiosas, seitas e doutrinas contraditórias, que afirmam, ou rejeitam, a autoridade da literatura védica, conhecida como Sanātana Dharma (A Lei Eterna). O budismo, por exemplo, embora na Índia tenha sido assimilado pelo hinduísmo, rejeita a autoridade dos Vedas, tanto no Dhammapada (expressão do idioma páli que traduz o sânscrito "Dharma-pada", a via do Dharma), como em todo o restante do seu Cânone.  Então, a pergunta que se pode fazer e que pretendemos responder neste artigo é: qual é a posição da literatura sagrada da Índia e dos seus seguidores com relação ao tema da homossexualidade?

2019-01-08

Movimentos de Convergência: (5) Norman O. Brown e a abertura para o mistério

Movimentos de Convergência: (5) Norman O. Brown e a Abertura para o MistérioLuiz Carlos Maciel foi introduzido ao pensamento de Norman O. Brown, (veja aqui) por meio de seu colega, o jornalista Sérgio Augusto, que lhe indicou o livro Life against Death. Maciel, entusiasmado com o texto, convenceu a Rose Marie Muraro a propor a tradução do texto para a Ed. Vozes, de Petrópolis, que o editou com o título Vida contra Morte: uma interpretação psicoanalítica da história. Trata-se do único livro de Norman O. Brown traduzido para o Português. O subtítulo traz os dois elementos constitutivos da síntese pretendida no texto: a história, o elemento marxista, de esquerda; e o elemento de direita, a interpretação psicoanalítica, freudiana, do inconsciente.

2019-01-05

Movimentos de Convergência: (4) a metafísica da contracultura

Para compreender a palavra utilizada por Heidegger que designa o Ser (das Man), Luiz Carlos Maciel, cujo pensamento estamos explorando nesta serie, leu o artigo Qu’est-ce que la métaphysique (1938), traduzido por Henry Corbin de um artigo de Heidegger de 1929. Esta ideia do Ser ou das Man é importante porque ela se encontra na raiz de todos os julgamentos críticos. Estes estão presentes, notadamente, no pensamento de Marx e Freud, que denunciam o engano da vida cotidiana na nossa civilização, com a padronização quase robótica do ser humano. Muito provavelmente, teria sido este mesmo engano a que Marx se referia quando critica a alienação do ser. Marx ainda se utiliza do ponto de vista hegeliano, mas, ao inverter a sua lógica, encontra uma racionalidade na história que lhe permite desenvolver as suas análises político-filosóficas sob o prisma histórico-social. Em Hegel a história se dirigia para o saber completo no Espírito Absoluto. Marx, de outro lado, entende o movimento da história no sentido social de se avançar para uma sociedade comunista. O outro pensador do século XIX que, segundo Maciel (veja aqui), teria percebido o engano em que vivemos foi Freud. Ele teria descoberto o nó desta questão ao denunciar a repressão, que está na raiz do ser, vítima de padronização e alienação. Segundo Freud, toda doença da sociedade ocidental deve-se à repressão, para ele um mal necessário.  Daí a função de reprimir que atribui, em sua teoria psicanalítica, ao superego, o censor que impede a ascensão do Id.

2018-12-28

Movimentos de Convergência: (2) Rosa dos Ventos

O curso que Luiz Carlos Maciel gravou, nos dias 01 e 02 de setembro de 2017, sobre a essência da contracultura (veja aqui)  substitui, em parte, o seu desejo de escrever um livro, que se chamaria Rosa dos Ventos. Maciel organiza o seu pensamento em torno de quatro pensadores que, embora não tenham nenhuma relação entre si, explicam a sua trajetória e fornecem os fundamentos filosóficos da contracultura: Martin Heidegger (1889 - 1976), Norman O. Brown (1913 - 2002), Carlos Castaneda (1925 - 1988) e Philip K. Dick (1928 - 1982).

2017-05-06

Sorriso Interior: a arte de amar (II)

Como definir, como buscar e experimentar aquilo que, ao certo, não se sabe o que é? Sócrates (ca. 470 a.C. – 399 a.C.), no diálogo Mênon, recorre à teoria da reminiscência para enfrentar essa mesma questão. Procura mostrar a Mênon que a virtude não consiste em obter prazer e poder sobre todas as coisas, como este acreditava. Do mito à filosofia, perpassa a ideia de que cabe a cada um fazer pelos demais — com amor e perfeição — tudo aquilo que estiver ao seu alcance. 

Tudo é relativo — menos o amor. Amor não é emoção volúvel, nem doutrina idealizada. É o critério mais íntimo da verdade. Na tradição da Bhagavad Gītā, a śraddhā sattvika é o amor luminoso que reconhece a dignidade do real e o orienta ao Bem. Sem ela, nenhuma moral se sustenta e nenhuma justiça pode florescer. Amar, então, é mais que afeto: é ver com clareza, decidir com inteireza e agir com nobreza.

Mesmo num mundo onde existam homens soberbos e sem lei, não podemos esquecer o quanto um homem tem necessidade do outro. O que dá sentido à existência é a formação do caráter e o desenvolvimento de um modo amoroso e virtuoso de viver. Nem a velhice, nem a juventude, são difíceis se nos formamos segundo essa via. E a memória é o primeiro elemento para se guardar a verdadeira herança: a reminiscência da doutrina do bem e da imortalidade da alma. Segundo essa teoria, recordar-se é tomar consciência de si mesmo, pois a alma teria, antes do nascimento, visto e conhecido todas as coisas. Aprender seria, portanto, recordar algo presente de forma latente no Espírito e que pode emergir à consciência. Consciência entendida como a capacidade de conhecer; saber que conhece; e saber o quê conhece que conhece. Do ponto de vista psicológico, a consciência representa o sentimento da própria identidade — o eu — essa maneira única de perceber, agir, desejar, sentir prazer e, por fim, amar e ter compaixão. Os gregos associavam essa consciência à mãe das musas, a deusa Mnemosyne (Memória), que concedia aos poetas e adivinhos o poder de retornar ao passado para evocá-lo em nome da coletividade. Também os médicos recorriam à reminiscência (anamnese): antes de formularem seus diagnósticos, levavam o paciente a recordar todas as circunstâncias que antecederam o surgimento da doença.

2017-01-08

Sorriso Interior: a Bhagavad Gītā e os germens da transcendência


Tamas evoca a rigidez, a limitação perceptiva, a ignorância e a fixação em formas densas.
Rajas é mais dinâmico, maleável, mas ainda preso ao plano das aparências e das reações emocionais.
Sattva aparece não como uma projeção, mas como a reconciliação tridimensional entre os dois extremos.
A verdade (sattva) é compreendida não por exclusão dos opostos, mas por integração:
a śāttvika jñāna é a única que reconhece a totalidade (BhG 18.20).
Os guṇas, como modos de percepção da realidade, traduzem com suavidade
o contraste entre avidyā (ignorância) e prajñā (sabedoria integrativa).

Comecei a refletir sobre a transcendência (nirvāṇa) da realidade dual (saṃsāra) a partir da minha primeira publicação, Síndrome do Pânico: Aprendendo com a pedagogia da dor (Ed. Litteris: 1998). Esta pequena novela deveria se chamar Sorriso Interior, em homenagem ao poeta simbolista Cruz e Souza, mas, por pressão da editora, saiu com um título que contemplava os temas da moda. Embora o texto não tenha valor literário, ainda o prezo por mapear parte da minha jornada espiritual.

O livro reflete sobre as manifestações concretas da síndrome do pânico, exemplificando aquilo que concluí ser a Lei Universal da transcendência: o contrário do amor não é o ódio, mas a sua ausência — e o principal sintoma dessa ausência é o medo. O medo, invariavelmente, denuncia uma forma de ausência de amor. A via da transcendência estaria, assim, contida no amor mais elevado, que não conhece oposto e brota do  altruísmo biológico, que habita todos nós (como ilustra este nosso vídeo).