2020-03-07

Śraddhā: o néctar da conduta sintrópica

Cartão postal de Francisco Barreto, encarnação de śraddhā:
Existem mundos maravilhosos e fascinantes, mas existe um mundo
infinitamente mais misterioso e atraente: o céu que está dentro de nós.
(Enviado seis meses após minha visita ao Ashram Atma - 02.07.79)
Como vimos anteriormente, cada um dos seguintes cinco estágios de Brahma-sāmīpya, o quíntuplo poder de convergência sintrópica, descritos no Śuddha Yoga, decorre de śraddhā, verdadeira bússola do processo natural de meditação:

1. Saṃkalpa (Decisão, Resolução), a firme resolução da faculdade da vontade de não se afastar da meta suprema, está associado à capacidade de projetar o comportamento futuro segundo a luz do sentimento sintrópico que se origina do coração. Saṃkalpa significa motivação e força de vontade para desenvolver a energia interior e alinhá-la, de forma definitiva (Ananta he!) com a escuta interior. Representa a firme resolução de vigiar os mais inocentes pensamentos, não permitindo que a mente se afaste do coração durante o cumprimento da nossa rotina;
 
2. Ṛṣi-nyāsa: Certificar-se de estar revestido pela Vontade Cósmica e Suprema (Brahma-śakti) no indivíduo, a marca característica da internalização da divindade e da expressão de śraddhā. Representa a capacidade de fazer de toda atividade uma Invocação de unificação, no coração, com a energia sintrópica do Ser Supremo (Brahma-śakti), que se manifesta nos seres humanos como śraddhā. Esta energia aparece personificada no Ṛgveda como a deidade Śraddhā, que, no  épico Mahābhārata, é invocada em seu aspecto de Durgā (Invencível) por Arjuna, em conformidade com a orientação de Krishna. Como consequência e expressão de Ṛṣi-nyāsa nasce, então, o próprio diálogo da Bhagavad Gītā;

3. Viniyoga: Significa não se afastar do sentimento de Bhāvana. Todo o imprevisto deve ser visto apenas como uma oportunidade para se intensificar a disciplina de aproximação à unidade (Bhāvana Namaḥ), desenvolvendo e adaptando métodos específicos para enfrentar cada desafio que nos convide a dar um novo primeiro passo no sentido da convergência para a meta. Viniyoga representa a iniciativa e a iniciação que nos revelam o caminho sintrópico e nos capacitam a recomeçar de onde se está e a avançar, simplesmente empregando primeiro minuto no sentido da convergência para a meta. O Yoga Sūtra afirma que a prática de saṃ-yama (conjunção de dhāraṇā [concentração e foco], dhyāna [meditação] e samādhi [êxtase]) favorece o desenvolvimento destas intuições relativas à formulação de viniyoga (Yoga Sūtra 3.6: "tasya bhūmiṣu viniyogaḥ" – o processo prático [viniyoga] para isto [tasya] ocorre gradualmente [bhūmiṣu]);

4. Satya Tyāga: Certificar-se de estar em sintonia com a Vontade Cósmica (Bhāvana Namaḥ), renunciando (samnyāsa) de imediato e de forma impessoal a toda e qualquer circunstância inibidora da consagração (tyāga) de si mesmo ao Supremo. Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā que tyāga pressupõe a renúncia (samnyāsa) à tudo que impeça o foco na consagração de si mesmo à Vontade Suprema, manifesta no coração, no instante presente. Representa a dedicação, de forma impessoal, de todas as ações à divindade, de forma que cada novo passo esteja sempre vinculado e em consonância com o processo gradual de construção e reforma íntimaE por fim;

5. Upasthāna: O agradecimento pelo sentimento interior (bhāvana) de sintonia e unidade com o sagrado (dhyāna). Quando nos lembramos de dar graças por tudo retomamos o nosso foco e ganhamos uma nova oportunidade de nos aproximar da práxis sintrópica e de quitar os  três tipos de dívidas espirituais que todos herdamos: débito com a esfera das deidades que zelam pela nossa própria identidade espiritual; débito com os sacerdotes, gurus, sábios e santos que nos deixaram como herança o conhecimento espiritual; e débito com os nossos ancestrais, que possibilitaram o nosso nascimento neste mundo. Traz implícita a prece aos nobres seres do plano divino para que nos perdoem, caso haja, em nosso esforço diário para agir com śraddhā, algo de impuro, impróprio, inadequado, ou que seja excessivo. 

2020-03-04

A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga (I)

A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
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O lançamento do livro O Estudo da Consciência – Inovação Pessoal e Redes Sociais (Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2020), organizado pelos professores Antonio Carlos de Azevedo Ritto e Marinilza Bruno de Carvalho, aconteceu na manhã do dia 11 de fevereiro de 2020, no auditório da Diretoria de Administração Financeira (DAF) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), durante a realização da quarta tertúlia do Projeto Estudos da Consciência: INOVAÇÃO PESSOAL E REDES SOCIAIS. Merece destaque o fato de que, embora a temática do livro e do próprio evento fizesse parte da área de ciência e tecnologia, os organizadores acolheram contribuições de natureza mais metafísica e espiritualista, que visavam harmonizar e compatibilizar ciência e espiritualidade. Durante o evento, integrei a mesa "Uma nova consciência em tempos de vida intensa nas redes" e tive a oportunidade de esclarecer como o capítulo "A Fenomenologia da Consciência do Śuddha Yoga: ciência, espiritualidade, meditação e o surgimento de um novo paradigma" de minha autoria, que encerra o livro, se insere nesse contexto. A minha fala procurou introduzir os colegas ao conteúdo desse capítulo e sobre o desenvolvimento de um  núcleo transdisciplinar de estudos avançados em ciência da meditação e espiritualidade, a partir da Bhagavad Gītā. Daí o título que escolhera para o capítulo de encerramento do livro, que adaptei e passo a compartilhar nas seções seguintes deste compêndio.