2023-06-08

A nascente cultura sintrópica: um movimento de síntese entre a práxis monoteísta da cultura judaico-cristã e a práxis monista da contracultura hippie do “flower power”

A cultura judaico-cristã e a contracultura hippie contemplam duas visões de mundo opostas sobre a existência. Enquanto a primeira é enraizada em uma crença racional monoteísta, com ênfase na relação com um Deus transcendente, a segunda adota uma abordagem monista, fundada no sentimento de amor, que dá unidade a todas as coisas. Neste ensaio, resumimos os argumentos explorados ao longo deste livro blog para mostrar que a emergente cultura sintrópica se apresenta como uma síntese dessas duas perspectivas aparentemente divergentes, destacando a importância desta nova abordagem holística, sistêmica e harmoniosa para enfrentar os desafios contemporâneos.

A cultura judaico-cristã tem suas raízes em uma abordagem monoteísta, em que a fé em um Deus transcendente é central, conforme procura denotar a expressão medieval de Santo Anselmo, fides quaerens intellectum (a fé como o pressuposto para o conhecimento), já analisada anteriormente. Muitas vezes, a prática dessa cultura enfatiza a obediência, a devoção e a busca por uma vida de acordo com rígidos preceitos morais impostos pela Igreja desde um passado remoto. Como consequência, ao reforçar fronteiras religiosas e promover uma visão de mundo limitada, a cultura judaico-cristã se mostra excludente e intransigente. De outro lado, a contracultura hippie emerge nos anos sessenta adotando a perspectiva monista, típica do mundo oriental, rejeitando as divisões e abraçando a unidade e a interconexão de todas as coisas. O movimento hippie se baseava na literatura sagrada da Índia, no poder do amor, na empatia e na igualdade. Influenciados por filosofias orientais, como o budismo e o hinduísmo, os hippies valorizavam a liberdade individual, a paz e a harmonia com a natureza.

A emergente cultura sintrópica, por sua vez, embora enraizada em Escrituras Sagradas milenares que se ocuparam da arte e da ciência da meditação, ressurge agora como uma síntese entre essas abordagens aparentemente opostas. De um lado, temos sido marcados pelas marchas em direção a Jesus; de outro lado, pelas marchas de liberação das drogas e de oposição a todas as formas de segregação e intolerância religiosa, de gênero, de raça etc. A cultura sintrópica reconhece a importância do relacionamento com o transcendente, como afirmado na cultura judaico-cristã, e valoriza o sentimento de unidade e de interdependência de todas as coisas, como defendido pela contracultura hippie. A cultura sintrópica apresenta uma visão holística e integrada, onde o sagrado é visto na transcendência e na imanência.

Em todos os campos do saber, a abordagem sintrópica implica em uma radical mudança de paradigma, onde o sentimento sintrópico de amor é entendido como uma força criativa e transformadora que permeia todas as esferas da existência. Ao abraçar a visão sintrópica, a ciência é convidada a reconhecer a necessidade de transcender as limitações da razão, que é insensível, e trabalhar em prol da harmonia entre os seres humanos, a natureza e o transcendente. A cultura sintrópica, por se fundar no sentimento amoroso, antes que na razão, valoriza mais as práticas de meditação espiritualistas e laicas que tocam ao coração, e não a mera crença em quaisquer doutrinas. E ainda assim, as valoriza, uma vez que elas representam uma busca pelo equilíbrio entre a aceitação integral, sem questionamentos, dos caminhos definidos pelas convenções morais e religiosas, e aqueles definidos pelo sentimento de amor, que nos leva a avançar da esfera dos “bons costumes” e da moral bíblica, para a filosofia moral, ou seja, aquele tipo de sentimento íntimo que rege e define a boa ética.

A emergente cultura sintrópica surge e se desenvolve a partir daquele espaço de intersecção e síntese harmoniosa dos valores mais caros aos seres humanos, expressos pela cultura judaico-cristã e pela contracultura hippie do movimento do "flower power". Ela nos convida a abraçar uma visão holística e harmoniosa da existência, que reconhece a importância do transcendente e da unidade de todas as coisas. Ao integrar a devoção e a prática moral da cultura judaico-cristã com a valorização da empatia, igualdade, liberdade e amor da contracultura, a cultura sintrópica surge, naturalmente, a partir dos sentimentos amorosos dos praticantes de meditação, oferecendo uma abordagem abrangente para enfrentar os desafios contemporâneos.

Na realidade, quando ingressamos na via sintrópica, buscamos encontrar os mistérios do sagrado coração, que nos anima e nos dá vida e a todos nos une e unifica. O sentimento sintrópico da nossa própria humanidade tem a capacidade de iluminar a nossa razão, levando-nos, gradualmente, a transcender as divisões e trabalhar em conformidade com os novos paradigmas da ciência deste novo milênio, em prol da construção de um mundo mais compassivo, justo e sustentável. Ele representa um convite para atualizarmos o paradigma medieval de Santo Anselmo, promovendo a reconciliação entre a ciência e a espiritualidade, conforme já discutido em outros artigos. Ao unificá-las, levando ética a todas as nossas atividades, reconhecemos a unidade essencial de toda a criação. Tornamo-nos, deste modo, gestores sintrópicos, capazes de levar as práticas sintrópicas aos nossos ambientes, promovendo a harmonia em todas as esferas das nossas vidas, desde os ambientes familiar e de trabalho, até aqueles mais amplos que envolvem a esfera política e o próprio meio ambiente.

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