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Francisco Barreto, instantes antes do início da cerimônia de consagraçào do Ashram Brahmala (08.04.18) |
Qual dos idealizadores e/ou participantes da organização de um evento se recorda como se deu o seu envolvimento com as distintas etapas do seu processo de elaboração? No caso do evento encerrado no último domingo, tudo começou com a iniciativa de Francisco, de gestar em sua mente esta viagem ao Rio, com todos os seus percalços, dificuldades e acertos, em meados de março. De minha parte, tenho consciência que a minha participação iniciou-se com o convite que recebi de um dos integrantes do grupo de Niterói, no dia 19 de março, logo após a reunião com os colaboradores anônimos da Universidade do Coração, conduzida por Francisco, via Skype, para ir conhecer o espaço que abrigaria o novo Ashram afiliado da instituição. Eu tinha consciência que o estabelecimento do Ashram Brahmala representava uma das principais motivações para a visita de Francisco. Era necessário consagrar aquele espaço e preparar as pessoas que ficariam incumbidas de levar adiante a árdua tarefa de viver e difundir os nobres ideais da realização espiritual, difundidos pela Grande Síntese, órgão mantenedor da futura Universidade do Coração.
Planejando aquela que seria a última viagem de Francisco ao Rio de Janeiro
(Vídeo gravado em 24.03.2018)
Da gestação à materialização de mais uma etapa do plano diretor que rege
a implementação da futura Universidade do Coração
O primeiro passo no sentido de viabilizar a viagem, em atendimento ao chamado interior para realizar mais uma etapa dentro do plano de implementação da Universidade do Coração, foi a formação e harmonização de uma equipe para cuidar de toda a logística. Era necessário garantir os meios materiais que viabilizariam a “espiritualização da matéria”, ou seja, a descida, ao plano material do “Espírito” que deve animar e equilibrar todo ato justo, verdadeiro e necessário. O veículo e principal instrumento para esta missão era, obviamente, o próprio Francisco, que se prontificara a realizar a viagem de caminhão, em companhia de uma pessoa imbuída dos mesmos ideais de servir, impessoalmente, como um canal e instrumento da consciência de sagrado e da espiritualidade pura que permeia todo o universo. Trazer o caminhão da instituição carregado com os produtos artesanais produzidos pela Grande Síntese, tanto na fazenda Mãe Natureza, à beira do rio São Francisco, na divisa entre Sergipe e Alagoas, bem como no Edifício Milagres, situado no centro de Aracaju, atenderia a um duplo propósito: (1) custear a viagem, a partir da venda de artesanato em exposições no Rio; e (2) difundir os valores culturais e espirituais impregnados naquelas peças produzidas com devoção e amor.
O segundo passo, foi motivar todo o grupo do Rio de Janeiro a encontrar locais que pudessem acomodar o artesanato a ser exposto e comercializado. Isto exigiu de cada voluntário uma entrega abnegada aos objetivos estabelecidos, em nome do ideal e do compromisso que nos unifica enquanto membros de uma mesma instituição. Exigiu agilidade e trabalho em equipe para estabelecer os preços e os pontos de venda e para criar o material de divulgação. Exigiu atenção e cuidado para definir e conciliar os locais escolhidos com os horários e dias de funcionamento, levando em conta, principalmente, o perfil e o número de pessoas que circulariam por estes espaços.
O terceiro e, provavelmente, o mais importante passo, constituiu-se dos preparativos realizados para a formação do novo Ashram. Esta etapa incluiu (1) a arrumação inicial do local onde seria formado o novo Ashram; (2) o acolhimento e hospedagem dos convidados que vieram para a cerimônia de consagração; (3) a consagração em si daquele ambiente de estudos, meditação e trabalho, oficializada por Francisco; e, principalmente, (4) o subsequente treinamento intensivo que foi oferecido a todos os membros para que pudessem se capacitar para os futuros desafios que a condução de um trabalho espiritual nos impõe.
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08.04.18. Ashram Brahmala |
Impessoalidade: a marca característica da via do coração e da espiritualidade pura
Alguém poderia me perguntar, mais especificamente, de que tratou este encontro realizado aqui em casa. Em resposta, teria que dizer que a cada um foi dado conforme a sua capacidade de compreender, assimilar e viver o conceito fundamental, que representa a marca característica da nossa instituição e que designamos como “impessoalidade”.
O que é e como se caracteriza, na prática, a impessoalidade?
Não posso responder pelos outros, nem me preocupo com o modo conforme Francisco a conceituou e exemplificou em sua fala, que foi muito interessante, mas, a meu ver, secundária, menor, em relação ao que ele, de fato, já vive, ou procura viver, em termos de vida impessoal. Para mim jamais foi difícil perceber como a autêntica impessoalidade irradia-se de todo o seu ser. Ela já estava presente em, praticamente, todas as ações de Francisco quando o conheci, nos idos de 1978. Por isto mesmo, prefiro não retirar das palavras que ele proferiu neste nosso encontro o que entendo por impessoalidade, e sim da consonância que percebo existir entre o seu exemplo de vida e aquilo que eu próprio conclui, não a partir dele, mas dos meus estudos das Escrituras Sagradas. Em muitos lugares das Escrituras a impessoalidade aparece sugerida, mas, arrisco dizer, em nenhum desses lugares com a beleza, elegância e acuidade que a revelam e definem nos versos que compõem a Bhagavad Gītā.
Segundo a leitura que muitos fazem da Bhagavad Gītā, dentre os quais me incluo, “religião” envolve uma forma ou outra de devoção a uma pessoa divina – Jesus, Krishna, Buda, Shankara, etc. A impessoalidade que caracterizaria o discurso da Bhagavad Gītā, portanto, estaria acima deste entendimento possível pela religião, caracterizada pela devoção, ou preferência, por alguma “pessoa”. Há um interessante artigo de Sri Janardana, que tive a oportunidade de traduzir para o site da Universidade do Coração, denominado "Princípios e Personalidades", que trata do tema da impessoalidade. No texto, Sri Janardana defende que a impessoalidade está na raiz mais pura da experiência de natureza religiosa, que sempre privilegia os princípios vividos e não a devoção às pessoas que os exprimem, como se vê nas distintas denominações religiosas fundadas na Bhagavad Gītā e que, na Índia, se reúnem sob o nome de Vedanta. Infere-se da análise de Sri Janardana que a devoção dos religiosos em relação aos fundadores de suas religiões e aos santos de sua predileção não é diferente da devoção e predileção de uma mãe por um filho, quando comparada a outra criança qualquer. Ambas expressariam formas exacerbadas de “pessoalidade”. Quem interpreta a Bhagavad Gītā como o fazem os adeptos do Bhakti-vedanta (Hare-Krishnas), por exemplo, sente uma devoção especial pela “pessoa” de Krishna, antes que aos princípios universais e impessoais que este representa. Não é por outra razão que os devotos de Krishna constituem um movimento religioso. E é natural, portanto, que eles não compreendam, nem aceitem, as consequências da busca da impessoalidade, representada no puro e transcendente princípio de inteligência cósmica, designado como Brahman.
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Sri Janardana (1892-1966) |
Próximo texto: Um pouco sobre a arte de despertar para o coração
Rio de Janeiro, 17.04.18.
(Atualizado em 07.01.23)
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