Se a narrativa maior do Mahābhārata, que contém o diálogo da Bhagavad Gītā, apreende o universo concreto, simbolizado no campo de batalha dos descendentes de Kuru (kuru-kṣetra), a Bhagavad Gītā, logo em seu verso de abertura, introduz esse campo como o próprio cenário onde se oculta sagrado (dharma-kṣetra), ou seja, a consciência universal, que se faz presente no coração de cada indivíduo. Krishna trata da relação dialética deste “universo interior” (dharma-kṣetra) com o “universo exterior” (Kuru-kṣetra). O Śuddha Yoga revelado por ele a Arjuna harmoniza e unifica a relação dialética entre a realidade espiritual (Dharma-kṣetra) e material (Kuru-kṣetra) por meio do śuddha prāṇāyāma Haṃsa, descrito no quarto capítulo e que orienta a a práxis sintrópica (kriya) do śuddha yogi em conformidade com os movimentos de interiorização (prāṇa; inspiração) e exteriorização (apāna; expiração) do fluxo do alento vital. Na exata medida em que tomamos consciência deste processo de unificação simbolizado no śuddha prāṇāyāma, vamos nos aproximando da Consciência Suprema.
I. Svatantra Mantra, Dhyāna Mantra & Gītā Mantra
No silêncio de cada dia que amanhece, concentrados no Ājñā Chakra, o ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala, onde termina a dualidade, devemos meditar no Ser Imutável (Ātman), e na sua energia sintrópica (Brahma-Śākti), personificada como a deidade Śraddhā, símbolo do fogo do coração e do poder do amor em ação. Por meio de śraddhā, a energia divina em nós, forjamos uma vontade altruísta, capaz de nos conduzir à verdade e à vitória sobre as nossas paixões inferiores.
ॐ हंसस् सोऽहं योगेश्वरीं ह्रीं स्वाहा
OṂ haṃsas so'haṃ yogeśvarīṃ hrīṃ svāhā
OṂ eu sou o Eu Sou, saudações a Śrī Yoga Devī
O Svatantra Mantra rende graças (svāhā) à deidade Śraddhā, a Nossa Senhora do Yoga (Yogeśvarī), conhecida como
Śrī Yoga Devī, de forma exclamativa, com um ardente viva (hrīm), como forma de reconhecimento e agradecimento pela revelação, em nossa própria respiração, da identidade do Ser (Haṃsa) e de nós mesmos (so'haṃ). O Svatantra Mantra consta do
Sanātana Dharma Deepika, Volume I (Madras, 1917; pp. 107 - 113), seção Ātma Snāna (Purificação pela Água para a realização do Espírito), parágrafos 169 a 195.
(Ājñā Chakra: ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala)
हंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहं
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .
O Dhyāna Mantra Haṃsa nos traz a consciência de que o estado de meditação permanece latente em cada minúscula respiração. Despertamos a consciência de que esta prática permanece conosco o dia todo quando aprendemos a reservar alguns minutos do nosso dia a meditar, com os olhos suavemente fechados, em silêncio e em postura de prece, no alento vital que nos unifica ao cosmos...
OṂ OṂ OṂ
Inspiro (haṃ-) paz e harmonia (Brahma Śakti), expiro (so-) amor (Śraddhā)
Quando inspiro, sinto a presença do Ātman no meu coração;
quando expiro, sinto o meu coração no Paramātman. . .
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ eu sou o fogo ardente do coração
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ eu sou a presença da paz e do amor em ação
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ todo ressentimento transformo em compaixão e compreensão
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .
OṂ tudo é sagrado; tudo é de natureza sagrada; tudo é necessário
*
***
OṂ OṂ OṂ
OṂ TAT SAT
Namastê! Namastê! Namastê!
Desde as primeiras Upaniṣades a concepção de Haṃsa (cisne, símbolo do Espírito) é utilizada pelos yogis em sentido místico para designar o casamento do “eu” (haṃ), que no oriente representa a terceira pessoa, com o espírito universal “ele/ela” (saḥ), que representa a primeira pessoa. Segundo as Escrituras védicas, a inspiração faz o som “haṃ”, e a expiração, o som “sa”. A Māntrika Upaniṣad trata desta concepção logo em seu verso de abertura. O Dhyāna Mantra Haṃsa é silencioso e se esconde no ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala no Ājñā Chakra, o assento da energia divina e sintrópica (Brahma Śakti) onde ressoa a nossa própria respiração (Haṃ-sa; inspiro paz e harmonia [Brahma Śakti], expiro amor [Śraddhā]). Ele guarda o segredo da meditação, pois oculta, no ato de respirar, o mantra "Haṃ-sa", conhecido como ajapa-japa mantra, porque representa uma repetição não oral, que não é contada nas contas de um japa-mala.
Om Namo Nārāyaṇāya
O mantra "Om Namo Nārāyaṇāya" conota os três níveis da ciência da meditação (Saguṇa, Nirguṇa e Śuddha) de que trata a
Bhagavad Gitā, onde Arjuna e Krishna representam, respectivamente, o par Nara-Nārāyaṇa, os
dois pássaros da metáfora védica, unificados no cisne Haṃsa. Nara designa o ser humano e Nārāyaṇa o Ser Imutável, expressão do sagrado. Ao pronunciar a primeira sílaba, OM, devemos imaginar que estamos dentro do Espírito Cósmico que, por sua vez, está dentro e fora de nós, compenetrando o Universo Infinito. NAMO indica rendição e a expressão NĀRĀYAṆĀYA significa "a Nārāyaṇa", ao Ser Imutável, objeto de nossa contemplação e unificação.
1. Vibhūti-cintā, ou seja, a ideação e a percepção (cintā) das excelências (vibhūti) divinas que compõem o universo manifestado;
2. Jñāna-cintā, a ideação da unidade e a reflexão lógica e crítica (cintā) sobre todo o conhecimento (jñāna) adquirido e testado na práxis do cotidiano;
3. Saṃkalpa-cintā, a lembrança constante (cintā) das resoluções (saṃkalpas) tomadas, de uma vez por todas e para sempre (Ananta he!);
4. Karma-cintā, a reflexão (cintā) sobre o modo correto de atuar no mundo e o exercício (karma) constante para fazer de toda ação uma meditação na ação; e
5. Brahma-cintā, o esforço de Brahma-sāmīpya, ou de contemplação da ideação (cintā) sintrópica da projeção parcial do infinito Brahman durante o processo de manifestação do cosmos.
II.2. As cinco potências materiais de śraddhā
1.
Satya Tyāga: a lembrança constante das resoluções tomadas; do modo correto de atuar e nos relacionar com todos os seres; da arte de morrer para o efêmero e despertar para o sagrado; e do esforço de compreensão de que tudo é divino e maravilhoso;
2.
Upasthāna: a graça de praticar conscientemente, o tempo todo, o Dhyāna Mantra, buscando a impecabilidade nas ações, sendo grato e rogando para que os mestres nos perdoem, se houver em nosso esforço algo de impuro, impróprio, inadequado, ou que seja excessivo;
3.
Saṃkalpa (Śreyas e Preyas): a determinação de aprimorar os hábitos do corpo e da mente e adequar-se à essência do dharma;
4.
Viniyoga: o poder de não desanimar e ajustar o estado de sintonia fina da mente com o sagrado coração, por meio do: (1) estudo; (2) ensino; (3) sacrifício de si mesmo; (4) sacrifício pelo próximo; (5) rendição ao sagrado; e (6) plena aceitação da Vontade Suprema, a Graça; e
5.
Ṛṣi-nyāsa: fazer de toda atividade uma meditação, em comunhão, no coração, com a deidade (Śraddhā); que se expressa na Perfeita Alegria (Ānanda).
1. Sahadeva: representa samarpaṇa, o oferecimento - a lembrança constante
Satya Tyāga;
2. Bhīma: representa jñāna/vijñāna, o conhecimento aplicado - a graça e a gratidão de
Upasthāna;
3. Yudhiṣṭhira: representa dhairya, a determinação e a compostura de
Saṃkalpa;
4. Nakula: representa nyāya, o método e o poder de não desanimar e de recomeçar de
Viniyoga ; e
5. Arjuna: representa prema, o amor devocional e a capacidade de
Ṛṣi-nyāsa de fazer de toda atividade uma meditação no coração.
II.4. A base quíntupla do śuddha dharma e a tríplice disciplina de Śuddha Rāja Yoga
1.
Bhāvana (ideação): cultivo de Vibhūti-cintā e Jñāna-cintā;
2.
Karma (reta ação): cultivo de Saṃkalpa-cintā e Karma-cintā; e
3.
Dhyāna (meditação): cultivo de Brahma-cintā.
OṂ OṂ OṂ
***
OṂ TAT SAT
NAMASTÊ
***
*
Rio de Janeiro, 06.04.22
(Atualizado em 09.01.23)
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