2023-01-29

A Origem das Práticas de Meditação na América Latina

Ana Huguet
Convite (1917)
 O Início de Tudo

Poucos sabem que a história da arte e da ciência da meditação na América Latina começou no Chile, quando, em 1917, a senhorita Ana Huguet, Presidente do ramo Arundhati da Sociedade Teosófica no Chile, convida alguns colegas para iniciarem um estudo da coletânea de artigos publicados por S. Subramania Iyer na revista The Theosophist (serie editada em espanhol com o título de Una Organización Esotérica en la India, por Swami Subrahmanyananda - Dr. Sir S. Subramanier (K. C. L. E.) LL. D.).

Ana Huguet, que há pouco havia sido admitida no Śuddha Dharma Maṇḍala Vidyālaya (SDM), instituição espiritualista recém inaugurada (1915), com sede, inicialmente, em ​Purasavalkum, Madras, e presidida por Subrahmanyananda, torna-se o seu primeiro membro na América Latina. Ela traduz os primeiros folhetos do SDM e conduz os estudos deste grupo na Sociedade Teosófica. Contudo, logo vem a falecer, levando alguns participantes a escreverem diretamente para a Índia, solicitando a adesão ao SDM. Dentre eles, destacam-se: Dom Benjamín Gusmán Valenzuela, Sra. Sara Bravo de Taulis, Sra. Elmina Moissan, Sr. Otto Georgi e Sr. Sady Concha, que viriam a constituir, a partir de 1920, oficialmente, o Secretariado da seção chilena do SDM.

 A Constituição Jurídica da Nova Organização
e o seu Florescimento no Chile

Em 13.05.1927, os estatutos da nova organização, com sede na calle Vicuña Mackenna, 635, são aprovados pelo governo e a instituição ganha personalidade jurídica, conforme decreto número 1207, tornando-se, oficialmente, a seção chilena do Śuddha Dharma Maṇḍala Vidyālaya, presidida por Dom Benjamin (o terceiro a ingressar na instituição), até o seu falecimento, em 12.09.1984.

A edição de 28.08.1927 do jornal o Mercurio, de Santiago, noticia a constituição formal do SDM.
1939. A instituição se desenvolve e logo alcança a simpatia de vários intelectuais chilenos.
Inicialmente, nem todos os antigos membros da Sociedade Teosófica aceitaram a indicação de Don Benjamin como presidente e instrutor espiritual da nova instituição. Isto fez com que um grupo dissidente atuasse por algum tempo sob a direção de Luiz Felipe Martines, antes de desaparecer completamente. O carisma e a autoridade espiritual de Don Benjamin se impuseram. Assim, ele foi reconhecido como o único instrutor com autoridade espiritual para falar em nome da nova organização. Esta  se ramificaria pela América Latina, chegando ao Brasil, ao que tudo indica, em meados dos anos quarenta, quando por aqui já estava Gabriela Mistral (Lucila de Maria del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga), a sua mais ilustre representante.

Gabriela Mistral era membro do corpo diplomático chileno e residia na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, quando, em 1945, tornou-se a primeira escritora latino-americana a ser agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura. Desde jovem se interessava pelo lado místico, interior, de todas as culturas religiosas. Chega ao SDM, assim como os seus primeiros membros, por meio da Sociedade Teosófica, a qual se filiara em 1912, aos 23 anos de idade. O SDM possibilita-lhe aproximar as suas raízes cristãs do Yoga Integral de Sri Aurobindo, de quem se tornara amiga.

A sede oficial do SDM, na Calle Marin 411, em Santiago do Chile, foi inaugurada em 1937. Este local, ainda hoje, é um verdadeiro tesouro, um museu com todas as valiosas relíquias e registros históricos desde a chegada ao nosso continente, em 1917, das primeiras orientações e definições relativas à arte e à ciência da meditação segundo a Bhagavad Gītā.  

Endereço provisório e Audiência (1933)






Preparativos para a inauguração do Templo em 1937
Visita da Embaixada da Índia ao SDM em 1962 por ocasião da celebração
do nascimento de Mahatma Gandhi (1869 - 1948)
A partir do final dos anos quarenta seriam constituídos os primeiros grupos de estudos em diferentes estados brasileiros sob a orientação de Dom Benjamin, que ficaria conhecido como Sri Vajera Yogi Dasa. Estes grupos, aos poucos, principalmente a partir da visita ao Brasil, em 1965, de Sri Janardana, instrutor mundial do SDM, originaram vários Ashrams independentes, unificados pela doutrina do Śuddha Yoga, revelada pelo Senhor Krishna na Bhagavad Gītā, a principal Escritura Sagrada sobre a arte e a ciência da meditação. O vídeo abaixo resume, em parte, esta história.

Do Chile ao Brasil: uma linha do tempo de 1915 a 2022


Vários membros abnegados da seção chilena do SDM assumiram para si as funções de guardiões do patrimônio histórico, da pureza dos ensinamentos recebidos, da doutrina em si e de toda uma vasta e mística biblioteca. Dentre estes servidores, dedicados há mais de quarenta anos à instituição, destaco, por ordem alfabética, Alejandro Obregón Torres, Exequiel Vásquez Bustamante, Juan Carlos Araya Galdámez e Néstor Espinoza Ortega, que tiveram a gentileza de receber a mim e a Cássia na sede da instituição, em 21 e 23.01.2023, com presteza e cordialidade, permitindo-me recolher alguns dados que originaram este texto. Eles são muito solícitos e acolhem os pesquisadores interessados na história e nas raízes em nosso continente desta nobre arte da meditação.

Levando em consideração este contexto histórico aqui relatado, pude desenvolver na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a disciplina CMT 014 – Oficina de Estudos: a Arte e a Ciência da Meditação, fundamentada na tese “Śraddhā in the Bhagavad Gītā” (McMaster University, 2007), neste blog em forma de livro-texto, A Filosofia Sintrópica e a Arte e a Ciência da Meditação, e no canal do YouTube “Práxis Sintrópica / Śuddha Yoga”. 

Conforme mencionado anteriormente no livro-blog, tive a oportunidade de conhecer Sri Vajera e de receber dele as primeiras orientações, a partir de setembro de 1974, durante uma das suas muitas visitas ao nosso país. Alguns anos mais tarde, em setembro de 1980, Dom Benjamin me convidaria a iniciar um novo Ashram e preparar a admissão de novos membros. Depois de pensar um pouco, disse a ele que o meu caminho dentro do Śuddha Dharma era outro e que havia aceitado o convite de Francisco Barreto para trabalhar como voluntário anônimo no projeto que ele iniciara no antigo Ashram Atma de Aracaju. E assim o fiz até o seu falecimento, em 13.11.2020, quando passei a me dedicar mais diretamente ao projeto de implementação da cultura sintrópica do Śuddha Yoga no meio acadêmico, conforme a sua práxis, desenvolvida no seio da nascente Universidade do Coração, que Dom Benjamin costumava chamar de "Universidade Śuddha" e que teve a sua reunião inaugural em nosso apartamento, em Ipanema, no Rio de Janeiro, no encontro que tivemos em 2012, de três a cinco de fevereiro, com alguns membros da Grande Síntese (veja aqui).

Sri Vajera teve o cuidado de criar uma estrutura que viabilizasse o funcionamento da Instituição como uma escola elementar e introdutória, preparatória à futura Universidade Śuddha, em conformidade com os mistérios do Śuddha Yoga e da sua práxis fundamentada na arte e da ciência da meditação, descrita na Bhagavad Gītā. Ainda hoje, vários núcleos, criados por ele, funcionam no Brasil, agora rivalizando com todas as demais escolas que chegaram, aos poucos, ao nosso país. Após a segunda guerra mundial, as práticas de meditação em nosso país tiveram um primeiro impulso com a imigração japonesa e a abertura dos templos budistas. Já a partir dos anos sessenta e setenta, com a chegada dos representantes das diversas escolas de Yoga e do Vedānta, surgiram várias instituições dedicadas, em parte, às práticas de meditação, embora com ênfase mais ritualística, como é o caso, por exemplo, do Advaita Vedānta.


Rio de Janeiro, 29.01.23
(Atualizado em 30.01.23)

4 comentários:

  1. Amei o texto ! magníficas informações e lindas fotos ......
    Agradecida,
    Dharmameva Jayathe,
    Jaya !

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  2. como sempre suas pesquisas e trabalhos escritos sao muito bons. Parabens!!!

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