Maciel tirando dúvidas sobre roteiro (05/2017) |
Luiz Carlos Maciel1 faleceu sábado, 09 de dezembro de 2017. Recebi a notícia, no final da tarde, pela sua esposa, a atriz Maria Cláudia, que o acompanhava no Hospital Copa D’Or, no Rio, desde o dia 26 de novembro, onde fora internado em função de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Embora o tenha conhecido pessoalmente há apenas um ano, Maciel tornou-se, em pouco tempo, um grande amigo. Desenvolvemos juntos pequenos projetos, alguns ainda em andamento, visando uma reflexão crítica sobre o seu legado. Era o seu desejo realizar uma síntese de sua obra como escritor, jornalista, diretor teatral, roteirista e filósofo, aberto ao pensamento oriental e admirador da doutrina e das práticas de meditação do zen budismo. Curiosamente, Maciel faleceu no dia imediatamente após àquele em que as Escolas do Budismo Mahayana celebram o Jôdô-e, Rito Comemorativo da Iluminação do Buda Histórico Shakyamuni – 08 de dezembro.
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Março de 2017: Maciel em encontro com o nosso grupo |
Durante o nosso curso de roteiro2, Maciel sempre tinha os seus causos para compartilhar. Ciente do meu interesse pela Bhagavad Gītā, contava-me muitas curiosidades decorrentes da sua grande amizade com o tropicalista Rogério Duarte, que publicou pela Companhia das Letras uma tradução deste poema épico valendo-se de estrofes de seis versos – as sextilhas da narrativa poética de cordel. Hare Krishna assumido, Rogério costumava brincar com Maciel chamando-o de ateu. Eu sempre ouvia Maciel com interesse e me chamava muito a atenção o bom humor com que ilustrava as suas simpatias e também as suas diferenças com relação às posições do Rogério Duarte. O budismo, diferentemente do hinduísmo em geral, de alguma forma, sugeriria que a liberdade do ser viria com a compreensão de que, em síntese, cada um deve tornar-se discípulo de si mesmo. Ou seja, cada um, em última análise, seria o responsável pela sua própria salvação. Daí a ênfase budista no autoconhecimento. Em geral eu concordava com Maciel e dizia que tinha uma leitura da Bhagavad Gītā diferente de Rogério Duarte, pois via o texto como uma expressão viva do Śraddhā Yoga e da nascente ciência da meditação. Gostava de enfatizar que o puro Śraddhā Yoga ficava a meio termo entre o zen budismo, que ele tanto admirava, e o hinduísmo devocional do Rogério.
Maciel deixou na série de doze vídeo-aulas intitulada Anticurso Filosofia e Contracultura com Luiz Carlos Maciel o seu derradeiro e mais importante depoimento sobre a épica jornada contracultural do herói, sempre em busca de liberdade e autorrealização. Nessa serie, ele explora profundamente as ideias que marcaram sua trajetória intelectual e artística, destacando-se como um dos principais pensadores brasileiros da contracultura. Sua abordagem única, que mesclava filosofia, arte e espiritualidade, influenciou gerações e continua a inspirar aqueles que buscam compreender os caminhos da liberdade interior e da transformação social.
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Curso Livre de Roteiro com Maciel |
Além de sua contribuição teórica, Maciel também foi um mestre prático. Depois do sucesso do relançamento no Rio de Janeiro do manual de roteiro O Poder do Clímax, que se tornou um clássico entre os roteiristas, ele esteve em São Paulo autografando seu livro no sábado, 6 de maio, das 17h às 20h, na Casa das Rosas (Av. Paulista, 37). Ele havia, pouco antes, iniciado em nosso grupo o segundo módulo do seu Curso Livre, Técnicas de Roteiro para Cinema e TV, totalmente dedicado à elaboração prática do roteiro. O curso, que seguia o mesmo formato do primeiro (4 encontros, sempre às quintas-feiras, das 19h15 às 20h45), permitia aos participantes discutir seus projetos com ele, desde a elaboração da sinopse até a conclusão da escaleta. Maciel era um orientador atento e generoso, sempre disposto a compartilhar seu vasto conhecimento e experiência. Por esta ocasião, Maciel ainda dividia seu tempo como consultor da série Os Dias Eram Assim, da TV Globo. Além de interagir com esse mestre dos roteiros, era realmente um privilégio poder discutir com ele o monomito da Jornada do Herói, que se funda em śraddhā e do qual a Bhagavad Gītā é paradigma fundacional. “Śraddhā” é um termo sânscrito que, no contexto da Bhagavad Gītā, denota o sentimento de conexão com o sagrado, a convicção íntima, a bússola interior, o ardor que fortalece a vontade e a amorosa luz do coração que ilumina e dá foco à razão. Orientando e aferindo a conduta do herói em sua jornada, śraddhā representa o termômetro espiritual da faculdade da vontade.
O primeiro contato de Maciel com o nosso grupo de estudos e meditação ocorreu em 5 de fevereiro de 2017, quando organizamos um encontro para dialogar sobre sua obra e a expressão dramática. Na ocasião, como registrado nas fotos, ele abordou temas que iam da estrutura narrativa à profundidade filosófica que caracteriza seu trabalho. Foi uma noite memorável com este jornalista, roteirista, escritor e importante filósofo da contracultura. Maciel demonstrou uma habilidade única de conectar arte, pensamento e espiritualidade, conforme mostra a gravação a seguir:
Em função do interesse gerado pela palestra, o núcleo de estudos Coração da Terra promoveu o Curso Livre, Técnicas de Roteiro para Cinema e TV, ministrado por Luiz Carlos Maciel no mesmo local, nos dias 9 de fevereiro, 16 de fevereiro, 2 de março e 9 de março, das 19h15 às 20h45 (veja as fotos). O curso, num ambiente bastante intimista com um número reduzido de participantes, foi um sucesso, com todos muito motivados para aprender com um dos grandes nomes do roteiro no Brasil, profissional renomado com grande influência na contra cultura brasileira. Maciel, com sua didática envolvente e generosidade intelectual, guiou os alunos pelos fundamentos da criação de roteiros, com destaque para a construção de personagens e o desenvolvimento de tramas.
Como parte das celebrações do seu aniversário de 79 anos (15 de março), Maciel relançou, na quarta-feira, 22 de março, o seu livro O Poder do Clímax, que foi utilizado no segundo módulo do curso de roteiro, realizado em abril. Neste segundo curso, totalmente dedicado à elaboração prática do roteiro, Maciel acompanhou os participantes desde a elaboração da sinopse até a conclusão da escaleta. O curso seguiu os mesmos moldes e formato do primeiro (sempre às quintas-feiras, das 19h15 às 20h45), mas sem um número definido de encontros. Fizeram jus ao certificado de participação aqueles que atenderam a pelo menos 75% dos encontros e concluíram com sucesso o projeto de roteiro.
Luiz Carlos Maciel, um dos fundadores do Pasquim, foi também diretor de redação do semanário Rolling Stone. Na Rede Globo, exerceu as funções de roteirista e redator. Dentre as peças que dirigiu, destacam-se: Flávia, cabeça, tronco e membros, de Millôr Fernandes, Brida, de Paulo Coelho, e o espetáculo musical Baby Gal, com Gal Costa.
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Março de 2017: lanche com o grupo |
Presto aqui, portanto, as minhas homenagens ao amigo e principal ensaísta e pensador brasileiro da contracultura. Luiz Carlos Maciel foi um farol intelectual e espiritual, cuja obra e presença continuarão a inspirar os caminhos daqueles que buscam a liberdade, a autenticidade e a transformação. Sua partida deixa uma lacuna imensa, mas seu legado permanece vivo, inspirando novas gerações a seguir adiante na jornada do autoconhecimento e da autorrealização. Maciel, com sua sabedoria, cativou a todos que tiveram o privilégio de aprender com ele, e este conhecimento continua a guiar aqueles que buscam a liberdade, a autenticidade e a transformação.
(2) Áudio das aulas do Curso Livre, Técnicas de Roteiro para Cinema e TV (Módulo I):
- 09.02. Aula 01 - História
- 16.02. Aula 02 - Estrutura
- 02.03. Aula 03 - Personagem e Trama
- 09.03. Aula 04 - A Cena
Áudio das aulas do Curso Livre, Técnicas de Roteiro para Cinema e TV (Módulo II):
- 27.04. Aula 05 - Apresentação e discussão preliminar dos projetos
- 04.05. Aula 06 - Avaliação preliminar dos roteiros submetidos e dicas para elaboração do roteiro de um documentário
- 11.05. Aula 07 - Avaliação e discussão de roteiros
- 18.05. Aula 08 - Avaliação e discussão de roteiros
- 25.05. Aula 09 - Avaliação e discussão de roteiros
- 01.06. Aula 10 - Avaliação e discussão de roteiros
Próximo texto: Brasil: em busca de uma grande síntese tropicalista
Rio de Janeiro, 10.12.17.
(Atualizado em 11.03.25)
(Atualizado em 11.03.25)
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