2018-06-02

O processo sintrópico de gestação da Grande Síntese – Instituto Cultural para o Florescimento do Homem

A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā

Conforme mencionei no texto A Via do Coração: um reencontro com Francisco Barreto, entre janeiro de 1988 e maio de 1989, realizamos, durante as tardes de sábado, no antigo Ashram Ātma, no povoado de Areia Branca, em Aracaju -- SE, uma série de quarenta e dois encontros, denominados de Buddhi1 Yajñas (Esforços de Intelecção), para refletir sintropicamente sobre o processo de gestação da Grande Síntese -- a instituição destinada a abrigar o Śuddha Sabhā Ātma, o núcleo responsável pela concepção da Universidade do Coração

Francisco leu e legitimou estes registros, deixando no próprio texto, um comentário de aprovação e a sua assinatura. Os originais, na verdade, nada além de um rascunho das minhas notas pessoais sobre os tópicos tratados nas reuniões, fazem parte do acervo do Memorial da Grande Síntese.

PDF DOS MANUSCRITOS SOBRE O NASCIMENTO DA GRANDE SÍNTESE
(use a barra de rolagem à direita)

Em função da dificuldade de compreensão da caligrafia, decidi gravar em vídeo a leitura destes manuscritos, originários do Śuddha Sabhā Ātma (para download, click aqui). A força, o poder e a atualidade de vários conceitos e temas explorados nos textos não vêm da minha pena, nem desta leitura de agora, mas, basicamente, das verdades vivas experimentadas, na prática, pelo grupo do Ashram Ātma àquela época, em função da práxis sintrópica de Francisco Barreto e do seu ardor do coração que já nos contagiava a todos.

REGISTROS DAS REUNIÕES DE GESTAÇÃO DA GRANDE SÍNTESE

 

O primeiro Buddhi Yajña (Esforço de Intelecção) aconteceu em 02 de janeiro de1988. Nele abordou-se a crise que colocou em xeque o próprio conceito de instituição religiosa externa, como era comumente entendido o Maṇḍalam. Os dois encontros seguintes aconteceram em 09 e 30 de janeiro de 1988 e trataram de alguns conceitos fundamentais do Śuddha Dharma – Śakti (energia cósmica), Śraddhā (energia manifestada no coração e que promove a pureza e o controle mental, ou o Sāmya Yoga) -- e que haviam sido negligenciados pelos membros, resultando na desestruturação parcial da instituição. Como forma de se auxiliar no processo de restabelecimento da harmonia e da ordem foi enfatizada a importância de se praticar os cintās (cinco formas de ideação) e realizar Yajñas (realização de ações, ou sacrifícios, com um espírito dedicado e em nome do bem coletivo).

Os encontros dos dias 20 e 27 do mês de fevereiro trataram das relações humanas e das dificuldades para agir sintropicamente, com retidão e sem reagir a quaisquer agressões. O segredo para manter a serenidade está oculto em nossos próprios corações. Francisco deu-nos como exemplo a Canção ao Guru, composta por Yogananda e que ele, então, cantou para o grupo. Enfatizou, em seguida, que a verdade não necessita de defensores. É pelo coração que as pessoas são tocadas. Deve-se ter compreensão, portanto, com aqueles que ainda se encontram sob o domínio das forças entrópicas do Ahaṃkāra (o sentido material de eu, ou de identificação com o ego).

Os encontros de março de 1988 aconteceram nos dias 05, 12,19 e 26. O aprofundamento do tema cultura sintrópica remeteu-nos ao artigo de Vasudeva Row, "Uma Introdução ao Estudo da Bhagavad Gītā", que deixa claro a importância de se compreender a ação humana. Não por outra razão, também nos adverte Sri Janardana, em seu seminal artigo "Atrevamo-nos já que somos humanos", sobre o valor da práxis sintrópica, que exprime a capacidade de se resistir à adoração da matéria e, consequentemente, a todas as formas de envolvimentos proporcionadas pelo mundo material. Em outras palavras, trata-se da purificação do ego (Ahaṃkāra), ou do Śuddha Ahaṃkāra. Os Buddhi Yajñas 07 e 08 trataram da cartilha da arte e da ciência da meditação e dos seis deveres (Ṣaṭkarman) diários do aspirante, que inclui a realização de ações devidamente consagradas e dedicadas (Yajñas) e o estudo da energia sintrópica (śraddhā/śakti, como vimos anteriormente) que nos leva a perceber a vida e o mundo todo como sagrado. É o Ahaṃkāra (ego) que se incumbe de dificultar este aprendizado sobre as ciências do coração e o alfabeto do Ātman (Espírito Santo). Este o exemplo que devemos deixar para o mundo: criar um campo de equilíbrio sintrópico que possibilite a proliferação de movimentos para preservar a natureza -- a ecologia, a agricultura natural e assim por diante. Devemos viver dedicados ao atendimento à Lei Eterna, Ṛta, expressão do equilíbrio sintrópico do universo, e aprimorar as nossas ações. O Buddhi Yajña, ou Esforço de Intelecção, realizado no último sábado de março de 1988 tratou do livro de Mabel Collins, O Idílio do Lótus Branco, discutido num dos textos da coletânea Uma Organização Esotérica na Índia, e do Ahaṃkāra (ego), um dos princípios fundamentais da realidade (Tattvas) e que compõe a Pañca-vidyā, aqui entendida como a quíntupla (pañca) ciência (vidyā) dos vinte e quatro princípios materiais da realidade. O Ahaṃkāra (ego), já objeto de nossa atenção nesta serie, possibilita-nos agora perguntar: como o ego cria gosto pelas coisas? Qual a natureza da śakti (energia), típica do Ahaṃkāra, e que leva o indivíduo a se tornar um escravo da matéria? Como se dão os processos de anuviamento e ilusão? O Ahaṃkāra, em suma, é o tema oculto de O Idílio do Lótus Branco.

O Buddhi Yajña seguinte aconteceu como parte de um Retiro Espiritual, nos dias 01 e 02 de abril de 1988. Foram revistos alguns dos temas tratados nos encontros semanais. Refletimos sobre a relatividade dos conceitos de bem e mal. Qualidades consideradas negativas, como o orgulho, a vaidade, a arrogância, em certo momento de nosso processo evolutivo são benéficas, úteis e necessárias. A questão que se coloca, portanto, é quando deixam de ser. Para cada pessoa, o véu que encobre a verdade é distinto e depende, obviamente, do estado de pureza do Ahaṃkāra.

O décimo Buddhi Yajña foi realizado no dia 09 de abril de 1988 e abordou o processo de purificação da mente como resultado da práxis sintrópica. A árvore se conhece pelos frutos. É pela ação que se alcança a purificação mental. O segundo encontro de abril, realizado no dia 17, tratou do bem e do mal como as duas faces de Deus. Uma das faces nos ensina o caminho por onde devemos avançar; a outra, o caminho a se evitar. Purificando a nossa mente e levando uma vida casta, compreendemos a função benéfica do mal no mundo. O terceiro encontro, realizado no dia 23, definiu o brahmacārin como o discípulo de vida pura, que compreende a função do bem e do mal no mundo e é capaz de dirigir a sua vida de forma sintrópica, harmoniosa e equilibrada; avançando, sem jamais retroceder, em direção ao sagrado. A função do mal em nossas vidas é nos mostrar que o nosso ego é o nosso verdadeiro inimigo. É o ego que nos impede de perceber a perfeição do cosmos e, consequentemente, a função benéfica e reparadora daquilo que vemos como mal.

O Buddhi Yajña 13 discute-se a ideia de egoísmo e da sua superação por meio do cultivo da espiritualidade laica, ou seja, do cultivo da compreensão de que tudo é manifestação do sagrado e que as leis eternas não são propriedade de nenhuma instituição religiosa. O Buddhi Yajña 14 discute como as religiões se adéquam às circunstâncias de tempo e lugar de cada cultura, levando-se em conta que cada ser do universo vê o mundo de uma forma diferente, peculiar. Logo, tudo, no tempo certo, tem a sua utilidade e necessidade. O Buddhi Yajña 15 exalta a Bhagavad Gītā, que é fonte de estudo sobre o ego e a sua superação. O Buddhi Yajña 16 trata da primeira chave da Bhagavad Gītā, o controle mental. Francisco toma como exemplo o zen budismo. A escola zen budista enfatiza o exercício constante da mente como estratégia para superar as manhas do ego e encontrar soluções espirituais simples para os problemas materiais que, geralmente, parecem muito complicados. Não fomos habituados a pensar de forma disciplinada. É a mente que tem a capacidade de ideação e é por isto que o controle mental é a base da disciplina espiritual. No Buddhi Yajña 17, Francisco enfatiza o aspecto das leis que regulam o funcionamento dos distintos grupos sociais. Fala da dicotomia entre as leis sintrópicas do espírito e entrópicas da matéria e nos convida a refletir sobre algo que deveria nos causar surpresa e espanto: de um lado, a dificuldade que as pessoas têm para assimilar os conhecimentos espirituais; de outro, a facilidade que elas têm para assimilar as fofocas e mentiras. Fala, em suma, da ciência do ego, esta instância de nós mesmos que tem essa capacidade escravizadora.


Rio de Janeiro, 31 de maio de 2018.
(Atualizado em 19.11.23)

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