2023-05-22

A Cultura Sintrópica e o Espírito, este desconhecido

O mundo é tal como nos parece,
feito de coisas que não aparecem.
Santo Agostinho

Conforme explico mais detalhadamente ao longo dos capítulos seguintes, logo que conheci Francisco Barreto, em 1979 fui convidado a experimentar mais profundamente a forma de viver proposta no Śuddha Yoga, muitas vezes chamada de “espiritualista”, por falta de um melhor nome, mas que, na verdade, integra e unifica as experiências do universo fenomenológico, dando igual peso à matéria e ao espírito. O Śuddha Yoga, em seu nível mais profundo, não nos convida a assumir, nem uma postura teísta, nem ateísta, mas aquela oriunda de se compreender o equilíbrio sintrópico destes dois níveis de percepção de uma mesma realidade: o nível entrópico (rajásico e tamásico) do mundo, experimentado como saṃsāra; e o nível sintrópico (sáttvico) desta mesma realidade “material”, experimentado de forma espiritual e laica como nirvāṇa.

2023-05-14

Entropia e Sintropia na Bhagavad Gītā e no Mahābhārata (III)


O que vem primeiro?

O que vem primeiro, o sentimento (bhāva; bhāvanā; anubhūti) ou o pensamento (cintā; cittavṛtti)? Segundo a Bhagavad Gītā, o sentimento tem precedência sobre o pensamento. Nós não somos movidos pelas ideias, mas sim pelos sentimentos. A vida é uma sucessão de sentimentos. Os conceitos podem ser apreendidos pelas máquinas. As pessoas pensam porque sentem, e não o contrário. São os sentimentos que acionam os pensamentos e as ações. Simbolizado na famosa expressão sânscrita OṂ (AUṂ), o sentimento de amor representa, segundo a epistemologia da Bhagavad Gītā, a semente original de todas as existências e a causa do próprio surgimento do universo, que teria se dado segundo a fórmula “Ekoham, bahusyam prajayeyeti” (Eu sou Um, tornar-me-ei também múltiplos seres), discutida na Chāndogya Upaniṣad. Assim, o universo teria surgido do sentimento amoroso, expressão da vontade criadora no ser humano, manifestada como consciência sintrópica (espírito), mente (matéria) e alento vital (energia).

Entropia e Sintropia na Bhagavad Gītā e no Mahābhārata (II)


Vida contra a Morte:
a questão central do Mahābhārata 

Há algo em comum no modo conforme os grandes seres enfrentam certas questões cruciais, face à própria morte. Sócrates, condenado à morte por envenenamento, vê na cicuta (veneno) o medicamento que lhe traria a libertação final de sua alma. Toma a cicuta em paz porque tem certeza de que vivera de forma coerente. Em comparação com a sua determinação de avançar em direção à verdade, a sua própria necessidade de se autodefender desaparece. De igual modo, Jesus, no tribunal romano, cala-se ao ser perguntado se era o rei dos judeus. Bastaria que negasse a acusação e estaria livre, conforme as regras jurídicas vigentes na época. Entretanto, prefere a morte, que fica como testemunha das verdades que professou. Ambos parecem entender a morte apenas como morte do ego, o princípio material de organização do indivíduo. 

Entropia e Sintropia na Bhagavad Gītā e no Mahābhārata (I)

O que é a vida?
Não são as ondas, mas o mar...
Nascemos e morremos no oceano da vida.

INTRODUÇÃO:
O estabelecimento dos fundamentos da filosofia sintrópica e da sua práxis

Este artigo trata da epistemologia e teoria da verdade da Bhagavad Gītā e das suas consequências para o mundo moderno. Toma como ponto de partida algumas ponderações feitas na tese "Śraddhā in the Bhagavad Gītā" (2007), desenvolvida no Instituto de Ciências Sociais da McMaster University e reconhecida (2009) como uma tese de doutorado em filosofia (ver parecer) pela Comissão Especial de Revalidação de Certificados e Diplomas de Pós-Graduação do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), constituída pelos professores Dr. Fernando José de Santoro Moreira, Dr. Franklin Trein e Dr. Gilvan Luiz Fogel.