2024-05-23

Despertando para a Consciência Sintrópica


Quem pensa que o céu é perto,
e nas nuvens quer pegar,
os Anjos ficam sorrindo,
da queda que vai levar!
(Gerônimo Santana)

Quando a realidade externa nos apresenta problemas, temos que entender que ela está nos contemplando com oportunidades de nos voltarmos sobre nós mesmos, para, a partir daí, lidarmos com o externo, que nada mais é que reflexo do interno. Essas ocasiões são sempre um convite para a compreensão ritualística de toda atividade humana, tal como ilustrado na Bhagavad Gītā. Na práxis sintrópica oferecemos como yajña o sacrifício do nosso ego, da nossa natureza inferior. E este yajña vem sempre acompanhado de tapas, ou da postura austera em palavras, pensamentos e atos, e de dāna, ou do exercício de doação de si mesmo, em nome da harmonia e do equilíbrio de toda a realidade. A luz gerada pela práxis sintrópica é capaz de dissipar as trevas que nublam as moradas interiores e exteriores de cada um, auxiliando-nos em nossa jornada.

Para aprender a interpretar todos os sinais que a vida nos apresenta, temos que nos lembrar de que as sombras existem para nos testar no caminho verdadeiro, onde se adquire a consciência sintrópica e, consequentemente, o domínio e o controle sobre si mesmo. Há dentro de nós esses dois princípios: a sintropia que nos orienta para o Espírito; e a entropia, que nos orienta para a matéria. Esses dois princípios atuam em nós conforme ilustra a metáfora indígena dos dois animais em luta que trazemos dentro de nós – um bom e outro mau. Quem vencerá a luta? Aquele que alimentarmos, responde o velho índio. Quando estamos desejosos de algo que sabemos ser maléfico, o mais comum é nos afastarmos de nós mesmos e cultivarmos, às escondidas, os meios para nos entregar a esse desejo. Entretanto, melhor seria se não atendêssemos a qualquer desejo simplesmente porque ele surge. Apenas os desejos lícitos segundo a consciência sintrópica manifestada em nós deveriam ser atendidos. De outro modo, permanecemos estagnados como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Sem declarar guerra aos impulsos materiais e entrópicos, mas aprendendo a buscar o equilíbrio sintrópico, podemos, aos poucos, nos fortalecer e nos preparar para as grandes batalhas interiores, que conduzem para o universo do Sagrado.

“Olha o céu ao entardecer... se for vermelho escuro, haverá de chover; se for vermelho claro, o dia amanhecerá estiado”, ensinam as Escrituras. Tudo tem um significado.  As experiências da vida, às vezes, nos contrariam porque não percebemos que a Grande Lei opera sempre em nosso favor. Esquecemo-nos de que na vida tudo é importante. Tudo merece uma intelecção profunda para saber o significado de cada evento.  Não há nada, por mais doloroso que seja, que não concorra para o bem de todos... Mas nem sempre percebemos os sinais.  Por isto, alertam as Escrituras, “deixe que os cegos guiem os cegos até o abismo”.  O que nos cabe é seguir sempre em frente, fortalecendo-nos nos sentimentos sintrópicos e no amor ao Sagrado e sublimando os desejos ilícitos.

O sentimento sintrópico desarma todas as barreiras. Vence todas as hierarquias. Promove a paz.  Se cedemos a qualquer adicção por egoísmo, vaidade e orgulho, o resultado só pode ser a desarmonia. O que harmoniza é o amor-em-ação, ou seja, a práxis sintrópica. Esta transforma em gratidão as provações, que, aos poucos, vamos aprendendo a superar. A gratidão é a memória do amor, dizia Antístenes.  Aprendemos a superar os desejos ilícitos, as “fissuras”, quando cultivamos o sentimento de gratidão e reconhecimento perante o Sagrado que representa a própria vida.

Os desejos ilícitos são também parte da condição humana, caracterizada pela busca de prazeres naturais vinculados aos processos entrópicos e à própria luta pela sobrevivência. Quando se atende a tais demandas, ativam-se, em um e outro caso, os mesmos circuitos de prazer.  E bastam pequenos sinais, ou estímulos capturados em microssegundos pelos órgãos dos sentidos, para ativar todo o sistema cerebral. Algo no sistema cerebral nos diz “vá em frente, transgrida!”, criando um desejo, ou uma compulsão, irresistível.

Apenas um espírito disciplinado na práxis sintrópica consegue gerenciar estes estímulos e instruir os processos cerebrais para que emitam mensagens de alerta, dizendo “pare agora!”. Segundo a Bhagavad Gītā aprimoramos a nossa capacidade de dizer “não!” na medida em que aprendemos a realizar a inversão do nosso funcionamento entrópico (guṇa-para), fundado no eu inferior, para o funcionamento sintrópico (ātma-para) fundado no alento vital, no Espírito que organiza a vida.

De início pode parecer difícil enfrentar estas situações ante as quais nos percebemos totalmente impotentes. Contudo, ao cultivarmos o sentimento intuitivo que brota da consciência sintrópica como śraddhā (o poder do amor em ação, a motivação, o entusiasmo e a força interior), conseguimos nos manter na práxis sintrópica e realizar a ação necessária, por mais difícil que ela se mostre.

Este é um aprendizado gradual, conforme ilustra o diálogo da Bhagavad Gītā. De início, para recuperar a sua śraddhā, o primeiro passo de Arjuna foi admitir a sua impotência, mas resistindo, ao mesmo tempo, ao seu desejo intenso de ceder. Em vez disso, buscou o amparo na consciência de Krishna, despertando a sua visão sintrópica e, consequentemente, renovando a sua motivação e sentimento interior de aceitação em relação em relação à práxis que funcionaria como um medicamento para a sua alma.

Uma versão moderna e simplificada deste despertar para a práxis sintrópica aparece no tratamento dos Doze Passos a que se submetem as pessoas com problemas de adicção. Os doze passos representam um primeiro movimento do ser no sentido de conseguir proceder a inversão de funcionamento entrópico, que caracteriza a adicção, para o funcionamento sintrópico, que caracteriza a superação das adicções. Esses doze passos podem ser resumidos conforme se segue:

1. Admitir a impotência perante a adicção responsável pela perda de si mesmo.
2. Confiar que o Sagrado pode nos devolver a sobriedade e o equilíbrio sintrópico.
3. Renunciar a nossa vontade egoica e entrópica, até que ela se harmonize e se equilibre com a nossa consciência sintrópica.
4. Realizar um minucioso e honesto diagnóstico moral de nós mesmos.
5. Perante o Sagrado, em nós e no mundo, admitir a natureza exata de nossas faltas.
6. Permitir que o Sagrado atue na reconstrução de nosso caráter.
7. Rogar para que esta entrega ao equilíbrio sintrópico corrija as nossas imperfeições.
8. Fazer um relato de nossos desvios de conduta e de como reparar os danos causados.
9. Reparar todos os danos da forma mais direta e universal possível.
10. Realizar o exame de consciência e admitir prontamente os erros.
11. Haurir forças (śraddhā) para adequar a nossa práxis com o Sagrado.
12. Compartilhar a graça desta práxis sintrópica com aqueles ainda vítimas de suas adicções.

A práxis sintrópica nos capacita a agir no mundo como servidores desinteressados da causa do bem estar universal. Representa, portanto, uma forma de rendição a um poder superior capaz de promover a mudança do nosso funcionamento egoico e adictivo para aquele outro, que harmoniza os princípios material e espiritual e nos aproxima da Realidade Sagrada.



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