2021-10-11

No silêncio deste dia que amanhece . . .

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Senhor,

No silêncio deste dia que amanhece,
Venho pedir-Te a paz, a sabedoria, a força.
Quero ver hoje o mundo com os olhos cheios de amor.
Quero ser paciente, compreensivo, manso e prudente.
Quero ver além das aparências os teus filhos,
Como tu mesmo os vês e assim não ver senão o bem em cada um.
Cerra meus ouvidos a toda calúnia.
Guarda minha língua de toda a maldade.
Que só de bênçãos se encha o meu coração.
Que todos os que de mim se acercarem sintam a Tua presença.
Reveste-me de Tua beleza, Senhor.
E que no decurso deste dia eu Te revele a todos.
(Oração do Amanhecer da Ordem Franciscana)

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A disciplina do puro (śuddha) Śraddhā Yoga, resgatado por Krishna na Bhagavad Gītā, resume-se ao atendimento do chamado do universo para que cultivemos a energia espiritual (śraddhā) que faz nascer em nós a capacidade de perceber a realidade sob a lente do amor transcendentalDespertando de madrugada, reverenciamos e nos entregamos à escuta (bhāvana nama!) desse sentimento sintrópicoque atualiza o nosso  "bom-senso" (com hífen), ou bhāvana. Reconhecendo que não basta apenas conhecer a verdade, mas que é preciso vivenciá-la com fervor, forjamos uma vontade altruísta, capaz de nos revelar a Grande Lei (Ṛta) que se oculta nos desafios e necessidades de cada um dos períodos do dia1.

No silêncio sagrado de cada amanhecer, renovamos nosso propósito sintrópico: transformar a vida em uma contínua meditação em movimento. Concentrados no Ājñā Chakra — o altar onde Iḍā e Piṅgala se fundem e a dualidade se dissolve na luz da intuição amorosa —, descobrimos que a respiração consciente é muito mais que um ato fisiológico: é o prāṇa em sua função primordial de elo sagrado (Kaṭha Upaniṣad II.3.2), transfigurando-se em śuddha prāṇāyāma. Nesse estado, a respiração revela-se como o Dhyāna Mantra "Haṃsa" — o som primordial onde śraddhā brota, simultaneamente, como fogo devocional e Brahma-Śakti em ação. Essa energia sagrada feminina, ao erradicar as ilusões do ego, desvela o Ātman: o Ser que já é pleno, imutável e livre.

I. PREPARAÇÃO PARA A MEDITAÇÃO

Sentados em uma posição confortável e totalmente relaxados, com o pensamento concentrado entre as sobrancelhas, os olhos fechados, respiramos suavemente, com amor, com alegria e com paz. Imaginamos estar ante a presença amorosa dos grandes guardiães espirituais. Contemplamos esta imagem, sem nos preocuparmos em visualizá-la, do mesmo modo que fazemos quando sentimos saudades de um ente querido, que está distante. Com o pensamento concentrado entre as sobrancelhas, ocupamo-nos, unicamente, de contemplar esses representantes da Grande Lei e objeto de nossa devoção.

1. Oração para o Bem Estar Universal

औं नमः श्रीपरमर्षिभ्यो योगिभ्यः।
auṁ namaḥ śrī-parama-rṣibhyo yogibhyaḥ.
शुभमस्तु सर्वजगताम्॥
śubhamastu sarva-jagatām.

OṂ, Saudações aos Grandes Rishis e Yogis.
Que haja bem estar em todos os mundos e planos.

समस्तसिद्धिसंपन्नहर्देश्वरपुरस्त्वहम्।
samasta-siddhi-saṁpanna-hardeśvara-purastvaham.
प्रार्थये सर्व लोकेभ्यः शुभं नित्यं भवत्विति॥
prārthaye sarva lokebhyaḥ śubhaṁ nityaṁ bhavatviti.

Invocamos a graça do Soberano Morador do coração, de infinita realização,
para que o bem estar eterno floresça em todos os mundos.


2.  Śaraṇa-agati ("o ato de aproximação", "agati", ao "abrigo do sagrado", "śaraṇa") Mantra, também conhecido como Sūrya Namaskāra (o ato de se curvar, ou se render, à fonte da vida, simbolizada pelo Sol)

अहमस्मि अपराधाणां आलयो अकिञ्चनो अगतिः।
aham-asmi aparādhāṇāṁ ālayo akiñcano agatiḥ.
त्वमेव उपायभूतो मे भव॥
tvameva upāya-bhūto me bhava.

Estou aqui [aham-asmi] cheio de faltas [aparādhāṇāṁ ālayo] e desprovido do abrigo da verdade [akiñcano agatiḥ].
Que o Senhor [tvam eva] se torne o meio da salvação [upāya-bhūto] para mim [me bhava]!

3. Ācārya-paramparā-vandanam:
Saudação [vandanam] aos mestres espirituais [Ācārya] das distintas tradições religiosas [paramparā]

अस्मत् गुरुभ्यो नमः।
Asmat gurubhyo namaḥ.
अस्मत् परमगुरुभ्यो नमः।
Asmat parama-gurubhyo namaḥ.
अस्मत् सर्वगुरुभ्यो नमः॥
Asmat sarva-gurubhyo namaḥ.

Saudações aos mestres (guru-s),
Saudações aos mestres dos mestres,
Saudações a todos os mestres.

4. Śuddha Prāṇāyāma de Haṃsa Yogi (01.01.03)

Pūraka:  OṂ NAMO NĀRĀYAṆĀYA (1)
Kumbhaka: Por meio da Brahma Śakti, em Sūryānandavyāsa, renovo os meus saṃskāras. Ingresso em Brahma-sāmīpya. [Through Sūryānandavyāsa’s Brahma Śakti I renew my saṃskāras. I'm entering now in the process of Brahma-sāmīpya.] (4)
Rechaka: OṂ ŚRĪ HAṂSA YOGI NAMAḤ 
(ou OṂ NAMO MITRADEVAYA (19.11.15)) (1)

5. Svatantra Mantra: o mantra da genuína liberdade, autonomia e autossuficiência da nossa essência espiritual

Concentrados no Ājñā Chakra, o ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala, onde termina a dualidade, repetimos mentalmente, enquanto respiramos bem suavemente, unificando mente e coração:

ॐ हंसस् सोऽहं योगेश्वरीं ह्रीं स्वाहा 
OṂ haṃsas so'haṃ yogeśvarīṃ hrīṃ svāhā  (2x54 vezes)
OṂ, eu sou o Eu Sou, saudações à Nossa Senhora do Yoga, Śrī Yoga Devī.


हंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहंसोऽहं
HAṂ-SO-HAṂ-SO-HAṂ-SO-HAṂ-SO-HAṂ-SO-HAṂ-SO-HAṂ. . .

Concentrados no Ājñā Chakra, o ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala, onde termina a dualidade, repetimos mentalmente, enquanto respiramos bem suavemente, unificando mente e coração:

Inspiro (haṃ-) paz e harmonia (Brahma Śakti), expiro (so-)  amor (Śraddhā)

Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . . OṂ eu sou o fogo ardente do coração
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . . OṂ eu sou a presença da paz e do amor em ação
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . . OṂ todo ressentimento transformo em compaixão e compreensão
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . . OṂ tudo é sagrado; tudo é de natureza sagrada; tudo é necessário

Quando inspiro, sinto a presença do Ātman no meu coração; quando expiro, sinto o meu coração no Paramātman. .  .  Namastê! Namastê! Namastê!

7. Bhagavad Gītā Mantra

Concentrados no Ājñā Chakra, o ponto de encontro de Iḍā e Piṅgala, onde termina a dualidade, repetimos mentalmente, enquanto respiramos bem suavemente, unificando mente e coração:

ॐ नमो नारायणाय
OṂ NAMO NĀRĀYAṆĀYA (2x54 vezes)

O mantra OṂ NAMO NĀRĀYAṆĀYA nos prepara para os três níveis da meditação (Saguṇa, Nirguṇa e Śuddha) de que trata a Bhagavad Gitā. Ao pronunciar a primeira sílaba, OṂ, devemos imaginar que estamos dentro do Espírito Cósmico que, por sua vez, está dentro e fora de nós, compenetrando o Universo Infinito. NAMO indica rendição e a expressão NĀRĀYANĀYA indica a NĀRĀYANA, o Ser Imutável, como o objeto de nossa rendição plena de felicidade. OṂ NAMO NĀRĀYAṆĀYA, deste modo, refere-se à atitude mental de entrega ao aspecto de ĀTMAN, que representa o Ser Imutável, presente em nós e simbolizado na pessoa de todos os grandes seres que elegemos como objeto de nossa devoção.

II. MEDITAÇÃO

Sentados, em uma posição confortável, com a coluna ereta e o corpo totalmente relaxado, os olhos fechados e os sentidos externos controlados, concentramo-nos em nossa própria respiração.

Cultivamos o universal e amoroso sentimento sintrópico de que todas as coisas surgem do Supremo Espírito, que a tudo compenetra e sustém em uma ordem constante e em vida eterna. Reconhecemos que todos os seres, tanto inferiores como superiores, participam de uma mesma vida e formam, nos espaços infinitos um só corpo cósmico.

Bem suavemente, inspiramos paz e exalamos amor...

Gradualmente, acalmamos a respiração, inspirando e exalando pelas narinas de maneira tranquila e suave. Respiramos como se a respiração fluísse diretamente da garganta, sem envolver as narinas. Deixamos de lado as preocupações externas, inspirando paz e irradiando amor, com a atenção voltada, unicamente, para a respiração.

Aos poucos, experimentamos o estado de testemunha (Sākṣī), conforme ensinado na Gītopadeśa e ilustrado pela metáfora dos dois pássaros em uma árvore no Rigvedaonde um pássaro observa impassível enquanto o outro se se alimenta dos frutos.

Bem suavemente, inspiramos paz e exalamos amor...

Saguṇa Dhyāna. Com a respiração bem suave, absolutamente tranquila, sem nenhum esforço (1-0-1), e o pensamento concentrado entre as sobrancelhas e/ou na ponta do nariz, simplesmente imaginemos estar, através do Éter Universal, ante a Divina Presença dos seres celestiais, objeto de nossa contemplação. Coloquemos o pensamento entre as sobrancelhas, imaginando estar ante a presença Radiante dos representantes desta divina hierarquia. Não há que se esforçar em visualizá-los, deve se ter unicamente a impressão de estar, através do Éter Universal, ante esta Divina Presença, do mesmo modo que fazemos quando sentimos saudades de um ente querido, que está distante. Não há que se preocupar em rechaçar os pensamentos que chegam. Basta retomar o foco original, realizando a entrega  de nosso ser à proteção divina. Se quisermos, durante a prática, podemos realizar a repetição silenciosa do mantra OṂ NAMO NĀRĀYAṆĀYA, ou de outro, relativo ao ser divino específico, objeto de nossa devoção e contemplação.

Nirguṇa Dhyāna. Com o pensamento concentrado entre as sobrancelhas e/ou na ponta do nariz, contemplemos a pura e radiante centelha da vida que reside em nosso coração. Atentos ao ritmo suave da nossa própria respiração, contemplemos como ela nos dirige ao Anāhata, o Chakra do coração, a fonte de amor universal, radiante como a luz do sol, que se expande até a imensidão do infinito, envolvendo no mais puro AMOR a toda a criação. Aos poucos a nossa mente silencia e repousa na luz do coração. Luz que é amor puro e que se irradia do nosso peito para todos os seres e para todo o universo. Luz que reflete e revela a presença divina em nós. Se quisermos, durante a prática, podemos realizar a repetição silenciosa do Dhyāna Mantra “Haṃsa”.  Haṃ-sa: inspiro, "Haṃ", expiro "sa/o". . . haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ-so-haṃ . . . 

Haṃ-so-haṃ. . . 
OṂ eu sou o fogo ardente do coração
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ eu sou a presença da paz e do amor em ação
Haṃ-so-haṃ. . .
OṂ todo ressentimento transformo em compaixão e compreensão
Haṃ-so-haṃ-so-haṃ. . .
OṂ tudo é sagrado; tudo é de natureza sagrada; tudo é necessário
Namastê! Namastê! Namastê!

Śuddha Dhyāna. Após termos nos recolhido para o interior de nós mesmos, vamos agora, aos poucos, fazer cessar os movimentos da consciência, até que a batida do nosso coração vibre na frequência do OṂ, o ruído de fundo da radiação cósmica que deu origem ao universo. OṂ é o som da manifestação cósmica de Brahman. É o som do universo em expansão e expressa a origem de onde tudo surgiu. Com o pensamento concentrado entre as sobrancelhas, imaginemos, plenos de amor, do fundo do coração, que estamos entrando em sintonia com a energia de onde surgiu o universo. Imaginemos que estamos atraindo pelo Chakra coronário, Sahasrāra, esta Energia Cósmica de Amor, a energia sintrópica de BRAHMAN, conhecida como BRAHMA ŚAKTI, que nos unifica ao transcendente Brahman, ou PARABRAHMAN. O PARABRAHMAN é o Sūtra-Ātma-Cósmico que, como o fio de um colar, abarca, compenetra e transcende toda a finitude. Manifestando-se em todos os reinos -- mineral, vegetal, animal, humano e supra-humano como o Supremo Brilho da Consciência Cósmica – representa a fonte amorosa de onipotente poder de onde procedem todas as formas de Vida. Se quisermos, durante a prática, podemos realizar a repetição silenciosa do mantra OṂ.

III. SAUDAÇÃO FINAL

Irradiando amor e alegria a todos os seres,
repitamos, mentalmente, a sagrada sílaba OṂpor três vezes,
e realizemos a saudação final:

OṂ  OṂ   O

OṂ haṃsas so'haṃ yogeśvarīṃ hrīṃ svāhā
OṂ eu sou o Eu Sou, saudações à Nossa Senhora do Yoga, Śrī Yoga Devī
OṂ OṂ OṂ
OṂ   TAT  SAT

Podemos agora nos dedicar, cheios de alegria espiritual e confiança, aos afazeres que a vida nos apresentar. 

NAMASTÊ! NAMASTÊ! NAMASTÊ!


Rio de Janeiro, 11.10.21.
(Atualizado em 06.04.25)

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