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Śraddhā e a unidade essencial das religiões (Interpretação de maio de 2004) |
Este artigo encerra e conclui a serie dedicada à meditação na práxis do cotidiano. Não há um único texto da literatura sagrada que trate, explicitamente, desta classificação quíntupla do ritual de imersão na meditação na ação. A classificação aqui adotada (
Saṃkalpa,
Ṛṣi-nyāsa,
Viniyoga,
Satya Tyāga e Upasthāna) é oriunda da tradição oral do Śuddha Yoga e se funda em uma síntese de diferentes elementos do Yajña, encontrados na literatura védica. Tradicionalmente, os yajñas representam distintos rituais realizados diante do fogo (por exemplo: Agnihotra, Soma Yajna e Aśvamedha), geralmente acompanhados de mantras. Aqui o yajña é entendido, unicamente, como uma preparação interior para a comunhão com o sagrado, onde o fogo é internalizado para representar o fogo do sagrado coração.
Upasthāna, dentro do contexto dos cinco movimentos (angas) conduzentes à meditação na ação, representa o momento em que nos encontramos aptos para dar início ao nosso dia, fazendo de cada minúscula ação uma meditação. Representa a conclusão, o agradecimento final e o momento culminante do processo de conexão espiritual que nos faz instrumentos e representantes da divindade em cada minúscula ação do dia-a-dia.
A meditação, minimalista (saṃnyāsa) e impecável (tyāga), na ação em marcha
De acordo com a Bhagavad Gītā a sabedoria ióguica (prajñā; oriunda de buddhi-yoga) manifesta-se de forma objetiva como a capacidade de agir no mundo com maestria (yoga), ou seja, sintropicamente, em conformidade com a precedência dos anseios superiores (Śreyas) sobre aqueles de origem emocional (Preyas) (BhG 2.49 e 2.50 e BhG 2.58 a 2.67). Daí a importância de se reconhecer e avaliar corretamente, em cada minúsculo movimento da consciência, a fonte dos estímulos e dos motivos que orientam a nossa conduta. Cada trabalho que realizamos, cada pensamento que estimulamos, produz uma impressão mental chamada saṃskāra e é a soma total de tais impressões que chamamos de caráter. Logo, o caráter é obra de cada um. No dizer de Aristóteles, para o bem ou para o mal, o homem se torna aquilo que ele repete repetidas vezes repetidamente. Nascemos em mistério, vivemos em mistério e morremos em mistério (Huston Smith). E, no entanto, semeamos o nosso próprio destino. Semeamos as nossas ações em nossos pensamentos; os hábitos, em nossos atos; o caráter, nos hábitos; e o destino, no caráter (Marion Lawense). Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive (Paul Bourget), afastando-se, portanto, do sagrado que reside no coração. Daí, enfim, o alerta de Lao Tzu em relação à nossa conduta:
1. vigiar os nossos pensamentos, pois estes se tornam palavras;
2. selecionar as nossas palavras, pois estas se convertem em ações;
3. cuidar das nossas ações, pois estas formam hábitos;
4. ficar atentos aos nossos hábitos, pois estes formam o nosso caráter; e
5. zelar pelo nosso caráter, pois ele modula a nossa vida e forma o nosso destino.
“Entrarás no seio da luz, mas jamais tocarás a chama”, ensina, sabiamente, Mabel Collins, em Luz no Caminho. No dizer da novelista esta Imutável Luz da Verdade e da Virtude "governa o mundo e até as folhas tremulando nas árvores”. É a este fulgor do Ser Infinito que Santo Agostinho reconhece como o Verbo, a “Luz do Coração”. Ele representa o termômetro espiritual da faculdade da vontade e a capacidade sintrópica, designada na Bhagavad Gītā1 como śraddhā.
Eu sou a presença da Paz e do Amor em Ação
O poder sintrópico da alma de convergir para a unidade (Brahma-sāmīpya1) relaciona-se com o nosso esforço para renascer a cada novo dia disposto a vivê-lo de forma tão ou mais intensa que o dia anterior. Isto significa que devemos exercitar, constantemente, a renúncia (saṃnyāsa) de tudo que é distinto de nossa natureza essencial e marca-uniforme característica. Devemos renunciar a todo alimento e estímulo, recebido pelos cinco sentidos e pela mente, que se caracterize pela desmedida ou pela violência. Devemos renunciar ao consumo supérfluo de todo e qualquer aparato, tecnológico ou cultural, que esteja gerando impedância, interferência e ruídos em nossas vidas.
Upasthāna: Eu Sou o Fogo Ardente do Coração em Ação
“Haṃsa” simboliza o processo sintrópico de individuação do Ser: onde tudo o que fazemos, fazemos de boa vontade, para agradar a Deus e não aos homens. (São Paulo: Colossenses 3:23). A expressão "Haṃ-sa" [“Eu sou (‘haṃ) o Ātman (sa)”] sintetiza o exercício de consagração (tyāga), de coração, à disciplina de ver em cada minúscula ação uma oportunidade de cultivar uma postura austera (tapas), onde nos sacrifícamos (yajña) e nos doamos (dāna) em nome do ideal de alcançar a unificação com a essência do sagrado de todas as coisas. A busca da perfeição em cada minúscula ação é a mais elevada forma de escuta e contemplação do sagrado. A escuta e o atendimento aos nossos deveres e dons pessoais nos possibilitam contemplar a verdade de que só há duas classes de objetos sagrados: (1) tudo o que respira e (2) tudo o que não respira. A respiração é o alento sagrado, que anima todas as ações, unificando os seres vivos e os seus processos, por meio do ar, da terra, da água, do sol e da capacidade sintrópica de realizar o círculo virtuoso da fotossíntese.
Com esta consciência e compreensão, encerramos estes momentos de reflexão.
Se neste nosso esforço de síntese houver algo de impuro, impróprio, inadequado, ou que seja excessivo, rogamos aos nobres seres do plano divino que nos perdoem.
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