2023-06-06

O Sentimento Sintrópico (Śraddhā) do Espírito Humano (Ātman) e a sua Relação com a Razão (Buddhi e Manas) na Produção da Ciência Contemporânea (II)



II. A Ciência Termodinâmica e a Origem da Vida

A Ciência Termodinâmica, que se ocupa do rumo que as coisas tomam na natureza, nasce no século XIX em função da necessidade de se explicar o funcionamento das máquinas a vapor. Em 1824, o engenheiro francês Sadi Carnot (1796-1832) estabeleceu, matematicamente, como se daria a conversão de calor em outras formas de energia. Em seu trabalho intitulado “Reflexões sobre a Potência Motriz do Fogo” ("Réflexions sur la puissance motrice du feu") ele introduz o conceito do ciclo de Carnot - um modelo teórico idealizado de um motor de calor que opera entre duas fontes de temperatura, uma quente e outra fria. O ciclo de Carnot, contudo, só explica o balanço energético das máquinas em circunstâncias idealizadas (envolve quatro fases: expansão isotérmica, expansão adiabática, compressão isotérmica e compressão adiabática), descoladas da realidade. Diferentemente do previsto no ciclo de Carnot, os ciclos reais não apresentam a propriedade de serem termodinamicamente reversíveis.

Os únicos processos físico-químicos onde a entropia não varia são aqueles utilizados como abstrações, conforme o ciclo de Carnot: (1) durante a expansão isotérmica a entropia aumenta; (2) durante a expansão adiabática a entropia diminui; (3) durante a compressão isotérmica a entropia aumenta; e (4) durante a compressão adiabática a entropia diminui. Desta forma, no ciclo de Carnot ideal a variação de entropia é igual a zero. E é por isto que este ciclo “ideal” pode ser considerado “reversível”. É esta a característica que torna o Ciclo de Carnot um modelo teórico útil para o estabelecimento dos limites de eficiência dos ciclos reais, presentes, por exemplo, nas máquinas a vapor.

Para se compreender matematicamente a entropia basta lembrar que a multiplicação da variação da entropia inicial e final de um sistema pela sua temperatura, resulta na variação de energia que ocorre nesse mesmo sistema. A entropia indica a capacidade, ou incapacidade, de um sistema voltar ao seu estado anterior. Representa uma medida para o grau de irreversibilidade dos fenômenos naturais. No mundo real os processos ocorrem segundo um sentido natural e único. Quando se mistura um copo de água quente com um copo de água fria, obtemos dois copos de água morna. Entretanto, uma vez misturados os copos, não é mais possível obter de volta um copo de água quente e outro de água fria. De igual modo, testemunhamos as sementes transformarem-se em árvores, mas ninguém, jamais presenciou uma árvore encolher e voltar a ser semente, como se se estivesse a assistir um filme de trás para a frente. Esses resultados levam ao estabelecimento do “Segundo Princípio da Termodinâmica”. Enquanto o Primeiro Princípio estabelece a conservação da energia em qualquer transformação, o Segundo Princípio expressa esta propriedade nova, batizada de entropia, que tende a aumentar com o tempo até alcançar um valor máximo, revelando, por isto mesmo, o sentido natural em que as transformações ocorrem. Mais tarde, o Terceiro Princípio da Termodinâmica, mostra a relação existente entre a entropia e a temperatura de zero absoluto e, consequentemente, a impossibilidade de se atingir esta temperatura. Nenhum desses Princípios é demonstrável, mas, uma vez adotados, as leis particulares que regem o comportamento do mundo físico podem ser deduzidas. A Química surge, desse modo, como o ramo da Física que decorre da formulação do Terceiro Princípio.

A partir do exposto, pode se indagar: seria o mundo constituído, entropicamente, para alcançar o caos e a desordem, sem estar a serviço de qualquer outro propósito? Segundo a Teoria do Big Bang o Universo se inicia colocando em marcha o processo entrópico, que conduz à desestruturação crescente de tudo até o estado final de caos, com o colapso da matéria, para o qual o Universo parece tender segundo as leis do Acaso, descritas nos cálculos de Daniel Bernoulli (1700-1782). Ainda considerando a questão anterior, poderíamos nos perguntar: qual seria o segredo para que a vida floresça, mesmo quando toda a atividade do universo físico-químico avança no sentido da sua degradação? De onde viria esta organização que a vida absorve do ambiente?

Erwin Schroedinger (1887-1961) mostra que o organismo vivo troca as suas moléculas de baixa organização e importa, sob a forma de alimentos, aquelas altamente organizadas do ponto de vista termodinâmico. Ou seja, o ser vivo exporta aquilo que desorganizou e importa o que é organizado, recompondo e aprimorando o seu organismo e o seu entorno. Desta forma, um mesmo átomo individual migra de um reino para outro, atravessando as fronteiras entre aquilo que apresenta, ou não, vida. Além do mais, sabemos, a vida depende do Sol, que fornece energia à Terra, compondo com ela um sistema termodinâmico. Os raios de sol alcançam a água, presente na célula vegetal dotada de clorofila, decompondo-a em oxigênio e hidrogênio. E o mais interessante é que os seres vivos substituem os seus átomos do mesmo elemento químico sem que isto lhes perturbe a vida e a sua identidade: continuamos vivos e os mesmos, embora a matéria que constitui o corpo sólido do nosso ser mude o tempo todo.

O estado sólido confere ao corpo esta propriedade que nos permite nos renovar sem deixarmos de ser os mesmos, tal qual os leitos dos rios, que renovam as suas águas mantendo a sua identidade. O estado sólido, resistente à agitação térmica, preserva a história e a identidade dos corpos vivos, regulada, no nível bioquímico, por meio das moléculas de DNA e RNA. A Biologia estuda como estas diferentes substâncias químicas, quando juntas, abrigam a vida. Nenhum organismo é formado de apenas uma substância. A Biologia revela que todos os seres estão conectados a uma mesma forma de vida, mas não, necessariamente, que a vida seja uma propriedade da matéria, conforme defendem as correntes majoritariamente materialistas da Biologia, que não levam em conta as contribuições oriundas do sentimento intuitivo na formulação das suas hipóteses. Daí que Ilya Prigogine (1917-2003), por exemplo, tivesse se empenhado em mostrar, termodinamicamente, como os processos espontâneos poderiam criar algum tipo de ordem biológica. Contudo, já é possível tratar da vida segundo uma perspectiva “não materialista”, fundada no direcionamento que o sentimento intuitivo oferece à razão.


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