2017-01-12

Bhāvana Namaḥ: a Universidade do Coração

Proponho-me, hoje, a refletir sobre o processo gradual de implementação da futura Universidade do Coração, definido no encontro que aconteceu de três a cinco de fevereiro de 2012, na sede do nosso Grupo de Estudos, no Rio de Janeiro. Nesta ocasião foram estabelecidos os pilares fundamentais da Universidade do Coração, gestados há alguns anos, a partir de diversas iniciativas dos três campi mantidos pelo Instituto Cultural Grande Síntese: (1) a Fazenda Mãe Natureza, localizada à margem do rio São Francisco, no Povoado da Saúde, em Santana do São Francisco - SE; (2) a Comunidade do Eu Sou (em frente a estação da balsa que faz a travessia para Penedo - AL), e (3) o Edifício Milagres, localizado na rua Lagarto, 58, Aracaju – SE. Alguns meses depois deste encontro, no dia 31 de agosto de 2012, sexta-feira, às 21h00, aconteceu, na Fazenda Mãe Natureza, a cerimônia de consagração e inauguração do complexo do Śuddha Sabhā Ātma, responsável pela concepção da Universidade do Coração. O estabelecimento da Pedra Fundamental da nova sede do Śuddha Sabhā Ātma acontecera em 31 de dezembro de 2011, sábado, exatamente às 12h00, e foi a partir daí que se passou a desenvolver de forma mais concreta uma serie de ações destinadas à constituição desta universidade voltada, unicamente, a facilitar o contato real com o Ser Sagrado que reside no coração de todos os seres.

Dentre as diversas iniciativas já desenvolvidas na Grande Síntese em consonância  com o estabelecimento da futura Universidade do Coração destacam-se  (1) a Escola da Síntese - Curtindo o Coração, que nasceu no Edifício Milagres e (2) o Projeto Bambá, desenvolvido na Fazenda Mãe Natureza (Santana do São Francisco -- SE).  A Escola da Síntese iniciou as suas atividades em agosto de 2011, poucos meses após a inauguração e consagração do Edifício Milagres, situado à Rua Lagarto, nº 58, em Aracaju, ocorrida às 5h00 da manhã do domingo de 16 de Janeiro de 2011. Simbolicamente, a inauguração do Edifício Milagres e a criação da Escola da Síntese representam a materialização, no plano do concreto, de um sonho iniciado há quase cinquenta anos, quando os primeiros integrantes do grupo que hoje forma a Grande Síntese saia pelo povoado do Mosqueiro, em Aracaju, orientando as pessoas e prestando ajuda. O grupo do “seu Francisco”, como eram chamados os poucos membros daquela comunidade, vivia em um pequeno terreno com uma horta comunitária. Agora, em sede própria estava nascendo a escola que teria como missão servir de cadinho de experimentações sobre a educação mais adequada para a promoção do desenvolvimento integral do ser humano. Este projeto educacional representa um desenvolvimento natural das diversas oficinas do Projeto Bambá, iniciado em junho de 2000 junto aos professores da rede pública da Região do São Francisco. Estruturado em torno das oficinas Canto do Mato, Teia da Vida, Papel de Ser, Menino do Dedo Verde, Arte da Terra e Palco da Vida, o Projeto Bambá objetiva a promoção de uma consciência ecológica global, orientada pela experiência de preservação dos recursos naturais locais.

A Escola e as diversas oficinas do Projeto Bambá fazem parte da mesma proposta educacional onde se insere a Universidade do Coração. Na Escola Curtindo o Coração as crianças aprendem fazendo, produzindo, comparando, associando, interagindo, conhecendo, brincando e descobrindo em contato com a natureza.  As distintas atividades são realizadas de forma lúdica, por meio de jogos, técnicas de grupo, danças circulares, caminhadas ecológicas, passeios de barco, exibição de vídeos, técnicas de preservação do solo, da fauna e da flora e a produção de objetos artesanais.  A Oficina Menino do Dedo Verde proporciona ao participante o contato direto com a terra e se encerra com o plantio de mudas de árvores em extinção na região. A Oficina Arte da Terra introduz a modelagem em argila como meio para estimular o desenvolvimento da sensibilidade e da reflexão sobre o papel transformador do artista -- como estamos modelando o nosso mundo? A Oficina Papel de Ser trabalha técnicas de produção e manuseio de papel reciclado para o desenvolvimento de artigos de decoração. As crianças são estimuladas a refletirem criticamente sobre questões como: qual o meu papel na comunidade? o que significa reciclar? o que eu preciso reciclar em mim e em minha vida? A Oficina Teia da Vida introduz a tecelagem como um instrumento para o desenvolvimento de uma saudável disciplina da mente. Tecer a sua própria história, fio por fio, linha por linha, aprender a refletir e, com paciência, desatar todos os nós; implica em aprender a analisar a trama da sua própria vida e assim se capacitar para atuar criticamente dentro do tecido social. A Oficina Canto do Mato introduz o canto coral em diversas atividades. Tem como objetivo que cada integrante do coral contribua com a sua própria voz, em harmonia com a voz dos demais, na construção de uma nova identidade social. A Oficina Palco da Vida vale-se da arte de representar como instrumento no processo de autoconhecimento e descoberta de si mesmo. O teatro é utilizado como um instrumento de transformação da realidade.

O Teatro Palco da Vida, sediado na Fazenda Mãe Natureza, representa outro experimento dentro da proposta de criação da Universidade do Coração.  Inaugurado em 2009, com capacidade para 300 pessoas, propõe-se a desenvolver um teatro de natureza psicossocial e política e com elevado grau de compromisso entre a teoria e a práxis, conforme proposto no Teatro de Augusto Boal e no ancestral Bharata-Muni-Nāṭya-Śastram, o Tratado (śāstra) do Sábio (muni) Bharata, acerca das Artes Performáticas (nāṭya). Ali, a experiência teatral não se destina, entretanto, à exaltação do bem em detrimento do mal, senão que ao papel de (re) apresentar a essencialidade das relações indiferenciadas de ambos nos processos do mundo. Daí a sua formulação, segundo o próprio texto, com o fim de encenar e dramatizar os distintos episódios das narrativas épicas (itihāsa) como o Mahābhārata e o Rāmāyaṇa, onde os sentimentos (bhāva), a gestualística (abhinaya), os atores (dharmī), os estilos (vṛtti), a cultura local (pravṛtti), as habilidades (siddhi-s), as notas (svara-s), os instrumentos musicais (ātodya-s), a música (gāna) e o palco (raṇga) dão forma a uma experiência estética (rasa) cuja finalidade é a superação das baixas inclinações (grāmya) e a promoção dos sentimentos superiores (bhāva) que procedem do coração e das suas respectivas emoções.

De acordo com a maiêutica do ardor do coração (śraddhā), pressuposto básico da Universidade do Coração, a formação do ser humano representa um processo psico-sócio-político de descoberta de si mesmo. Representa um ato integral, de síntese, onde o diapasão para se encontrar a sintonia fina com o sagrado é, unicamente, o coração. Sabemos que a mente segue métodos e metodologias, mas o coração, não. O coração apenas busca o seu ritmo e procura se harmonizar, para evoluir, sem perder a cadência, nem o compasso. A mente se filia a distintas correntes religiosas, filosóficas e políticas. O coração, não. O coração não tem corrente, porque não sabe viver acorrentado. As religiões ocupam-se da fé nas Escrituras, enquanto o coração ocupa-se do sentimento de amor, ou fé interior, ou fervor do coração (śraddhā), que dá origem a todas as religiões.  Onde há mais amor, o mundo é melhor.  Logo, nenhum processo de mudança que não o promova, ou não seja nele fundado, pode produzir qualquer melhora significativa no mundo. O amor, portanto, é a lei natural que, no curso do tempo, aproxima o ser humano, sempre em transformação, ao seu estado mais bem acabado e completo. As pessoas tornam-se melhores quando desenvolvem esta natureza amorosa, capaz de organizar e estruturar o território psico-sócio-ambiental, onde se fundam as experiências do Ser. Por nascer de dentro, este processo representa a transcendência ao estágio de pertencimento a esta ou aquela religião em particular. Daí, afinal, o lugar da Universidade do Coração.
Próximo texto: Bhāvana Namaḥ: cultivando egrégoras

Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2017.
(Atualizado em 27.05.22)

2 comentários:

  1. A Índia tem um conceito que considero digno, o Sûtrâtman, um fio que passa por dentro de todos os seres do Universo. Os seres são como contas de um colar e, esse fio as leva em direção a Unidade, ao seu ideal e ao destino que lhes é próprio.
    Cordiais saudações.

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    1. É um dos conceitos que me são mais caros. Agradeço a lembrança.

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