Quadro simbólico da centralidade das práticas de meditação para a cultura universal de paz e amor. |
Aquele que tem a mente disciplinada (saṁyamī2) está desperto (jāgarti) para o (tasyām) que (yā) é noite (niśā) para a maioria das pessoas (sarva-bhūtānāṃ). E tudo aquilo (sā) para o que (yasyām) a maioria (bhūtāni) está desperta (jāgrati) é noite (niśā) para o sábio (muneḥ) vidente (paśyataḥ). (BhG 2.69)3
Em outras palavras, o homem santo (śuddha yogi), alheio aos atrativos da existência material e ilusória (saṁsāra) está desperto, unicamente, para o aspecto sintrópico, de sagrado de todas as coisas e experiências, que dilui as fronteiras entre as realidades objetiva e subjetiva (nirvāṇa).
O livro-blog reflete sobre o significado profundo do verso acima, partindo de dois resultados da tese "Śraddhā in the Bhagavad Gītā" (2007):
O livro-blog reflete sobre o significado profundo do verso acima, partindo de dois resultados da tese "Śraddhā in the Bhagavad Gītā" (2007):
- o entendimento de que a ancestral e pura ciência da meditação e da comunhão com o sagrado nasce de śraddhā que, em linhas gerais, pode ser definida como: o compassivo sentimento sintrópico, que define a Cultura Sintrópica e a sua práxis e se traduz como o princípio da confiança e da prudência, a bússola interior e a amorosa energia que ilumina a razão em seu processo de convergência para a Verdade e o Absoluto (Brahma-sāmīpya); e
- o entendimento de que sob o prisma de śraddhā, a ciência ióguica, presente na Bhagavad Gītā, revela-se o tronco principal da árvore cujos galhos são, tanto o yoga, compilado nos Yoga Sūtra de Patanjali, como o yoga praticado por Siddhārtha Gautama sob a árvore Bodhi (ficus religiosa) em Bodh Gaya, quando este alcançou a iluminação, tornando-se o Senhor Buda (Iluminado).
I. INTRODUÇÃO
II. A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
III. O Śuddha Yoga revelado na Bhagavad Gītā
IV. A Cultura e a Práxis Sintrópica (Bhāvana Namaḥ)
V. A Ciência do Ser e a Epistemologia da Bhagavad Gītā
VI. O Início da Jornada Interior
VII. O Caminho do Coração e o Encontro com os Mestres
VIII. A ciência Onírica e as Noúres
IX. O Núcleo Familiar e a Práxis da Filosofia Sintrópica (Guru-kula)
X. O Ser, o Estado e a Civilização da SínteseXI. A Contracultura como um Primeiro Movimento da Esfera da Práxis Sintrópica
XII. A Filosofia Sintrópica na Práxis do Cotidiano
XIII. CONCLUSÃO
O capítulo introdutório resume como as práticas de meditação estão contribuindo para o florescimento de uma cultura universal de paz e amor que se adéqua, perfeitamente, ao pensamento de vanguarda brasileiro. O segundo capítulo discute a origem e o desenvolvimento da arte e da ciência da meditação a partir das metáforas presentes na Bhagavad Gītā. O terceiro trata da essência do Yoga e como ele nos harmoniza com o sagrado (dharma). Descreve a arte reparativa que nos revela a essência (śuddha) do sagrado (dharma). O quarto trata da imanência e da transcendência do amor universal, esse sentimento poderoso que nos revela o aspecto de sagrado de todas as coisas. O quinto discute a ciência do Ser descrita na Bhagavad Gītā e a teoria epistemológica que lhe dá sustentação. O sexto representa um testemunho sobre o poder de confiar a nossa vontade à arte de descobrir a presença do sagrado em si mesmo. O sétimo faz um inventário da jornada do herói até o encontro com os mestres. O oitavo considera o sujeito em sua relação com as experiências determinantes do processo de transfiguração interior. O nono ilustra como a família pode funcionar como uma egrégora de acolhimento, promovendo o processo regenerativo, não apenas dos seus membros, mas de todo o nicho ecológico onde ela se insere. O décimo trata do processo psicopolítico de recepção do sagrado no mundo. O décimo-primeiro faz um inventário das contribuições que estão dando forma à nossa cultura de vanguarda. O décimo-segundo ilustra o surgimento e o desenvolvimento das principais etapas da disciplina do Śuddha Iogue. E a Conclusão mostra, em suma, como a arte e a ciência da meditação descritas na Bhagavad Gītā definem a cultura de vanguarda deste novo milênio.
Conforme mostramos ao longo dos capítulos, o coração de toda a cultura védica e upaniṣádica está representado na ancestral arte e ciência da meditação de que trata a Bhagavad Gītā. Os versos 23 a 28 do capítulo 17 da Bhagavad Gītā exprimem bem esta síntese de todo o conhecimento védico, realizada por Krishna. No verso 23, por exemplo, a expressão triádica "OM TAT SAT", tanto significa "OM, isto é a verdade!", como também representa os três níveis da prática de meditação discutida por Krishna ao longo da Bhagavad Gītā: Meditação Transcendental, ou Śuddha Dhyāna (OM), Meditação Objetiva, ou Saguṇa Dhyāna (TAT); e Meditação Subjetiva, ou Nirguṇa Dhyāna (SAT). Os versos 27 e 28 definem as condições necessárias para a prática de meditação (firmeza na internalização dos rituais, na postura austera e no cultivo da compaixão, bem como no desempenho de todas as atividades relacionadas com a meta suprema) e também apresentam como condição sine qua non o desenvolvimento de śraddhā. Sem śraddhā, ou seja, sem a presença deste sentimento amoroso fundamental, que dá unidade essencial (śuddha) a todo o fenômeno ético e religioso (dharma), nenhuma prática de meditação é digna deste nome.
Como sabemos, curiosamente, as práticas de meditação, que representam a mais sublime e sagrada forma de cultura, chegaram ao ocidente de forma significativa no início dos anos sessenta, sob o estigma do rótulo de "contracultura" – termo então utilizado para designar as manifestações inimigas da cultura dominante, nos planos da política, do comportamento, da moral, da expressão artística, da filosofia e da religião. Isto equivale a dizer que para o mundo ocidental dos anos sessenta era "noite" (contracultura) a experiência de vanguarda vivida pelos pacifistas que marcaram de forma pioneira a atitude política do Flower Power (Poder da Flor). Com o lema de "Paz e Amor", formaram-se as primeiras comunidades hippies de praticantes de meditação, para os quais era "noite" o modo de vida belicista e predatório, base do modelo capitalista americano. Durante as manifestações, os hippies não reagiam à repressão policial, a não ser colocando flores nos canos das armas dos soldados. Era o Poder da Flor contra o poder das armas.
Ao contrário dos revolucionários ortodoxos, que sempre enfrentaram o sistema de forma agressiva e violenta, os hippies, ancorados na cultura de paz e amor decorrente das práticas de meditação, se recusavam a entrar em qualquer tipo de confronto. Buscavam a harmonia com a natureza e as suas leis sagradas e não a luta de classes e a devastação dos recursos naturais. Acreditavam antes no poder da meditação que nas cartilhas ideológicas em voga, oriundas de filósofos mergulhados nas trevas do século XIX. O sonho da utopia hippie, entretanto, logo acabou. Os hippies não se mostraram maduros e preparados para a construção de uma sociedade alternativa, fundada nos preceitos da paz e do amor. No limiar deste novo milênio, contudo, os valores "contraculturais" dos anos sessenta foram reconhecidos pelo que, de fato, são: valores culturais de excelência e vanguarda. E assim, as práticas de meditação adentraram, oficialmente, os bancos universitários e o próprio sistema de saúde dos países mais avançados do mundo.
Cabe destacar, por fim, o sentido de "cultura" já presente na própria definição de meditação oferecida pelo Senhor Buda. Ele fez uso dos conceitos de "bhāvana" (adjetivo) e "bhāvanā" (substantivo feminino) para explicar como "cultivar" a meditação. Empregados originalmente no campo da agricultura, ambos os termos passaram a indicar a ideia de desenvolvimento mental e contemplação. A meditação deveria, portanto, ser cultivada por todos, não importando o estágio em que cada um se encontrasse de início. Gradualmente, ela leva ao reconhecimento da presença do sagrado em todas as coisas e experiências da vida. É disto que tratam os capítulos que se seguem, onde procuramos externar o sentimento de unidade que decorre da meditação e se aperfeiçoa com ela, conforme veremos.
N O T A S
(1) या निशा सर्वभूतानां तस्यां जागर्ति संयमी।
yā niśā sarva-bhūtānāṃ tasyāṃ jāgarti saṃyamīयस्यां जाग्रति भूतानि सा निशा पश्यतो मुनेः।।
yasyāṃ jāgrati bhūtāni sā niśā paśyato muneḥ (BhG 2.69)
(2) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.
Bhagavad Gītā editada pela organização religiosa Śuddha Dharma Maṇḍalam |
SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Próximo texto: Bhāvana Namaḥ: um projeto de meditação para todos
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2019.
(Atualizado em 20.10.23).
(Atualizado em 20.10.23).
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