OS FUNDAMENTOS E A ESTRUTURA DA DISCIPLINA
CMT014 - Oficina de Estudos: a Arte e a Ciência da Meditação
Todo o homem que encontro
me é superior em alguma coisa.
E, nesse particular, aprendo com ele.
(Ralph Waldo Emerson)
Introdução à Apostila da Disciplina A Arte e a Ciência da Meditação
Śraddhā Yoga:
a escuta que respira o real
Esta apostila acompanha e aprofunda os conteúdos discutidos na disciplina CMT014 — A Arte e a Ciência da Meditação, oferecida com aulas teóricas, práticas e encontros com convidados que representam diversas tradições meditativas. A proposta da disciplina não é formar adeptos, mas desenvolver uma consciência crítica e sensível capaz de perceber as raízes, o tronco e os galhos da árvore viva das práticas meditativas.
Nesse percurso plural, o Śraddhā Yoga é apresentado não como mais uma técnica entre outras, mas como uma ferramenta filosófica e experiencial que permite identificar os princípios universais por trás de qualquer forma de meditação. Dois gestos simples e fundamentais orientam essa leitura:
- Atenção plena à respiração.
- Observação da mente enquanto se respira — o reconhecimento do fluxo dos pensamentos e da testemunha silenciosa que tudo percebe.
Esses dois gestos são ilustrados pelas três metáforas e os três mantras centrais do Śraddhā Yoga: o cisne (Haṃsa), os dois pássaros da árvore do Ser, e a quadriga do kṣetrajña; OM NAMO NĀRĀYAṆĀYA, Haṃsaḥ e AUM/OM como vibrações do Ser.
O que emerge dessa abordagem é a meditação sintrópica — heartfulness — como prática e como chave hermenêutica. Inspirado na Bhagavad Gītā, o Śraddhā Yoga revela a meditação não como método de interiorização, mas como forma de viver. Respirar, aqui, é amar com consciência; meditar é agir com escuta. Cada tradição estudada na disciplina pode ser compreendida a partir desses dois gestos, tornando o Śraddhā Yoga uma gramática espiritual que ilumina a diversidade sem dissolver suas singularidades.
A apostila estrutura-se em sintonia com o livro-blog Śraddhā Yoga: A Ciência e a Arte do Amor em Ação, cujos textos revelam a meditação como alento do Ser e caminho de integração entre ação, silêncio e consciência. No coração dessa proposta está a escuta amorosa que afina o corpo, a mente e a alma com a vibração da realidade — Ṛta — que nos respira e nos guia.
Por isso, ao utilizar esta apostila, recomendamos que se cultive tanto o estudo quanto a escuta, tanto o discernimento quanto a entrega. Cada texto selecionado foi pensado para favorecer a compreensão da meditação não apenas como prática, mas como expressão da própria vida em sua forma mais lúcida, ética e amorosa. No fim, como ensina o Śraddhā Yoga, meditar não é apenas praticar: é deixar-se viver pelo alento do Ser.
I. EMENTA
A disciplina propõe uma introdução crítica às raízes, aos fundamentos e ao desenvolvimento histórico das práticas meditativas, com ênfase na tradição védico-epopéica da Bhagavad Gītā e na sua interpretação sintrópica. Em vez de formar adeptos, o curso visa cultivar uma consciência lúcida sobre os princípios universais que sustentam as técnicas de meditação. A estrutura da disciplina se ancora nos dois gestos fundantes da práxis contemplativa: (1) atenção à respiração; (2) observação do fluxo mental durante a respiração. Esses dois gestos são analisados à luz das três metáforas e três mantras centrais do Śraddhā Yoga, extraídos do campo simbólico da cultura védica e elaborados como ferramenta crítica de análise e comparação entre as diferentes tradições meditativas.
As três metáforas fundamentais:
- Os dois pássaros na mesma árvore (Ṛigveda 1.164.20) — testemunha e agente.
- O cisne haṃsa (Māntrika Upaniṣad) como símbolo da liberdade espiritual que floresce da consciência da unidade entre agente e testemunha.
- A quadriga (Kaṭha Upaniṣad / Bhagavad Gītā) — como expressão da arte meditativa de conduzir os sentidos e a mente com a sabedoria amorosa do coração espiritual.
Os três mantras centrais:
- AUṂ (OṂ) — a vibração originária, som do Absoluto.
- Haṃsaḥ — o mantra da respiração, símbolo da meditação heartfulness e da presença do Ser em cada alento.
- OṂ NAMO NĀRĀYAṆĀYA — o mantra que sintetiza a arte e a ciência de heartfulness, representando a entrega da individualidade à vibração cósmica da vida.
A meditação é abordada, assim, como arte, ciência e práxis espiritual, com fundamento no conceito de Ṛta — a ordem cósmica viva — e da śraddhā — a bússola interior que transforma o amor em clareza e ação.
Vídeos Ilustrativos
1. Meditação em um Instante (One Moment Meditation)
O vídeo Meditação em um Instante apresenta, de forma simples e acessível, um esboço da prática meditativa e seus benefícios. Seu foco na meditação imediata — realizada em um único instante — revela um portal para o reencontro com a consciência plena e o fluxo da existência, ambos representados pela “Grande Lei” (Ṛta), a ordem viva e harmônica do cosmos segundo a tradição védica.
Cada vez que trazemos a atenção de volta à respiração, realinhamos nosso ser com esse ritmo natural. Meditar, então, deixa de ser um momento isolado e passa a ser um modo de estar: uma escuta contínua que dissolve o ego e permite que a vida flua como expressão de próprio Ṛta. Nesse estado de entrega lúcida, compreendemos que não somos nós que agimos, mas a força vital que pulsa através de nós, em comunhão com o universo.
O objetivo não é apenas ter tempo para meditar, mas fazer da vida uma meditação. Quando isso acontece, já não é necessário “entrar” no estado meditativo — pois ele se torna a própria respiração do viver, momento a momento. Transcendemos a separação entre prática e cotidiano, e nos tornamos instrumentos conscientes da sabedoria universal.
A seguir, apresentamos outros vídeos que expandem essa visão e aprofundam os princípios fundamentais explorados na disciplina.
2. Três metáforas e três mantras
3. A origem e a essência das práticas de meditação
II. ESTRUTURA DA DISCIPLINA:
Meditação como práxis sintrópica: entre tradição, ciência e experiência
A disciplina CMT014 – A Arte e a Ciência da Meditação propõe uma abordagem integrada, crítica e vivencial das principais tradições meditativas. Suas aulas combinam fundamentos teóricos com oficinas práticas conduzidas por especialistas convidados, representantes de distintas escolas — tanto tradicionais quanto contemporâneas — de meditação.
Mais que formar adeptos, o curso busca despertar uma consciência lúcida e sensível sobre as raízes filosóficas, os desenvolvimentos históricos e os impactos científicos, culturais e médicos das práticas meditativas.
A disciplina articula-se a partir da Bhagavad Gītā, compreendida como uma alegoria espiritual que revela, poeticamente, os fundamentos da meditação como escuta amorosa, decisão ética e ação luminosa. A partir dessa chave simbólica, a estrutura do curso (veja aqui um esquema resumido) se desenvolve ao longo de três eixos complementares:
- As três metáforas e os três mantras do Śraddhā Yoga discutidos acima na ementa.
- A cartografia espiritual e os fundamentos da meditação, introduzidos a partir dos conceitos centrais do Śraddhā Yoga e da tradição indiana:
- A dialética do Pranava AUM: afirmação e renúncia do Ser.
- Artha como sabedoria na ação e arte de governar a si mesmo.
- Mokṣa e Brahma-prāpti como horizonte da realização humana.
- Ṛta/Dharma: o princípio cósmico que orienta a respiração do real.
- Vṛttis: as flutuações mentais e a possibilidade de sua transcendência.
- Kāma: a energia do desejo e sua transfiguração.
- A interface neurocientífica e as práticas contemporâneas. Nesta última parte, a meditação é analisada à luz dos saberes modernos:
- A natureza neurobiológica dos estados meditativos (neuroplasticidade, atenção, emoções).
- O mindfulness e suas variações técnicas como redução da meditação à funcionalidade.
- Os efeitos da meditação (sobretudo o mindfulness) na saúde física, mental e emocional.
- A distinção entre práticas instrumentais e vias contemplativas profundas (interiorização x transcendência).
A disciplina se organiza em torno de um roteiro de atividades semanais (RAS), integrando os textos da apostila, os vídeos selecionados e as experiências em sala. Toda a estrutura visa fomentar o cultivo simultâneo da escuta e do discernimento, da prática e da reflexão — como expressão da meditação sintrópica: um caminho onde respiração, amor e clareza se tornam um só gesto.
III. NOTA AO LEITOR: COMO USAR ESTA APOSTILA
Esta apostila não é apenas um roteiro de conteúdos. Ela é, sobretudo, um convite à escuta interior — à arte de respirar o real com presença e discernimento. Os textos aqui reunidos não obedecem a uma sequência linear, mas se entrelaçam como ramos de uma mesma árvore viva: a árvore da consciência que floresce com a luz da śraddhā.
Recomendamos que cada leitura seja feita como uma meditação em si. Respire antes de começar. Leia devagar, com atenção amorosa. Após cada trecho, permita-se o silêncio. Anote suas impressões, dúvidas e descobertas. Volte ao texto sempre que desejar — não para dominá-lo, mas para deixar-se tocar por ele.
As aulas da disciplina CMT014 acompanham essa proposta: teoria e prática, razão e coração, escuta e expressão. O Śraddhā Yoga não ensina uma nova técnica, mas revela os princípios eternos que sustentam toda forma legítima de meditação. Ele é a lente que ilumina, não o caminho que se impõe. Como tal, pode ser utilizado como chave interpretativa para todas as tradições apresentadas no curso.
Que esta apostila seja, pois, não apenas um material de estudo, mas um espaço de cultivo — onde a consciência floresce, gesto a gesto, respiração após respiração.
IV. SUMÁRIO DA APOSTILA
- O Pacto, a egrégora, a rotina e o ambiente das oficinas de meditação
- As Práticas de Meditação e a Cultura Sintrópica
- CMT 014 - Oficina de Estudos: A Arte e a Ciência da Meditação
- Aprendendo a Meditar no Coração
- A Fábula do Foco e a Escuta Interior
- O que é Sākṣī?
- AS BASES DA ARTE E DA CIÊNCIA DA MEDITAÇÃO: do conceito védico de Ṛta ao contemporâneo conceito de Sintropia
- A Bhagavad Gītā como Metáfora da Arte e da Ciência da Meditação
- A essência do Mahābhārata e da Bhagavad Gītā em 108 proposições
- Śraddhā Yoga: A Arte e Ciência da Meditação na Bhagavad Gītā
- Bhagavad Gītā: a meditação sintrópica em seus três estágios
- O Dhyāna Mantra
- O Haṃsa Prāṇāyāma e o Dharma
- A Meditação na Práxis Sintrópica (Haṃsa), ou "Meditação em Movimento"
- Alta Performance no Śraddhā Yoga: Do Ego ao Som
- A Síndrome do Impostor e o Teatro da Alma
- O Prāṇāyāma como Três Gestos do Ser
- Śraddhā Yoga: A Ciência e a Arte do Amor em Ação
- A Meditação como Alento do Ser
- Entre Édipo e Arjuna: A Tragédia Grega e o Épico Indiano como Caminhos da Consciência
- Śraddhā Yoga e a Sabedoria Universal: Reflexões à Luz da Oração do Amanhecer
- A Árvore do Śraddhā Yoga de Krishna: do Bhāvana, ao Aṣṭāṅga e à Vipassanā
- Heartfulness em Movimento: A Meditação na Práxis Sintrópica (Haṃsa)
- A Meditação Cristã: a Oração do Coração e o Decreto de Exaltação do Nome de Jesus
V. PLANO DAS TRÊS AULAS QUE ESTRUTURAM A DISCIPLINA
(2025-1)
AULA 01: VINIYOGA
AULA 02: A ESTRUTURA FUNDAMENTAL
AULA 03: UMA INTERPRETAÇÃO SINTRÓPICA DA BHAGAVAD GĪTĀ
VI. MATERIAL COMPLEMENTAR
01. Podcast Fundamentos da Arte e da Ciência da Meditação, dedicado à leitura dos textos da apostila CMT014
02. Episódio do podcast Estado da Arte: O Cânone em Pauta: A Bhagavad Gita
[Locução de]: Marcelo Consentino. Entrevistados: Dilip Loundo, Lúcio Varela e Rubens Turci. São Paulo: O Estadão, 10 nov. 2021
03. Episódio 98 do podcast Em Busca da Verdade: a Bhagavad Gītā
Neste episódio Julio de Santi e Rubens Turci conversam sobre a Bhagavad Gītā. 13 jul. 2022.
04. Episódio 105 do podcast Em Busca da Verdade: a Bhagavad Gītā
Neste episódio Julio de Santi e Rubens Turci conversam sobre a Bhagavad Gītā. 12 jul. 2023.
0.7 Episódio do NERFI (UFJF) Religiões e Filosofias da Índia: Uma interpretação sintrópica do Bhagavad Gītā: uma ponte entre Ciência e Espiritualidade
08. Espaço Alexandria: Aula 6 de Mapas - Jornada de Meditação com Rubens Turci. Espaço Alexandria - UFRJ, 20 set. 2023.
Disponível em: https://youtu.be/mXX9tejIV-csi=3D65iKKAYYJugkVb e
Epílogo: O Alento do Ser
No âmago de cada prática meditativa repousa uma certeza silenciosa: o Ser respira em nós. Não somos nós que buscamos o silêncio — é o silêncio que nos chama de volta ao centro. Meditar, então, não é fugir do mundo, mas escutá-lo de dentro, com todo o corpo, com todo o tempo, com todo o ser.
A apostila termina, mas o caminho apenas começa. Que os textos aqui reunidos possam acompanhar cada passo da sua jornada como ecos de um único mantra: Haṁsaḥ śāntiḥ śraddhāyāḥ — que a respiração do Ser nos conduza à paz do coração amoroso.
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Este material visa contribuir para que cada um, à moda de espiritualistas como Fernando Pessoa, (1) descubra em si mesmo a presença da "Consciência Sintrópica" e (2) a reconheça também nos demais.
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A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
("A Morte é a Curva da Estrada",
Fernando Pessoa, Poesias, 1935)
OM TAT SAT
Rio de Janeiro, 26.12.22
(Atualizado em 04.06.25)
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