2017-10-15

A Arte de Sonhar segundo Bhagavan Das

Esta prática assenta-se no princípio da unidade essencial (śuddha) de todo o fenômeno religioso   (dharma), conforme descrito por Hamsa Yogi no Sanātana Dharma Dīpikā e também no seguinte grupo de cinco shlokas do seu estudo introdutório da Bhagavad Gtīā (Upodhgāta, p. 72), conhecido como MANIFESTO ŚUDDHA. Bhagavan Das: profundo estudioso do Śuddha Dharma.  Pioneiro nas discussões sobre a unidade essencial das religiões. Autor, dentre outros livros, do seminal Essential Unity of All Religions (1932).
Bhagavan Das. Autor do seminal
Essential Unity of All Religions (1932).
Sonhos e Realidade: Uma Questão Desde a Infância

Desde a mais tenra infância, meus sonhos não eram meras divagações noturnas, mas sim portais para questões profundas sobre a realidade. Quem de nós nunca se perguntou se o mundo que experimentamos acordados é real? Ou se os limites entre o que é vigília e o que é sonho são mais tênues do que imaginamos? Neste Dia do Professor (15.10.2017), e celebrando um ano de nosso Livro-Blog, convido você a explorar essas indagações à luz do pensamento de Bhagavan Das, um mestre que dedicou sua vida à essência do sagrado e à arte de sonhar.

Bhagavan Das: O Senhor dos Sonhos e o Manuscrito Misterioso

Bhagavan Das, o grande mestre e precursor da Cultura Sintrópica do Śraddhā Yoga e autor do inspirador comentário Studies in the Bhagavad Gîtâ by the Dreamer: The Yoga of Discrimination (London, Theosophical Publishing Society, 1902) apresenta-se como ninguém menos que "The Dreamer" (O Senhor dos Sonhos), o personagem que aparece no misterioso e pouco conhecido manuscrito de Dr. R. V. Khedkar, The Dream Problem (Delhi: Practical Medicine, 1922), onde ele próprio também manifesta-se como um interlocutor. 

Nesse cenário, The Dream Problem, emerge como uma peça central. Bhagavan Das se identifica com 'The Dreamer' (O Senhor dos Sonhos), o personagem principal que, por uma habilidade única, entra conscientemente no estado de sonho. Mais do que uma simples narrativa, o livro se aprofunda em diálogos filosóficos ricos, onde The Dreamer interage com diversos sábios, notavelmente Vasishta.Este que dorme, que sonha e desperta é uma mesma pessoa? Como então não tem consciência de seus sonhos? Seria o mundo dos sonhos real e independente do mundo tal como o experimentamos no estado de vigília? Se este mundo se torna quase irreal para quem alcança o foco absoluto do coração, quem nos garante que o próprio estado de iluminação que decorre desse foco não é apenas um outro tipo de sonho? Através dessas conversas oníricas, são desdobrados conceitos intrincados de realidade, a natureza dos estados de vigília, sonho, sono profundo e transcendência, desafiando a percepção comum e propondo que a própria iluminação poderia ser um tipo de sonho em um estado de ser ainda mais elevado.

Bhagavan Das e a Essência do Sagrado

Bhagavan Das dedicou a sua vida a lecionar e pesquisar sobre a essência do sagrado (śuddha dharma). Interpreta a Bhagavad Gītā como a Escritura Sagrada que trata da unidade essencial de todas as religiões. Nos EUA pode explorar este tema em seu seminal Essential Unity of All Religions (Benares, 1932). Trata, nesta mesma obra, detalhadamente, da Educação e do papel do Educador. Nada mais oportuno, portanto, que celebrar o Dia do Professor e o aniversário de um ano deste Livro-Blog relacionando o pensamento de Bhagavan Das ao aprendizado desenvolvido na série de vídeos e artigos deste capítulo sobre a arte de sonhar.

Os Quatro Estados da Consciência

O que são os sonhos (clique aqui para conhecer o ponto de vista da neurociência) e como eles são discutidos na literatura sagrada associada à Bhagavad Gītā? A antiquíssima Chāndogyopaniṣad contém nas seções 8.7-12, muito provavelmente, a primeira referência à teoria dos "quatro estados de consciência", discutidos exaustivamente no manuscrito The Dream Problem, ou seja: (1) o estado de vigília (jagrat), (2) sonho (svapna), (3) sono profundo (suṣupti) e (4) um estado transcendente (turiya). Essa mesma teoria aparece também na importantíssima Māṇḍūkyopaniṣad, a mais sucinta de todas as Upaniṣades, e em grande parte da literatura do Yoga. Na Māṇḍūkyopaniṣad essa teoria aparece associada à discussão sobre a sílaba OM, com os três primeiros estados sendo relacionados, respectivamente, às três letras A-U-M, que compõem o OM, o quarto estado. O estado de vigília corresponde à consciência atuando no corpo físico. O estado de sonho corresponde à consciência atuando no corpo sutil. O estado de sono profundo corresponde ao estado onde nos encontramos no corpo causal, em comunhão com aquilo que é a fonte e origem da criação e destruição de todas as coisas. O estado transcendente, ou turiya, representa a condição de pura consciência, que transcende os três demais estados, que são corporais. A elaboração da interrelação desses quatro estados com o próprio OM, símbolo do Absoluto, é o tema, magistralmente desenvolvido em The Dream Problem.

Minha Jornada Pessoal com os Sonhos

Pessoalmente, compartilho com Bhagavan Das o entendimento de que a Bhagavad Gītā apresenta um ponto de vista universalista e não sectário, representando uma verdadeira luz no caminho -- The Light in the Path, conforme ele afirma em seu prefácio (p. 7).  Compartilho também com ele o interesse pelas questões relativas à origem e à natureza dos sonhos. Os sonhos, conforme ilustra o vídeo '(03) Diário dos Sonhos' do canal Śraddhā Yoga, constituem um tema que me inquieta desde a mais tenra infância, ou seja, desde o período que vivi na Vila Pompéia, em São Paulo (de 1960 a 1962), quando tive meus primeiros sonhos recorrentes e sonhos lúcidos.

Vídeo '(03) Diário dos Sonhos' 

A Relevância Contínua dos Sonhos na Disciplina Espiritual

Tive oportunidade de escrever (08.03.1981), uma carta dirigida a Sri Vajera, que me introduzira à Ciência da Meditação sete anos antes, perguntando sobre alguns sonhos recorrentes da minha infância e outros sonhos lúcidos, ou em série, que, vez por outra, ainda tinha. Sri Vajera não custou a me responder (12.04.1981). Em sua resposta Sri Vajera mencionou ter consultado espiritualmente a minha biografia e o meu papel dentro da instituição. Agora, passados 35 anos, vejo por esta e outras cartas que se seguiram o quanto ele estava certo, embora à época não tivesse dado a devida importância ao seu relato. Ative-me aos seus ensinamentos espirituais, onde me pedia para retomar as primeiras lições de meditação e tomar certos cuidados na condução de minha vida. Para isto, enviara-me alguns escritos e, inclusive, o seu livrinho Deus e Satã, onde aborda algumas questões presentes nos sonhos que lhe descrevera.

Sri Vajera
Sri Vajera. Introdutor das práticas de meditação
na América Latina e Brasil nos idos de 1920
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Conclusão: Explorando a Tapeçaria da Consciência

Os sonhos, em suma, constituem uma parte importante da disciplina espiritual do Śraddhā Yoga, funcionando como uma espécie de cadinho de experimentação. Ao mesmo tempo que sinalizam, iluminam, para nós mesmos, as nossas coordenadas espirituais e o sentido que estamos dando ao nosso leme,  tal como se depreende, tanto da carta resposta de Sri Vajera, como do texto de Bhagavan Das.

Ao revisitarmos a arte de sonhar através das lentes de Bhagavan Das – precursor da Cultura Sintrópica do Śraddhā Yoga –, percebemos que os sonhos são muito mais do que fenômenos neurológicos; são portais para uma compreensão mais profunda da consciência e da realidade. Sua interpretação universalista da Bhagavad Gītā  e sua exploração dos quatro estados de consciência – vigília (jagrat), sonho (svapna), sono profundo (suṣupti) e o transcendente (turiya)  – nos convidam a expandir nossa percepção. A jornada de "The Dreamer"  em The Dream Problem, interagindo com sábios para desvendar os mistérios da existência, reitera a ideia de que a consciência se manifesta em múltiplas dimensões, desafiando a noção de que o estado de vigília é a única realidade. Que esta exploração da sabedoria milenar nos inspire a, como diria Sidarta Ribeiro, 'sonhar, e assim, reorganizar o futuro', tornando-nos exploradores conscientes de nossos próprios estados de consciência e da infinita tapeçaria da existência.

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2017.
(Atualizado em 25.06.2025.)

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