2024-12-31

Śraddhā Sūktam: Um Hino Védico ao Sentimento Sintrópico de Sintonia com a Lei do Equilíbrio Cósmico

"O fogo interior, o ardor do coração (śraddhā), inflama o fogo (agniḥ) da oferenda (juhvati). A oblação (haviḥ) é conduzida (praṇīyate) com fervor (śraddhayā). Deuses (devā) e o anfitrião (yajamānaś) anseiam pela oblação (havyam)." - Śraddhā Sūktam (Ṛg Veda 10.151)

O Śraddhā Sūktam, um hino védico ressoando com a profunda importância do fervor e sentimento de convicção íntima (śraddhā), encontra-se no décimo mandala do Ṛg Veda (10.151), a escritura mais antiga da tradição védica, estimada entre 1500 e 1200 a.C. Este hino, um dos mais antigos a celebrar o conceito de śraddhā, a destaca não como mera crença, mas como uma força motriz, sentimento interior de convicção íntima que permeia todas as ações, impulsionando a realização de oferendas religiosas e a busca por prosperidade espiritual e material. No contexto védico, śraddhā implica uma profunda confiança e convicção na eficácia dos rituais, bem como na verdade da ordem cósmica (Ṛta). É a força que conecta o indivíduo ao sagrado, unindo-o à harmonia do universo. É também o alicerce para alcançar qualquer objetivo, seja material ou espiritual.

2024-12-22

Além de Kant: Integrando Razão e Sentimento na Busca por uma Ética Sintrópica

 
1. Introdução: A Busca por uma Nova Fundamentação da Moralidade

O debate sobre a fundamentação da moralidade e a relação entre razão e sentimento permanece um tema central na filosofia. Immanuel Kant, com seus imperativos categórico e hipotético, ergueu um sistema ético, que buscava a universalidade e a objetividade, aspirando libertar a moralidade de dogmas religiosos e idiossincrasias individuais. A abordagem kantiana, apesar de inovadora, apresenta limitações ao desconsiderar a importância do "sentimento sintrópico", chamado de "śraddhā" em sânscrito, como fundamento da ética.

2024-12-14

Sraddhā e Sintropia: Uma Nova Definição do Ser Humano Além de Aristóteles

O Homem Vitruviano
(L. da Vinci)
A definição clássica de homem como "animal racional", cunhada por Aristóteles, representou um marco na história do pensamento ocidental, enfatizando a capacidade humana de pensar, raciocinar e conhecer. No entanto, essa definição, embora relevante em seu contexto histórico, mostra-se insuficiente para abarcar a complexidade do ser humano e sua relação com o cosmos no século XXI.

2024-11-30

Meditação, Escuta Ativa e Ação Impecável

Ser impecável é transformar a vida inteira em uma meditação. A disciplina do ancestral Śraddhā Yoga, resgatado por Krishna, começa com o atendimento ao chamado do universo, que nos convida ao despertar. De madrugada, devemos nos entregar à escuta (bhāvana namaḥ), à rendição ativa ao sentimento sintrópico (śraddhā), que emana do Ser. É por meio de śraddhā, o fogo e o ardor do coração e o poder de colocar o amor em ação, que forjamos uma vontade altruísta, capaz de revelar o sagrado oculto nos desafios e nas necessidades de cada período do dia. A meditação, assim, não se limita a momentos isolados: ela se estende ao longo de toda a jornada diária, conduzindo-nos à impecabilidade.

2024-11-04

Filosofia Sintrópica, Meditação e a Superação da Crise Civilizatória


A Filosofia Sintrópica apresenta uma resposta original à crise civilizatória contemporânea, integrando princípios do Vedānta, do não-dualismo e da dinâmica entre sintropia e entropia. Cunhado pelo Nobel Albert Szent-Györgyi, o termo sintropia descreve a força que conduz sistemas complexos à ordem e harmonia, contrastando com a entropia, associada à desordem e dissipação de energia. Nesse sentido, a Filosofia Sintrópica enfatiza a experiência de unidade essencial de todas as coisas, alcançada por meio de práticas meditativas e do alinhamento com Ṛta, o princípio védico da ordem cósmica. Esta abordagem, que promove interdependência e equilíbrio, fundamenta a proposta de uma Cultura Sintrópica — uma visão contracultural que contrasta com a fragmentação moderna, oferecendo uma perspectiva restauradora e holística sobre a realidade e o sagrado.

2024-07-24

A Bhagavad Gītā sob a Ótica Sintrópica: 61 Proposições para Integrar Ciência e Espiritualidade


01. Este texto apresenta uma síntese, em sessenta e uma proposições, das conclusões alcançadas ao longo deste livro-blog sobre a interpretação sintrópica da Bhagavad Gītā. Essa abordagem proporciona um novo entendimento da ciência e da sua conexão com a realidade sagrada. Partiremos da filosofia sintrópica, que tem se consolidado nos últimos anos, e exploraremos sua relação com o neo-Vedānta, com ênfase no Viśiṣṭādvaita (não dualismo qualificado), que afirma a realidade inerente do indivíduo e sua conexão com o todo.

02. De acordo com a perspectiva sintrópica, a experiência essencialmente amorosa, que dissolve a ilusão da dualidade e nos oferece a percepção da unidade, só é alcançada através da relação, que fundamenta a própria existência do mundo. "Ser é inter-ser", como afirma o monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh, refletindo a interconexão, expressa como “eu sou porque nós somos”, presente na filosofia africana Ubuntu e na ecologia profunda.

2024-07-10

A Disciplina Sintrópica do Ancestral Śraddhā Yoga


A disciplina do puro (śuddha) Śraddhā Yoga, resgatado por Krishna na Bhagavad Gītā, resume-se ao atendimento do chamado do universo para que cultivemos a energia espiritual em nós (śraddhā).  Despertando de madrugada, reverenciamos e nos entregamos à escuta (bhāvana nama!) desse sentimento sintrópico, que atualiza o nosso  "bom-senso" (com hífen), ou bhāvana. Reconhecendo que não basta apenas conhecer a verdade, mas que é preciso vivenciá-la com fervor, forjamos uma vontade altruísta, capaz de nos revelar a Grande Lei (Ṛta) que se oculta nos desafios e necessidades de cada um dos períodos do dia1.

Ao amanhecer, devemos iniciar o dia com a prática de meditação. Ao longo do dia, devemos reservar alguns instantes para aquietar a mente e contemplar o processo de convergência para o Absoluto (Brahma-sāmīpya). Ao disciplinar a mente, conduzindo-a a este estado de serenidade, possibilitamos que o funcionamento da nossa razão pura e prática se dê em consonância com o fogo ardente do altruísmo natural e biológico. Ao libertar a mente dos dogmas e crenças que ditam leis morais universais, abrimos espaço para a compreensão sintrópica da diversidade ética entre as culturas. Isto nos possibilita agir no mundo e interagir com todos os seres dando precedência a Śreyas (anseios altruístas) sobre Preyas (anseios passionais), de tal modo que a força do espírito possa se revelar na matéria, fazendo de cada uma de nossas ações uma obra de arte. Ao atendermos o convite interior para zelarmos por todas as nossas relações, tornamo-nos guardiões dos ambientes (kṣetra), interiores (dharma-kṣetra) e exteriores (kuru-kṣetra), sob a nossa esfera de influência. E assim, aos poucos, a nossa vida toda vai se transformando em uma profunda meditação.

2024-06-19

O Pacto, a egrégora, a rotina e o ambiente das oficinas de meditação

As oficinas de meditação da disciplina CMT014 atendem a dois propósitos básicos: ilustrar os conteúdos desenvolvidos nas aulas e dar oportunidade para que pesquisadores convidados e outros especialistas em meditação, com reconhecimento na área, apresentem os seus pontos de vista e conduzam uma pequena prática para o grupo. Cada oficina traz o olhar de uma tradição distinta. São previstas 15 oficinas, com frequência semanal. Três encontros são reservados para debates, atividades livres e avaliações.

2024-06-04

O Selo do Dharma: uma perspectiva pessoal e sintrópica, desde Mahākāśyapa e Ānanda até Haṃsa Yogi

Buda e a flor de lótus do Sermão da Flor.
No Carnaval de 2024, uma conversa com o marido da minha sobrinha sobre a Filosofia Sintrópica reacendeu em mim a interpretação de uma antiga história budista. A chave para essa compreensão veio sob a influência do Siddha Haṃsa Yogi e se conectava ao selo do dharma, a transmissão direta da experiência da iluminação, independente de palavras ou escrituras. Bodhidharma, fundador da escola de meditação budista chinesa "Chan" (meditação), expressou essa ideia nos versos:

2024-05-23

Despertando para a Consciência Sintrópica


Quem pensa que o céu é perto,
e nas nuvens quer pegar,
os Anjos ficam sorrindo,
da queda que vai levar!
(Gerônimo Santana)

Quando a realidade externa nos apresenta problemas, temos que entender que ela está nos contemplando com oportunidades de nos voltarmos sobre nós mesmos, para, a partir daí, lidarmos com o externo, que nada mais é que reflexo do interno. Essas ocasiões são sempre um convite para a compreensão ritualística de toda atividade humana, tal como ilustrado na Bhagavad Gītā. Na práxis sintrópica oferecemos como yajña o sacrifício do nosso ego, da nossa natureza inferior. E este yajña vem sempre acompanhado de tapas, ou da postura austera em palavras, pensamentos e atos, e de dāna, ou do exercício de doação de si mesmo, em nome da harmonia e do equilíbrio de toda a realidade. A luz gerada pela práxis sintrópica é capaz de dissipar as trevas que nublam as moradas interiores e exteriores de cada um, auxiliando-nos em nossa jornada.

2024-05-21

A Cremação como um Símbolo Sintrópico de Transcendência e Cura: Reflexões Pessoais e Culturais

A cremação, processo de redução do corpo humano a cinzas através do calor intenso, possui um simbolismo multifacetado que varia entre culturas e religiões. Este artigo explora a cremação sob uma perspectiva sintrópica, enfatizando seu potencial como metáfora para a transformação pessoal, a cura e a busca pelo bem-estar integral, culminando na transcendência do eu individual. A vida deve ser vivida buscando o equilíbrio sintrópico, tal como faz o equilibrista que atravessa o precipício por cima de uma corda esticada: belamente e cuidadosamente. Em um nível pessoal, a cremação tem me feito refletir sobre o equilíbrio e o processo de cura e recuperação da saúde integral do meu corpo.

2024-05-01

A Sinfonia da Alma: Música, Sintropia e a Jornada Humana

Desde os primórdios da humanidade, a música transcende a mera melodia, elevando-se como uma linguagem universal que entrelaça corações e almas. Por meio de notas, acordes e ritmos, ela nos convida a uma jornada profunda de autodescoberta, harmonia e transcendência. Neste ensaio, exploraremos a relação intrincada entre música, sintropia e a jornada humana, utilizando a Bhagavad Gītā como nosso guia sintrópico para desvendar a sinfonia vibrante de nossa existência.

2024-04-14

Primeiro Ser, depois Fazer e, só então, Dizer (08/08)

Ao regressar para se encontrar com o presidente, este o recebeu com cordialidade. Ele o convidou a sentar-se e agora ele pode notar a harmonia e a energia que se irradiava do ambiente. O presidente, então, dirigiu-se a ele querendo saber como estava sendo a sua experiência e o seu aprendizado sobre a gestão sintrópica. Este então manifestou a sua perplexidade com a simplicidade e eficácia do programa, mas disse também que ainda tinha duas dúvidas principais. Quis saber o porquê de um método, aparentemente tão simples, ser tão eficaz.  Ouviu em resposta que era próprio do programa de gestão sintrópica que este fosse nos concedendo as respostas a estas perguntas na exata medida do nosso progresso e aprimoramento, que não tem limites, uma vez que a aproximação às suas verdades se dá de forma assimptótica, segundo a máxima “entrarás no seio da luz, mas jamais tocarás a chama”. Poderia, portanto, apenas partilhar um pouco daquilo que ele mesmo já descobrira. Deixa o jovem à vontade para lhe perguntar o que desejar. E este, então, diz:

Levanta, Sacode a Poeira e Dá a Volta por Cima (07/08)

Na manhã seguinte o jovem seguiu para a sede da matriz, no centro da cidade, onde a gestora o aguardava. Logo no início do encontro teve a oportunidade de fazer a mesma pergunta que fizera aos demais:

“Além das reuniões habituais a senhora mantém contato com o seu superior?”

“Muito pouco”, respondeu. “Exceto, claro, quando faço algo que me faça perder, em parte, a conexão com a egrégora. E isso sempre se manifesta naquilo que realizamos, que deixa de ser feito como deveria."

A Disciplina Interior do Gestor Sintrópico (06/08)

Deixando o escritório daquele segundo gestor o jovem começou a pensar como a consciência sintrópica expressava os sentimentos intuitivos, os quais representavam, em suma, a capacidade que todos podemos desenvolver de perceber as verdades e as soluções para os problemas sob a nossa responsabilidade, antes mesmo que se apresentem as razões para tal. Ele começava a compreender que o nosso sentido interno de identidade individual e coletiva (antaḥkaraṇa) é composto pela nossa mente (manas), pela memória (citta), pelo ego (ahaṅkāra) e pelo sentimento intuitivo (śraddhā), originário do Espírito (Ātman), o gênio da lâmpada do coração, que nos anima a todos. Percebia como o programa  de gestão sintrópica fora concebido para nos tornar mais conscientes e em sintonia com a nossa essência profunda, que nos conecta com todo o universo. O jovem começava a se dar conta sobre como podemos nos tornar eficientes e eficazes, de modo que os gerentes e os seus subordinados desenvolvam esta consciência superior. No dia seguinte, dirigiu-se à sala do terceiro diretor da sua lista. Este era surpreendentemente idoso. Deveria ter, praticamente, o dobro da idade do diretor que visitara no dia anterior e era bem mais velho que o gestor sintrópico que lhe concedera o estágio. Logo ao início da conversa, perguntou ao diretor:

Aprendendo a Liberar o Gênio da Lâmpada: Estabelecendo os Saṃkalpas (05/08)

O jovem foi muito bem recebido pelo primeiro diretor com quem escolhera falar. Este logo lhe confidenciou que raramente conversava com o seu superior, pois já não havia essa necessidade. Fora as reuniões semanais, conversam apenas no início de algum novo projeto, ou quando vão definir alguma nova responsabilidade. É nesta ocasião que são renovados os saṃkalpas e estabelecidos outros, também de natureza sintrópica, em consonância com os novos projetos.

A Gestão Sintrópica (04/08)

Em seu primeiro dia de estágio, o jovem foi chamado à sala do gestor que lhe mostrou o conhecido yantra Haṃsa e disse:

“Conservo este quadro para me lembrar do mantra norteador da práxis sintrópica e fractal do nosso programa: Haṃsa, o mantra que cuida da nossa energia interior e administra o desenvolvimento desta energia em sinergia e sincronicidade com o grupo. Todos os dias este yantra me recorda que devo cuidar e zelar pela egrégora que compõe o nosso ambiente, para estar certo de que estamos oferecendo as condições adequadas, necessárias e suficientes, para todos se sentirem bem e produzirem os melhores resultados.”

O jovem então perguntou:

O Início (03/08)

Era uma vez um jovem executivo que buscava a excelência em tudo o que fazia. Queria tornar-se um guru do ambiente empresarial. A busca o fez interromper por muitos anos a sua carreira e a percorrer os lugares mais distantes e os seus principais centros de pesquisa. Conversou com inúmeros executivos com toda a espécie de formação e background e também com diversos sábios e eruditos de distintas áreas e tradições. Conheceu templos longínquos, na Índia, Tibete e outros países do oriente e também os espaços luxuosos das modernas corporações ocidentais. Começava, aos poucos, a compreender a essência única que se manifestava em todo aquele espectro de estilos de gestão de pessoas, recursos e produtos.

Apresentação do Opúsculo (02/08)

Um Programa de Gestão Sintrópica

E se você e/ou a sua organização focassem na gestão da energia humana, no lugar da gestão do tempo? A energia produtiva de uma pessoa depende da sua força vital e do seu humor.  E o humor influencia não apenas os nossos sentimentos, mas também o sentimento dos demais. Somos como uma bateria, que necessita de condições adequadas para se recarregar e mesmo para estender a sua vida útil. A qualidade da energia das pessoas físicas é a principal fonte de influência da energia das pessoas jurídicas, sendo a responsável pelo seu nascimento e desenvolvimento. Ela atua sobre o ambiente promovendo ou prejudicando o bom desempenho de todas as funções e atividades cotidianas, individuais ou coletivas. 

Opúsculo: um Programa de Gestão Sintrópica (01/08)

Prefácio

Quando deixei o ambiente corporativo, em meados de 1986, queria, basicamente, responder às seguintes perguntas: Como encontrar alternativas sintrópicas capazes de otimizar a qualidade do ambiente corporativo e da sua relação com o meio externo? Como viabilizar  a implementação de condições de trabalho capazes de atender as demandas institucionais? Como escapar do ciclo desenvolvimentista não sustentável, onde os funcionários e servidores, em geral, são treinados para se alienarem da natureza e se adequarem à ambientes inseguros, insalubres, sem perspectivas de realização pessoal? Nascia assim a minha motivação para encontrar uma práxis organizacional sintrópica, fundada no respeito à vida e aos seus ciclos naturais.

2024-04-05

Uma Interpretação Sintrópica da Bhagavad Gītā: Uma Ponte Entre Ciência e Espiritualidade

O conceito de sintropia (tendência em direção à ordem; o contrário da entropia), cunhado por Albert Szent-Györgyi em 1974, assume cada vez mais relevância na busca por pontes entre ciência e espiritualidade. Este ensaio propõe uma interpretação sintrópica da Bhagavad Gītā, revelando uma convergência entre a sabedoria milenar do texto indiano e a ciência moderna. Essa abordagem inovadora se torna possível ao considerarmos a quadriga presente na Bhagavad Gītā, onde se encontram Arjuna e Krishna, como uma representação da metáfora dos dois pássaros, descrita no Ṛg Veda. Essa compreensão permite estabelecer um eixo sintrópico capaz de abarcar a história, a arte e a ciência da meditação, e a gestão de processos, do meio ambiente e das pessoas.