2021-06-28

Mahābhārata: a filosofia sintrópica na práxis

Neste sábado, 26.06.21, tive a oportunidade de realizar a palestra “Mahābhārata1: A história da manifestação do śuddha dharma” (veja o vídeo abaixo), no ciclo de palestras do Projeto Fontes de Luz, organizado pelo Ashram Kalyāṇa do Śuddha Dharma Mandalam. O título, um tanto provocativo, indica a transgressão de certos valores no Mahābhārata, onde muitos papéis do hinduísmo tradicional são questionados, ou se invertem em função da influência, sutil e decisiva, de Krishna e da sua filosofia sintrópica na vida dos Pāṇḍavas. Arjuna, por exemplo, se traveste de mulher; os Pāṇḍavas, ainda jovens, vivem como renunciantes na floresta, mas depois retornam para uma nova vida na cidade etc.

Desde a revolução ecológica dos anos sessenta vários esforços têm sido feitos no campo das ciências e da filosofia para equacionar como o amoroso sentimento sintrópico orienta o bom funcionamento da razão. Em Humberto Maturana, por exemplo, o amor aparece como o fundamento do ser social (Biología del fenómeno social, 1985). O amor seria o responsável pelo processo de socialização humana e a sua ausência representaria a desintegração total da sociedade. Do mesmo modo, o filósofo Arne Naess, o grande precursor da ecologia profunda (Ecology, Community and Lifestyle, 1989), encontra a fundamentação da sua teoria no conceito de Ātman, extraído diretamente da Bhagavad Gītā. Ambos os autores se valem dos sentimentos superiores do espírito para a construção dos seus sistemas. Indiretamente, eles resgatam o papel da escuta do coração, defendida em textos milenares como o Mahābhārata e a Bhagavad Gītā, onde a filosofia sintrópica é formulada e desenvolvida, conforme discutido na apresentação.

Krishna desenvolve ao longo do épico uma fenomenologia da consciência amorosa. Vários episódios do Mahābhārata mostram como é difícil desenvolver esta escuta do sagrado (dharma) em sua pureza (śuddha). Krishna rompe com o que é geralmente aceito, promovendo o deslocamento do entendimento habitual do sagrado e das leis que regulam as relações humanas. Não sem razão, a Bhagavad Gītā é reconhecida como uma alegoria poética desse deslocamento, que oferece um novo sentido para a luta interior do ser humano. A filosofia sintrópica se estabelece como esta escuta do coração, na forma de um diálogo interior, ou o diálogo da consciência, tal qual o próprio Arjuna experimenta no episódio da Bhagavad Gītā, onde se trata da mente e da relação do homem com o sagrado que reside no coração sob a forma de amor (Ātman).

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(1) Playlist com a serie completa do Mahābhārata (B. R. Chopra) que passou como novela na Índia, nos anos noventa e foi lançada no ocidente em 2002: https://www.youtube.com/playlist?list=PLa6CHPhFNfadNcnVZRXa6csHL5sFdkwmV

SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Próximo texto: A essência do Mahābhārata e da Bhagavad Gītā em 108 proposições

Rio de Janeiro, 28 de junho de 2021.
(Atualizado em 07.06.23)

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