Há um sentimento inteligente no alento. Uma consciência que pulsa com cada inspiração, que sustenta a vida como uma oferenda invisível, mas presente em tudo. No Śraddhā Yoga, essa inteligência é denominada prāṇa, mas não como mera energia vital — e sim como vibração viva da brahma-śakti, a potência do Ser em movimento. Respirar é dançar com o cosmos.
Essa dança, no entanto, carece de direção. É aí que surge śraddhā, o impulso do coração que reconhece o sentido da vida mesmo antes de formulá-lo. Onde prāṇa é o fluxo, śraddhā é a direção amorosa. Onde prāṇa é o sopro, śraddhā é o ritmo interior que harmoniza sua música. Juntas, essas forças compõem uma ciência sutil e radical: a ciência do amor como ação vital, silenciosa e transformadora.
A Bhagavad Gītā afirma (17.3): "O ser humano é composto de śraddhā. Tal como for a sua śraddhā, assim ele será" (śraddhā-mayo ’yaṁ puruṣo yo yac-chraddhaḥ sa eva saḥ). O que respiramos, no fundo, é o que somos. Se o alento se turva de medo, respiramos ansiedade. Mas quando guiado por śraddhā, o alento se torna amor em ação. Irradiamos carisma, transmitimos compaixão, solidariedade e confiança. Nesse sentido, o prāṇāyāma deixa de ser um simples exercício técnico para tornar-se a pedagogia do espírito: uma prática que revela quem realmente somos pela forma como respiramos o que fazemos.
Na tradição do Śraddhā Yoga, o Haṃsa Prāṇāyāma é o gesto inaugural dessa ciência viva. Ele não visa o entendimento material e o controle da respiração, mas o entendimento e a escuta do Ser. Ao inspirar (pūraka), acolhemos a presença do Absoluto. Ao reter (kumbhaka), sustentamos a comunhão com a Verdade. Ao expirar (rechaka), devolvemos ao mundo o que recebemos como dádiva. Cada alento torna-se um ato de inspirar a amorosa energia sintrópica que sustenta o cosmos e expirar compartilhando com todos os seres a paz e o amor do coração. Cada pausa, uma afirmação de integridade interior. Cada ciclo, uma oferenda à ordem do real (Ṛta).
Não há aqui espaço para pressa, mas para a disciplina do foco absoluto. Muito mais profundo que o foco da atenção mental é o foco no amor do coração — esse centro que respira a purificação de todos os condicionamentos e revela a essência do sagrado. É assim que o corpo se afina como um instrumento do Ser. Quando a mente se deixa silenciar pelo coração, este apresenta a ela o foco amoroso, que converge para tornar-se foco absoluto. E assim, o próprio universo passa a respirar em nós a harmoniosa dança da sintonia, sincronia e sintropia. Dança íntima e cósmica. Feita de presença, escuta e entrega.
Śraddhā nasce do prāṇa, entrelaçado como a luz e o calor de uma mesma chama. O movimento vital já não é apenas fisiológico — é místico. Cada célula se alinha ao centro. Cada gesto vibra com sentido. A ação torna-se fruto do amor em estado puro. E esse amor, ao agir, transforma.
A ciência do amor em ação não se ensina, mas se transmite por contágio: pela vibração de um coração que respira o outro com o universo. É nesse ponto que o Śraddhā Yoga encontra sua vocação mais elevada — como a arte e a ciência sintrópicas de amar. Nesse sentido, respirar é amar sem objeto; é pura expressão da unidade da vida e de todas as coisas, que vibra no ritmo secreto de Ṛta, a ordem do real.
Quando o prāṇa é apreendido com consciência, torna-se śraddhā, expressão do alento vital guiado pela sabedoria e a compaixão. E é por isso que, para o sādhaka, a respiração é um mantra vivo. O som do Haṁsaḥ — haṃ na inspiração, saḥ na expiração — revela-se como batimento do universo no peito do praticante. Esse batimento guarda o segredo da arte e da ciência mística que nos alinham ao sopro do Ser. E quem respira com śraddhā, torna-se esse instrumento afinado.
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Rio de Janeiro, 02 de junho de 2025
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