2020-04-05

A Meditação Sintrópica (Prática Individual)

Universidade do Coração: Yantra da Ordem de Mitrabrinda
Introduzimos a seguir a prática individual de meditação sintrópica do Śuddha Yoga1. O ideal é que ela seja realizada diariamente, antes do nascer do sol, em um local adequado, limpo e especialmente decorado para esta finalidade. O tempo total de duração é de, aproximadamente, 50 min, variando um pouco, de acordo com a disponibilidade e necessidade de cada um. A meditação em si costuma ser precedida por uma pequena prática preparatória, de prāṇāyāma (5 min) e/ou entoação de mantras e preces (15 min), e sucedida por uma saudação final (1 min), conforme exemplificado mais abaixo.

Meditação

Sentados, em uma posição confortável, com a coluna ereta e o corpo totalmente relaxado, fechemos os nossos olhos e demais sentidos externos e nos concentremos em nossa própria respiração.

I. Bhāvana (5 min)

Cultivamos o sentimento universal de amor de que todas as coisas surgem do Supremo Espírito, que a tudo compenetra e a tudo sustém em uma ordem constante e em vida eterna. Cultivamos o sentimento universal de amor de que todos os seres, tanto inferiores como superiores, participam de uma mesma vida e formam nos espaços infinitos um só corpo cósmico.

IIa. Śuddha Prāṇāyāma (5 min)

Com a boca levemente fechada; respiremos suavemente, inspiramos paz e exalamos amor.

Gradualmente, acalmamos a nossa respiração, inspirando e exalando o ar pelas narinas de maneira bem tranquila e suave. Respiremos como se as nossas narinas não tomassem parte nesse processo. Respiremos bem suavemente, como se a nova respiração se desse a partir da nossa garganta, não de nossas narinas. Deixemos de lado as preocupações externas, simplesmente inspirando paz e irradiando amor, voltando a nossa atenção, unicamente, para o nosso processo de respiração. [Vamos, aos poucos, experimentando o estado de testemunha (Sākṣī) desse processo, como na metáfora dos dois pássaros descrita no Rigveda.]

Inspiremos paz e exalemos amor.

IIb. Gītā Mantra (108 vezes ~ 10 min)

O Gītā Mantra OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA nos prepara para os três níveis da meditação sintrópica (Saguṇa, Nirguṇa e Śuddha) de que trata a Bhagavad Gītā. Ao pronunciar a primeira sílaba, OM, devemos imaginar que estamos dentro do Espírito Cósmico que, por sua vez, está dentro e fora de nós, compenetrando o Universo Infinito. NAMO indica rendição e a expressão NĀRĀYANĀYA indica a NĀRĀYANA, o Ser Imutável, como o objeto de nossa rendição plena de felicidade. OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA, deste modo, refere-se à atitude mental de entrega ao aspecto de ĀTMAN, que representa o Ser Imutável, presente em nós e simbolizado na pessoa de luz que elegemos como objeto de nossa devoção.

Concentremos o nosso pensamento na região entre as sobrancelhas e imaginemos aí um sol radiante de luz. Concentrados nesse ponto de luz entre as sobrancelhas, inspiremos imaginando estar atraindo a energia cósmica, que alcança o nosso coração, estimulando o desabrochar em nós do amor puro e universal. Com o pensamento concentrado nesse sol radiante de luz entre as sobrancelhas, inspirando a energia cósmica e irradiando amor, entoemos, mentalmente, por 108 vezes2, o mantra OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA3. Não nos preocupemos com os nossos pensamentos, a repetição mental em estado de concentração nesse ponto de luz entre as sobrancelhas, naturalmente, acalma os todos os pensamentos, cessando o seu fluxo até que reste o mantra e o seu ponto de apoio, o sol entre as sobrancelhas. Enquanto entoamos mentalmente o mantra OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA, sentimos como se o nosso corpo estivesse se dissolvendo e se tornando esse ponto de luz refletido entre as sobrancelhas, que nos unifica com o sopro de vida em nosso coração e com o grande sol, que é a Consciência Suprema. 

Após termos entoado o mantra com devoção e amor, pelo número de vezes pré-determinado, permaneçamos, por alguns minutos, concentrados nesta luz do sol refletida entre as sobrancelhas, a luz do nosso próprio coração... Permaneçamos concentrados nesse ponto de luz que nos unifica ao Supremo. Somos um ponto luz na imensidão da infinita consciência sintrópica, onde tudo é amor. Permaneçamos em paz, sem fazer esforço algum, com a respiração suave e tranquila, plenos de alegria e de felicidade.

III. Os três níveis da Meditação Sintrópica: Saguṇa, Nirguṇa e Śuddha (30 min)

Saguṇa Dhyāna. Com a respiração bem suave, absolutamente tranquila, sem nenhum esforço (1-0-1), e o pensamento concentrado no ponto de luz entre as sobrancelhas, simplesmente imaginemos estar, através do Éter Universal, ante a Divina Presença do ser objeto de nossa contemplação. Coloquemos o pensamento entre as sobrancelhas, imaginando estar ante a presença Radiante desse Ser de luz. Não há que se esforçar em visualizá-lo, deve-se ter unicamente a impressão de estar, através do Éter Universal, ante esta Divina Presença. Não há que se preocupar em rechaçar os pensamentos que chegam. Basta retomar o foco original, contemplando a unificação do nosso ser com a esfera do sublime.

Nirguṇa Dhyāna. Com o pensamento concentrado entre as sobrancelhas, contemplemos a pura e radiante centelha da vida que reside em nosso coração. Atentos ao ritmo suave da nossa própria respiração, contemplemos esse ponto de luz entre as sobrancelhas que nos dirige ao Anāhata, o Chakra do coração, a fonte de amor universal, radiante como o sol e expandindo-se até a imensidão do infinito, envolvendo no mais puro AMOR a toda a criação. Aos poucos, a nossa mente silencia e repousa no ponto de luz entre as sobrancelhas. Luz que reflete e revela a presença divina em nós. Luz que é amor e que se irradia do nosso peito para todos os seres e para todo o universo. 

Śuddha Dhyāna. Após termos nos recolhido para o interior de nós mesmos, vamos agora, aos poucos, fazer cessar os movimentos da consciência, até que a batida do nosso coração vibre na frequência do OM, o ruído de fundo da radiação cósmica que deu origem ao universo. OM é o som da manifestação cósmica de Brahman. É o som do universo em expansão e expressa a origem de onde tudo surgiu. Com o pensamento concentrado no ponto de luz entre as sobrancelhas imaginemos, plenos de amor, do fundo do coração, que  estamos atraindo pelo Chakra coronário, Sahasrāra, esta Energia Cósmica de Amor, a energia sintrópica de BRAHMAN, conhecida como BRAHMA ŚAKTI, que nos unifica ao transcendente Brahman, ou PARABRAHMAN. Imaginemos que nos tornamos um ponto de luz e que estamos em sintonia com a energia sintrópica do PARABRAHMAN, de onde surgiu o universo. O PARABRAHMAN é o Sūtra-Ātma-Cósmico que, como o fio de um colar, abarca, compenetra e transcende toda a finitude. Manifestando-se em todos os reinos -- mineral, vegetal, animal, humano e supra-humano como o Supremo Brilho da Consciência Sintrópica – representa a fonte amorosa de luz e onipotente poder de onde procedem todas as formas de Vida.

IV. Saudação Final (1 min)

OM     HRIM     ŚRIM     KLIM     AIM     SAUḤ

[OM ŚRĪ] YOGA DEVYAI NAMAḤ

 

Assim termina esta sagrada prática de meditação. Vamos agora nos dedicar, cheios de alegria, aos nossos  afazeres diários, (1) plenos de confiança para enfrentar com êxito e sem medo todos os obstáculos que a vida nos apresentar e (2) reconhecendo em todas as nossas atividades uma oportunidade para compreender que a vida toda deve ser vivida como uma meditação, uma contínua meditação na ação. Irradiemos amor e alegria a todos os seres, pronunciando três vezes a sagrada sílaba OM.

OM TAT SAT
NAMASTÊ

N O T A S

(1) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.

(2) É comum a utilização de um japa-mala, ou colar (mala) para entoar (japa) os mantras. Originalmente, o japa-mala era conhecido como Rudrākṣa, porque as contas do colar eram feitas de sementes conhecidas como os olhos (akṣa) de Rudra. O Rudrākṣa deu origem ao rosário cristão.

Por que eles têm 108 contas? Porque as contas representam uma forma simbólica de conexão com os ciclos cósmicos que, segundo os iogues, governam o universo. O japa-mala expressa a trajetória eclíptica do sol e da lua no céu, que os iogues dividem em 27 meses siderais, ou nākṣatras, conforme as 27 constelações que representam as 27 filhas de Dakṣa, a esposa da divindade Soma, a lua: Aśvinī; Bharaṇī; Kārttikā; Rohiṇī ou Brāhmī; Mṛgaśiras; Ārdrā; Punarvāsū ou Yāmakau; Puṣya ou Siddhya; Āśleṣā; Māghā; Pūrva-phālguṇī; Uttara-phālguṇī; Hasta; Citrā; Svāti; Viśākhā; Anurādhā; Jyeṣṭha; Mūla; Pūrvāṣāḍhā; Uttarāṣāḍhā; Abhijit; Śravaṇa; Śraviṣṭā; Śatabhiṣaj; Bhādrapāda; e Revati ([Harivaṃśa, (ed. Calc.)] 104; Mahābhārata 13, 3256). “Nākṣatra” pode ser traduzido como “aquilo que revela as leis à noite”, ou seja, as estrelas. Daí a sua associação com os ciclos lunares. Cada nākṣatra tem 108 graus, e está cada um associado a um tipo de energia. Além disso, acreditava-se que a distância entre a Terra e o Sol era de aproximadamente 108 vezes o diâmetro do sol. O Sol teria aproximadamente 108 vezes o diâmetro da Terra. E a distância entre a Terra e a Lua seria 108 vezes o diâmetro da lua. Acreditava-se também que o microcosmo (nós mesmos) refletiria o macrocosmo (o sistema solar). Estas são as razões pelas quais os antigos sábios consideravam o número 108 como sagrado. Podemos dizer que existem 108 passos entre a consciência humana comum e a luz divina no centro de nosso ser.

Conforme se acredita, cada vez que recitamos um mantra utilizando as contas do japa-mala, estamos dando mais um passo em direção ao nosso sol interior. Um total de 108 linhas de campos de energia convergiriam para formar o chacra cardíaco. Os chakras seriam as interseções destas linhas de energia. A linha central de energia é conhecida na literatura do yoga como suṣumṇā. Por fim, o número 1 costuma representar Deus, a unidade, o não dualismo, a verdade mais elevada; o número 0 indica o vazio, o silêncio e a perfeição na prática espiritual; e o número 8 representa o infinito e a eternidade.

(3) O Gītā Mantra Oṃ namo Nārāyaṇāya sintetiza as três metáforas sobre a arte e a ciência da meditação. Ele aparece nos Vedas e é explicado de distintas formas em várias Upaniṣades, como a Nārāyaṇa Upaniṣad, a Ātmabodha Upaniṣad e a Tārasāra Upaniṣad. O seu significado mais profundo, contudo, é dado na Bhagavad Gītā, texto que pode ser lido como a sua interpretação final. Arjuna e Krishna podem ser vistos como os dois pássaros mencionados no Ṛgveda e unificados como o pássaro Haṃsa nas Upaniṣades. Na Bhagavad Gītā, Arjuna representa Nāra e Krishna, Nārāyaṇa. Desse modo, o mantra “Oṃ namo Nārāyaṇāya” expressa a rendição espiritual (namo; namas) de Arjuna (Nāra; a figura arquetípica do ser humano) a Krishna (Nārāyaṇa; o representante do Supremo, “ya” é o dativo, a função sintética, objeto direto/indireto).


Rio de Janeiro, 05.04.20
(Atualizado em 26.04.23)

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