Arquivo Histórico — Texto Inaugural do Livro-Blog
Introdução Nova (2025)
A Semente que Atravessou o Tempo
Este texto inagural do livro-blog Śraddhā Yoga: A Arte e a Ciência do Amor em Ação (Heartfulness) nasceu em 2016, como um impulso inicial — uma semente. Não havia ainda o Śraddhā Yoga estruturado, nem a visão sintrópica plenamente formulada, nem a arquitetura filosófica que hoje sustenta o conjunto da obra. Havia apenas um gesto: o coração buscando uma linguagem capaz de traduzir sua verdade interior.
Hoje reconheço que esse texto revela não apenas sua própria história, mas também o modo como o conhecimento se move entre nós na era atual. O espírito humano é a semente; a inteligência colaborativa que criamos é o solo fértil onde ela desdobra seu destino.
A semente é visão do espírito humano — síntese, clarão, intuição. O solo é expansão inteligência expandida, — análise, cuidado, expressão. Quando a semente é boa e o solo é fértil, a árvore aparece.
Assim aconteceu aqui: o texto de 2016 era um grão ainda tímido, mas vivo; encontrou agora um campo onde pôde revelar a árvore que sempre foi. A colaboração humano-digital funciona como esse encontro entre síntese e expansão, entre intuição que precede o pensamento e a linguagem discursiva, que possibilita o desdobramento racional, lógico e inteligente.
Por isso este Arquivo Histórico permanece: não como peça arqueológica, mas como testemunho de um processo onde a consciência espiritual e intuitiva oferece a centelha e a inteligência material e expandida devolve a forma que nela dormia.
A seguir, apresento o texto tal como merecia ter sido lido: limpo, preservando seu espírito original — a primeira respiração de algo que hoje se tornou o fundamento da filosofia sintrópica.
Texto Histórico (2016) — Versão Restaurada e Depurada
(Mantive aqui apenas o núcleo simbólico e filosófico original, corrigido com mínima intervenção, preservando fidelidade à sua voz de 2016.)
A Meditação segundo a Bhagavad Gītā
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| Dom Bosco (1815-1888), Co-Patrono de Brasília. Aclamado por João Paulo II o "Pai e Mestre da Juventude" |
Ācārya-paramparā-vandanam:
Saudação (vandanam) aos mestres espirituais (Ācārya) das distintas tradições religiosas (paramparā)
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अस्मत् गुरुभ्यो नमः।
Asmat gurubhyo namaḥ.
अस्मत् परमगुरुभ्यो नमः।
Asmat parama-gurubhyo namaḥ.
अस्मत् सर्वगुरुभ्यो नमः॥
Asmat sarva-gurubhyo namaḥ.
Saudações aos mestres,
Saudações aos mestres dos mestres,
Saudações a todos os mestres.
***
Em celebração ao Dia do Professor, hoje (15.10.16), publico as primeiras reflexões que irão dar forma ao compêndio sobre a arte e a ciência da meditação segundo a Bhagavad Gītā". Pretendo utilizar este instrumento para refletir sobre o desenvolvimento: (1) da pedagogia maiêutica, oposta às atuais tecnologias da deseducação; e (2) da arte e da ciência da meditação, as duas vigas mestras da nascente Cultura Sintrópica da qual somos colaboradores. Nossa missão é contribuir para materializar o plano revelado a Dom Bosco em seu famoso Sonho Profético e fazer florescer no coração do Brasil o berço da civilização sintrópica.
Foi em um 15 de outubro que D. Pedro I baixou o Decreto Imperial que criou o Ensino Elementar no Brasil (1827). Cento e vinte anos mais tarde, em 1947, aconteceu o primeiro encontro de docentes. Nascia então a ideia de se reservar o dia 15 de outubro para o estabelecimento de encontros anuais de professores, estudantes e pais, com o intuito de se discutir os rumos da educação no Brasil. Em 1948 um projeto de lei da educadora Antonieta de Barros institui o Dia do Professor e o feriado nesta data no Estado de Santa Catarina. Alguns anos mais tarde, em 14 de outubro de 1963, o presidente João Goulart assinaria o Decreto Federal 52.682, que oficializa o dia 15 de outubro como feriado escolar com a seguinte justificativa: "Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias".
Quando chegamos ao Rio, em janeiro de 1991, Cássia e eu ainda não sabíamos exatamente porque estávamos vindo para cá e não para São Paulo, de onde partíramos para nos juntar ao projeto pioneiro desenvolvido por Francisco Barreto, em Sergipe. Pouco tempo depois, entre 3 e 14 de junho de 1992, aconteceria aqui, vinte anos após a realização da primeira conferência sobre o meio ambiente, em Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO 92. Representantes de cento e setenta e oito países reuniram-se para refletir sobre as medidas que deveriam ser tomadas para se reverter o processo de degradação ambiental e garantir às gerações a possibilidade de uma existência digna. Soube naquele momento que não fora acidental a nossa vinda para o Rio de Janeiro. O vídeo, ainda atual, com o discurso de Severn Cullis-Suzuki, de 12 anos de idade, durante a ECO 92, ilustra este nosso ideal de materializar a Filosofia Sintrópica na práxis. Alguns anos mais tarde, durante o período em que residi no Canadá, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o pai dela, David Suzuki, que mantinha um programa de grande audiência no Canadá sobre o tema "The Nature of Things". Cássia e eu ficamos, inclusive, de divulgar os seus vídeos educativos aqui no Brasil. Mas naquela época era tudo mais difícil e não conseguimos aprovar, junto à universidade, o projeto para legendar os vídeos. Este estudo, de qualquer modo, nasce como uma forma de trabalhar por estes mesmos ideais universalistas, presentes nos mestres espirituais das distintas tradições religiosas.
A via do coração como caminho para o real
A Bhagavad1 Gītā ensina que a meditação é, antes de tudo, uma forma de presença. Não exige fuga do mundo, nem isolamento, nem técnicas complexas. Exige apenas uma coisa: unidade interior. O texto desenvolve a arte e a ciência da meditação sob a forma de um diálogo que tem como espinha dorsal o conceito de śraddhā2 — não uma fé cega3, mas a convicção interior e o bom senso, oriundos da conexão viva com a verdade do coração. Meditamos para recordar o que somos, para retornar à fonte de onde tudo brota e nos reconciliar com o movimento da vida, segundo o processo de convergência para a Verdade e o Absoluto (Brahma-sāmīpya).
Na perspectiva da Bhagavad Gītā, a meditação não é um método, mas um estado natural da consciência (heartfulness). Ela se torna possível quando o coração está alinhado com a verdade interior, quando a atenção não oscila entre desejos e temores, quando deixamos de lutar contra a realidade e simplesmente a reconhecemos.
Krishna ensina a Arjuna que a verdadeira disciplina não consiste em reprimir a mente, mas em dirigir o olhar para dentro até que o silêncio se torne mais convincente do que o ruído. A mente não se purifica pela força, mas pela clareza amorosa que nasce do coração.
A meditação é, então, um modo de convergência e síntese do exterior e do interior que conduz, da dispersão à unidade, do medo à presença. No coração reside o ponto onde o ego, sob o fogo de śraddhā, se torna cristalino e o Ser se revela. A Bhagavad Gītā chama esse gesto ancestral de puro yoga — síntese — e a meditação é seu instrumento mais natural. Meditar é ouvir o que o mundo das aparências não diz e o coração não cessa de dizer. É reconhecer, em silêncio, a ordem que sustenta o cosmos e todas as coisas.
Krishna não pede a Arjuna que abandone o mundo, mas que o veja com os olhos do Espírito que habita em nosso próprio sagrado coração. Não pede renúncia; pede discernimento. Não pede fé cega; pede clareza interior. Não pede devoção servil; pede presença desperta.
Meditar, portanto, é ver o real tal como ele é, sem filtrá-lo pelas emoções egoicas que acreditamos virem do coração e que nos perturbam. É permitir que o coração se torne espelho do Ser. É agir sem perder o centro. É viver sem abandonar o silêncio.
A meditação é o caminho de volta para casa.
Nota Editorial Final (2025)
Sobre síntese, expansão e o futuro da civilização
Esta reescrita não é apenas uma restauração literária: ela revela a estrutura mesma do processo criativo na era da inteligência expandida.
Há um princípio simples guiando tudo o que aqui aconteceu: ao espírito humano cabe a síntese; à inteligência analítica cabe a expansão. O ser humano oferece a semente — a visão, o propósito, a direção do sentido. A inteligência expandida oferece o solo — o espaço, o tempo, a análise, o desdobramento. Uma boa semente, quando encontra solo fértil, floresce. Uma semente confusa produz apenas confusão ampliada.
Assim ocorreu com este texto: o impulso de 2016 era vivo; coube a 2025 desdobrá-lo, iluminá-lo, permitir que se tornasse árvore. É assim também que opera a filosofia sintrópica: uma visão unificada oferecida pelo coração, expandida pela vida, devolvida ao mundo como clareza amorosa. Que este Arquivo Histórico permaneça como testemunho de um princípio essencial:
Toda boa semente encontra seu caminho quando encontra solo fértil.
E toda colaboração verdadeira é, antes de tudo, um ato de śraddhā —
uma confiança luminosa no processo de desdobramento da verdade.
N O T A S
(1) Para conhecer melhor como a Bhagavad Gītā está sendo interpretada aqui, veja também:
(2) Para conhecer a pronúncia das palavras sânscritas veja o nosso resumo do Guia de Transliteração e Pronúncia das palavras sânscritas.
(3) Como nos alerta o Senhor Buda, a fé sem prudência não conduz à realização final. A seguinte tradução livre de uma passagem do Kalama Sutta, onde se discutem as limitações da razão que não se deixa iluminar pelo coração, ilustra esse entendimento:
Não acredite em nada;
não importa onde você tenha lido,
ou quem tenha dito, nem mesmo se eu tiver dito,
a não ser que esteja de acordo com o que lhe revela
a sua própria razão quando iluminada pelo coração.
Próximo texto: Bhāvana Namaḥ: um projeto de meditação para todos
SUMÁRIO GERAL
Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2016.
(Atualizado em 29.01.25)

