2016-09-30

O que é a Prática da Saúde do Śuddha Rāja Yoga?

Quem alcançou a décima e última das lições introdutórias1, estabelecidas no passado pela seção chilena da instituição religiosa denominada ŚUDDHA DHARMA MANDALAM (SDM), sabe que o conteúdo destas lições coincide, praticamente, com aquele do ritual da Prática da Saúde, onde se contemplam os exercícios introdutórios às três formas de meditação que compõem o Yoga de que trata a Bhagavad Gītā: meditação externa (Saguṇa Dhyāna), meditação interna (Nirguṇa Dhyāna) e meditação pura (Śuddha Dhyāna). Organizada por Sri Vajera a partir de algumas passagens do Sanātana Dharma Dīpikā, a Prática da Saúde divulgou e popularizou estas formas de meditação em toda a América Latina.

Cortesia da Jñāna Dāta Telma Jábali Barretto, o áudio abaixo apresenta a Prática da Saúde, oficiada pelo seu pai, o saudoso dirigente do Ashram Subramanyananda de Ribeirão Preto, SP, Sérgio Barretto, um dos pioneiros do SDM no Brasil, consagrado como Jñāna Dāta diretamente por Sri Vajera.


A Prática da Saúde é realizada há décadas, com variações mínimas, de forma presencial em toda a América Latina . O vídeo a seguir ilustra a sua execução online, conforme realizada em nosso grupo de estudos em 05.07.20.



Uma síntese de toda a ritualística desta prática de meditação para a saúde do corpo e da alma pode ser encontrada no Livro Practica de Yoga para la Saude, Prosperidad Material y Espiritual, publicado pela seção chilena do SDM, e já traduzido para o português por diversos ashramas brasileiros do SDM. O objetivo principal desta prática é aguçar a nossa percepção sobre a complementaridade entre a ordem dos mistérios estético-espirituais e dos ministérios ético-políticos da vida como um todo, tal como descrito por Krishna a Arjuna na Bhagavad Gītā2. O ancestral Śuddha Yoga apresentado por Krishna tem por objeto os aspectos imanente e transcendente do sagrado. O aspecto transcendente representa o inativo, inatingível e supremo sagrado sobre o qual só se pode dizer “isto não; isto não” – “neti, neti”. O aspecto imanente contempla a natureza objetiva e subjetiva da realidade. Desse modo, o Śuddha Yoga tem por objeto de contemplação o sagrado em seus aspectos, respectivamente:

(1) imanente e de natureza objetiva, presente em grandes seres como o próprio Krishna (Saguṇa Dhyāna);
(2) imanente e de natureza subjetiva, presente em tudo e em todos sob a forma do Espírito Universal, ou Ātman (Nirguṇa Dhyāna) e
(3) transcendente, em conformidade com a natureza não manifestada de Brahman (Śuddha Dhyāna), sobre a qual só nos referimos por negações (neti, neti), uma vez que sobre esta natureza nada se pode afirmar.

Um resumo introdutório à prática da meditação conforme estes três aspectos pode ser encontrado no precioso folheto, publicado originalmente no Chile e depois traduzido no Brasil, "Introdução ao Yoga". Estranhamente, este texto não tem merecido muita atenção dos membros. Possuo o exemplar da Seção Chilena do SDM, chamado "Introducion al Yoga", que recebi em meados de 1974, quando demonstrei interesse em conhecer as práticas de Yoga do SDM. No folheto, Sri Vajera discute o Gītā Mantra OM NAMO NĀRĀYANĀYA e o estudioso mais atento  logo se dá conta de como Sri Vajera já nos introduz ali, não apenas às três Dhyānas, mas também ao Śuddha Prāṇāyāma, o tema do magistral artigo "O Prāṇāyāma" (veja aqui) de Sri Janardana, o dirigente mundial da instituição até 1966, ano de sua morte. 

O ancestral Yoga apresentado por Krishna tem por objeto de contemplação o sagrado em seus aspectos, respectivamente: (1) imanente e de natureza objetiva, presente em grandes seres como o próprio Krishna (Saguṇa Dhyāna); (2) imanente e de natureza subjetiva, presente em tudo e em todos sob a forma do Espírito Universal, ou Ātman (Nirguṇa Dhyāna) e (3) transcendente, em conformidade com a natureza imanifestada de Brahman (Śuddha Dhyāna), sobre a qual só nos referimos por negações (neti, neti), uma vez que sobre esta natureza nada se pode afirmar.
Sri Vajera
Segundo o "Introdução ao Yoga", o Gītā Mantra OM NAMO NĀRĀYANĀYA, composto de oito sílabas e invocado pelos grandes seres para estabelecer a sintonia com o trabalho dos regentes cósmicos, nos coloca sob a luz e proteção de toda a divina hierarquia. Sri Vajera explica que ao pronunciar a primeira sílaba, OM, devemos imaginar que estamos dentro do Espírito Cósmico, que por sua vez, está dentro e fora de nós, compenetrando o Universo Infinito. NAMO indica rendição e a expressão NĀRĀYANĀYA indica a NĀRĀYANA como o objeto de nossa rendição plena de felicidade  NARA denota "pessoa" e AYANA, "refúgio, proteção". Logo, NĀRA-AYANA refere-se àquele que, em cada plano da existência, representa o próprio ĀTMAN, ou seja, o princípio presente em cada PESSOA. OM NAMO NĀRĀYANĀYA, deste modo, refere-se à atitude mental de entrega4 ao aspecto de ĀTMAN, que representa o Supremo Regente (Īśvara), o refúgio, que reside, tanto internamente a nós mesmos, no coração do nosso SER, como externamente, na pessoa dos distintos  NĀRĀYANAs os quais funcionam como o coração em cada mundo e em cada COSMO. Este mantra expressa, portanto, a Bhagavad Gītā5e sintetiza a totalidade do Śuddha Yoga, simbolizada na rendição do nosso aspecto humano (Arjuna; Nara) ao divino (Krishna; Nārāyaṇa), presente em nós mesmos, em nossos corações. Sua universalidade é evidente, uma vez que encontra representações, ainda que parciais, nas mensagens de todos os grandes líderes religiosos, místicos e filósofos de todos os tempos. Jesus de Nazaré, por exemplo, pedia aos seus discípulos que orassem diariamente, dizendo, "faça-se a tua vontade assim no céu como na terra" e também, "faça-se a tua vontade e não a minha".

A característica dos praticantes de meditação em seus três níveis, conhecidos como Saguṇa Dhyāna, Nirguṇa Dhyāna e Śuddha Dhyāna, é a capacidade de se estabelecer, subjetivamente, no sagrado coração e de lá passar a atuar, objetivamente, de forma generosa, harmônica e sem perder a paz interior. Das profundezas do coração do aspirante passa a jorrar, como de um poderoso gêiser3, a própria essência do Espírito transcendente de Deus. Tal capacidade resulta do esforço de participar da vida em constante e contínuo estado de meditação, ou seja, em estado de atenção plena, de vigília constante e de comunhão com o sagrado. Esta prática de meditação, levada a cabo o dia todo, é o que se designa no puro (Śuddha) Yoga pelos termos técnicos saṃnyāsa (renúncia ao egoísmo) e tyāga (entrega ao sagrado), os quais se traduzem no esforço confiante de aceitação e superação dialética de todas as diferenças e adversidades (tanto no plano individual e privado, como no público e político) que a vida nos apresenta.

Em suma, depreende-se do folheto "Introdução ao Yoga" e do ritual da Prática da Saúde que o mantra OM NAMO NĀRĀYANĀYA, quando realizado de forma consciente, promove o estado de meditação que nos conduz, respectivamente, pela Saguṇa Dhyāna, Nirguṇa Dhyāna e Śuddha Dhyāna – ou seja, nos conduz àquele ancestral e puro Yoga transmitido por Krishna a Arjuna na Bhagavad Gītā, e que vai se revelando progressivamente acessível, em conformidade com a nossa conduta interior e exterior. Daí decorre a importância e o contexto da Prática da Saúde, marca característica do SDM e objeto deste estudo.

N O T A S

(1) Não vamos discutir a importância histórica desta pioneira sistematização que introduziu as práticas de meditação na América Latina (c. 1920). O que cabe destacar é como estas dez lições preliminares preparavam os membros para a esfera da espiritualidade pura (śuddha dharma), que transcende a esfera meramente ritualística e religiosa das instituições estabelecidas e organizadas em torno de instrutores religiosos, templos e igrejas. Organizadas por Sri Vajera, com a devida autoridade e segundo a sua experiência e compreensão pessoal da doutrina Śuddha,  tratam, basicamente,  (1) da entrega e renúncia de si mesmo; e (2) da meditação conforme as três modalidades descritas nos textos do SDM.  A partir da sexta lição, quando Sri Vajera introduz os temas da Nirguṇa e Śuddha Dhyāna fica mais visível a influência de textos e autores de outras escolas, com os quais Sri Vajera demonstra certa familiaridade. Isto explica, por exemplo, o fato de Sri Vajera citar na sexta lição, uma edição da Bhagavad Gītā de 700 versos e 18 capítulos. A primeira edição em espanhol da Bhagavad Gītā do SDM, com 745 versos e 26 capítulos, é de 1970; e a segunda, de 1978.  Antes de 1970, portanto, muito pouco, ou quase nada, se sabia desta Bhagavad Gītā na América Latina.

O acesso ao conteúdo deste curso de dez lições introdutórias não é público. Aqueles que manifestam o desejo sincero de trilhar esta via são convidados a ingressar nestas instituições estabelecidas como "ashramas" independentes e com distintas personalidade jurídicas. Após cumpridos os devidos ritos recebem a primeira lição, que deve ser praticada, diariamente, sem interrupção, por um período não inferior a três meses. Aqueles que assim o fazem, recebem a lição seguinte e assim por diante, até a última. O sistema de dez lições preliminares, instituído por Sri Vajera, contempla os seguintes folhetos:
0. Introdução ao Yoga. Introduz o Gītā Mantra OM NAMO NĀRĀYANĀYA.
1. Primeira Lição.  Introduz a Prática do Prāṇāyāma (Puraka e Rechaka).
2. Segunda Lição. Introduz a Prática do Prāṇāyāma (Puraka, Kumbhaka e Rechaka) com tempos 1/1/1.
3. Terceira Lição. Introduz a Prática do Prāṇāyāma (Puraka, Kumbhaka e Rechaka) com tempos 1/4/1.
4. Quarta Lição. Introduz o Mangala Gāyatrī e o Bhāvana
5. Quinta Lição. Introduz a primeira parte da Saguṇa Dhyāna: Imaginar estar ante a presença de um ser divino.
6. Sexta Lição. Introduz  a segunda parte da Saguṇa Dhyāna: a concentração do pensamento entre as sobrancelhas e aí  contemplar o objeto imaginado. Esta prática ativa o Ajna Chakra, ou seja, possibilita o alinhamento de Manas e Buddhi e o consequente despertar da visão espiritual e outros siddhis. Com este grupo de seis lições, se encerra o Primeiro Grau, que consiste nas práticas conduzentes à Saguṇa Dhyāna.
7. Sétima Lição. Introduz o tema da PRESERVAÇÃO DA SHAKTI.
8. Oitava Lição.  Introduz o olhar teosófico sobre o tema da consciência de corpo e da Nirguṇa Dhyāna, considerada a partir do sétimo chakra e sua relação com a glândula pineal e do corpo pituitário. A glândula pineal representa o devaksha, o olho divino, o qual se desperta segundo o poder da Vontade  Purificada [śraddhā] do discípulo.
9. Nona Lição. Introduz a Nirguṇa Dhyāna a partir do Japa do Yoga Gayatri.
10.  Décima Lição. Introduz a Śuddha Dhyāna.
(2) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.

(3) O esforço para gerar, conscientemente, Amor Universal, que é o núcleo central da vida, libera o poder de Deus, que permanece represado em nossos corações, esperando encontrar essa abertura na consciência para se projetar e se sobrepor à consciência de separatividade.

(4) Imaginemos um garoto que, perseguido por um animal furioso, grita por auxílio.  Quando vê o seu pai, o garoto corre aos seus braços e se entrega à sua proteção. Já não corre, nem se esforça em combater o animal; ele se entrega plenamente à destreza de seu pai e, seguro da sua proteção, sente sua alma cheia de felicidade.

(5) O mantra "OM NAMO NĀRĀYANĀYA" conota os três níveis da ciência da meditação (Saguṇa, Nirguṇa e Śuddha) de que trata a Bhagavad Gitā, onde Arjuna e Krishna representam, respectivamente, o par Nara-Nārāyaṇa, os dois pássaros da metáfora védica, unificados no cisne Haṃsa. Nara designa o ser humano e Nārāyaṇa o Ser Imutável, expressão do sagrado. Ao pronunciar a primeira sílaba, OM, devemos imaginar que estamos dentro do Espírito Cósmico que, por sua vez, está dentro e fora de nós, compenetrando o Universo Infinito. NAMO indica rendição e a expressão NĀRĀYAṆĀYA significa "a Nārāyaṇa", ao Ser Imutável, objeto de nossa contemplação e unificação. 

SUMÁRIO GERAL: A Arte e a Ciência da Meditação segundo a Bhagavad Gītā
Próximo texto: A Meditação Sintrópica (Prática Individual)

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2016
(Atualizado em 14.08.23)

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