2016-09-30

Lidando no Mundo dos Sonhos com a Insondável Angústia

"Unfathomable Sorrow" -- Insondável Angústia: assim denominei esta angustia excruciante que, vez por outra, assume o papel de farol e bússola deste meu processo de individuação (funcionamento ātma-para).
Padre Antonio Vieira dizia que não bastava ver para ver. Era necessário olhar para o que se via. Hoje, dizemos o mesmo de outro modo, pois entendemos que olhar é dirigir a nossa atenção com os olhos, movimentando-os até se formar a imagem do objeto. Se você não olha para o objeto, você não vê a sua imagem. Não é o olhar, e sim o ver, que significa o reconhecimento da imagem pelo sentido da visão. Daí a frase, "O pior cego é aquele que não quer ver". Não faria muito sentido dizer "pior cego é aquele que não quer olhar". Apesar do nosso olhar, é sempre mais fácil não ver do que ter que enxergar o que nos desagrada.

"Unfathomable Sorrow" -- Insondável Angústia: assim denominei à angustia excruciante que, vez por outra, nos impede de ver com clareza (vipaśyanā: “discernir”, "insight" – ver as coisas como elas realmente são) o papel de cada minúscula experiência do cotidiano em nosso processo de convergência sintrópica (funcionamento ātma-para). Há duas formas básicas de se "olhar" para a espiritualidade: uma inferior, associada à felicidade mundana e os seus ideais de alcançar o céu, o paraíso, etc. e outra superior, associada aos ideais da renúncia de si mesmo e da autorrealização. Quando se almeja a espiritualidade superior, parece quase inevitável enfrentar certo sentimento de angústia, que se manifesta até nos sonhos. Foi assim com um sonho recente onde me vi cantarolando em inglês "Oh Unfathomable Sorrow". Logo que acordei fui ao google verificar se "unfathomable" era, de fato, uma palavra. Surpreso, descobri que "Unfathomable Sorrow" era o título de uma coletânea de sonetos (veja aqui), composta para capturar  a tristeza do infinito e o sentido da "insondável angústia" experimentada no martírio de Jesus na Cruz.

Não sei bem o porquê, mas o fato de pesquisar sobre o que havia sonhado me fez lembrar de outros detalhes daquele sonho. Estivera em meditação, na presença de meu pai e outros familiares, todos já falecidos. Contemplava a força gravitacional como a causa primeira da criação e expressão do processo de respiração de Brahman, conforme representada pelo Big-bang (expiração de Brahman). Refletia sobre como viemos de pais, que vieram de outros pais e assim por diante até o Big-bang. Foi então que me dei conta que acordara "mais leve". Vivenciara como os nossos ancestrais guardavam a história e o segredo do percurso de volta à nossa origem sagrada. E experimentara o poder da força gravitacional por diversos ângulos e inclinações.

Em suma, compreendera como os modos de enxergar o Céu e a Terra dependiam da nossa "densidade".  Assim como as águas dos rios voltam para o mar; com os sonhos, ficamos "mais leves" e imunes à força gravitacional que nos prende à Terra. As dificuldades do processo de individuação nos estimulam a voltar os nossos olhos para perceber a imanência do Espírito. É a proximidade ao Espírito que revela a morte como uma ilusão imposta pela matéria. Toda matéria é apenas energia do Espírito. O universo é Espírito. E o Espírito, por ser não nascido, não conhece a morte, nem as ilusórias angústias da alma.

Tristeza do Infinito
(Cruz e Souza)

Anda em mim, soturnamente, uma tristeza ociosa, sem objetivo, latente, vaga, indecisa, medrosa.
Como ave torva e sem rumo, ondula, vagueia, oscila e sobe em nuvens de fumo e na minh'alma se asila.
Uma tristeza que eu, mudo, fico nela meditando e meditando, por tudo e em toda a parte sonhando.
Tristeza de não sei donde, de não sei quando nem como... flor mortal, que dentro esconde sementes de um mago pomo.
Dessas tristezas incertas, esparsas, indefinidas... como almas vagas, desertas no rumo eterno das vidas.
Tristeza sem causa forte, diversa de outras tristezas, nem da vida nem da morte gerada nas correntezas...
Tristeza de outros espaços, de outros céus, de outras esferas, de outros límpidos abraços, de outras castas primaveras.
Dessas tristezas que vagam com volúpias tão sombrias que as nossas almas alagam de estranhas melancolias.
Dessas tristezas sem fundo, sem origens prolongadas, sem saudades deste mundo, sem noites, sem alvoradas.
Que principiam no sonho e acabam na Realidade, através do mar tristonho desta absurda Imensidade.
Certa tristeza indizível, abstrata, como se fosse a grande alma do Sensível magoada, mística, doce.
Ah! tristeza imponderável, abismo, mistério, aflito, torturante, formidável... ah! tristeza do Infinito!


SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Próximo texto: O Diário dos Sonhos e a Presença dos Ancestrais

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2016
(Atualizado em 05.08.22.)

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