2016-10-15

A Meditação segundo a Bhagavad Gītā

Representação alegórica da
Filosofia Sintrópica
Bhagavad1 Gītā2 desenvolve a arte e a ciência da meditação sob a forma de um diálogo que tem como espinha dorsal o conceito de śraddhā – o compassivo sentimento sintrópico, que define a Cultura Sintrópica e a sua práxis e se traduz como o princípio da confiança e da prudência, a bússola interior e a amorosa energia que ilumina a razão em seu processo de convergência para a Verdade e o Absoluto (Brahma-sāmīpya). Śraddhā representa o Princípio da Confiança e da Prudência expresso no cogito cartesiano. Representa a razão esclarecida pelo coração tranquilo e pelo sorriso interior que orientam e aferem a conduta do herói em sua jornada. Denota, portanto, o processo racional e dialético para se alcançar o "estado de testemunha", este entendido como o resultado do encontro com as verdades últimas e o sagrado revelado nas Escrituras, fruto da superação da vontade e da fé exterior.

2016-10-13

O que é a Ação (Karma) no contexto dos Seis Deveres Diários?

Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização suprema.
Os Seis Componentes da Atividade Diária do
Śuddha Yogi
Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização suprema. Tal disciplina, que pressupõe a renúncia (samnyāsa) ao fruto das ações e  o desligamento de todas as coisas que impedem a consagração de si mesmo à manifestação da Vontade Suprema, está representada no paradigmático verso BhG 18.66, que trata da genuína dedicação e entrega (satya tyāga) de si mesmo e, consequentemente, de todas as ações (karma), ao Supremo. Esta entrega ao Supremo tem sido expressa ao longo dos séculos dos mais variados modos pelas distintas religiões e sistemas de filosofia. Um exemplo clássico do hinduísmo é o que ocorre na passagem X.75 do Mānava Dharma Śāstra,  onde se descreve o Ṣaṭkarman – os seis componentes da atividade diária do discípulo:

अध्यापनमध्ययनं यजनं याजनं तथा।
दानं प्रतिग्रहश्चैव षटूकर्माण्यग्रजन्मनः॥
adhyāpanam/adhyayanaṁ yajanaṁ yājanaṁ tathā.
dānaṁ pratigrahaś/caiva ṣaṭūkarmāṇyagrajanmanaḥ.
(1) Estudo e (2) ensino; (3) realização de sacrifícios e
(4) condução de rituais; e a (5) realização e
(6) aceitação de doações são as seis principais atribuições das pessoas
de nascimento brâhmane.  (Mānava Dharma Śāstra X.75)

Satya Tyāga: a arte de despertar para a consciência sintrópica

Na prática do Bhāvana procura-se externar o sentimento de unidade (Tudo é manifestação de Brahman) que decorre da meditação e se aperfeiçoa com ela.  O Bhāvana representa, portanto, o reconhecimento da presença, em todas as coisas, da Essência do Sagrado.
Esquema da ordenação do pensamento (cintā)
Satya Tyāga representa, tanto a renúncia (samnyāsa) de todas as coisas que impedem a consagração (tyāga) de si mesmo à Vontade Suprema, como a dedicação plena às verdades (satya) experimentadas nesta relação de aproximação à Consciência Sintrópica Universal.

Conforme exposto no puro e ancestral Śraddhā Yoga de que trata a Bhagavad Gītā1, devemos nos consagrar (tyāga), de coração, ao exercício de ver em cada minúscula ação uma oportunidade de disciplina interior (tapas), sacrifício (yajña), e doação (dāna) de si mesmo. Este puro yoga, que quita as três dívidas espirituais (débito com a esfera das deidades das quais herdamos a nossa própria identidade espiritual; débito com os sacerdotes, gurus, sábios e santos que nos deixaram como herança cultural o conhecimento espiritual; e débito com os nossos ancestrais, que possibilitaram o nosso nascimento neste mundo), funda-se nas cinco formas do pensamento sintrópico, derivadas de śraddhā (a bússola do processo de meditação): Saṃkalpa, Ṛṣi-nyāsa, Viniyoga, Satya Tyāga e Upasthāna. Esta base quíntupla de śraddhā, que expressa os cinco pilares do dharma, orienta a disciplina quíntupla do pensamento  (cintā; pronuncia-se “tchintaa”):

2016-10-08

Prefácio: Uma obra em constante evolução ("A perennial work in progress")

O Sublime Canto do Senhor sobre Śraddhā Yoga e a Arte e a Ciência Sintrópica da Meditação
(ŚRADDHĀ-YOGA DHYĀNA-BINDU ŚRĪMAD BHAGAVAD-GĪTĀ)

Śrī Kṛṣṇa Dvaipāyana Veda Vyāsa, compilador do Mahābhārata.
Natural de uma ilha do rio Yamuna, em Kalpi, é neto do
Rishi Vashistha e filho do asceta Parashara e Satyavati.

Em memória de todos os ancestrais da família.
Em memória de meu avô materno, Edison Barretto.
Em memória de minha avó paterna, Angelina Medicci.
Ele ensina aos filhos o amor às coisas do espírito.
Ela, a coragem para recomeçar no novo mundo.

Aos filhos que refletem sobre a obra dos pais.
Aos que não julgam, mas apenas mudam.
Aos que não mudam, mas apenas são.

E aos que sabem deixar de ser.
Enfim, a todos deste jardim,
Embaixo e acima dos
Edens da ilusão.
(10.12.2003)


***
Dedico este trabalho, com amor e  reverência,
a todos os grandes mestres da humanidade,
em especial, aos Gurudevas
Śrī Kṛṣṇa Dvaipāyana Veda Vyāsa, 
compilador do Mahābhārata, e
Śrī Haṁsa Yogi, o seu mais misterioso
e enigmático comentador.

Mentalizo em meu coração a imagem
de puro resplendor dos pés de lótus dos Mestres
 e me curvo, invocando a sua orientação para cruzar o 
oceano da ilusão e alcançar a intuição da verdade.

***
OM, Saudações aos Grandes Sábios e Santos.
Que haja bem estar em todos os mundos e planos.

औं नमः श्रीपरमर्षिभ्यो योगिभ्यः।
auṁ namaḥ śrī-parama-rṣibhyo yogibhyaḥ.
शुभमस्तु सर्वजगताम्॥
śubhamastu sarva-jagatām.

Saudações aos gurus,
Saudações aos gurus dos gurus,
Saudações a todos os gurus.

अस्मत् गुरुभ्यो नमः।
Asmat gurubhyo namaḥ.
अस्मत् परमगुरुभ्यो नमः।
Asmat parama-gurubhyo namaḥ.
अस्मत् सर्वगुरुभ्यो नमः॥
Asmat sarva-gurubhyo namaḥ.

OM     HRIM     ŚRIM     KLIM     AIM     SAUḤ
(OM ŚRĪ) YOGA DEVYAI NAMAḤ


OM TAT SAT
NAMASTÊ

***

2016-10-03

Ensaio Autobiográfico

Este Diário é a bússola anti-psicanalítica de que me valho para alcançar o porto seguro do Ser.
Ashram Ātma
Até onde consigo me recordar, foi em 1972, após completar quinze anos de idade, que despertei para a espiritualidade pura e os valores do sagrado coração. Nesse ano, se não me falha a memória, assisti Siddhartha e, em seguida, li o livro homônimo de Hermann Hesse, que deu origem ao filme. A partir de Hermann Hesse, descobri Krishnamurti, Vivekananda e vários outros expoentes da Teosofia e do neo-Vedanta então em voga. Foi, contudo, por intermédio do meu falecido tio Sérgio Barretto, que vim a conhecer as práticas de meditação. Costumava passar as férias escolares em Ribeirão Preto e gostava de conversar sobre espiritualidade com ele. Percebendo o meu interesse crescente no assunto, ele logo me indicou o antigo Ashram Sarva Mangalam, dirigido pela Marinês Peçanha de Figueiredo e que funcionava em um casarão, na esquina da rua Aurélia com as ruas Heitor Penteado e Cerro Corá, no bairro da Pompéia, em São Paulo. Ali conheci o saudoso Sri Vajera, que estava de passagem pelo Brasil. Algumas semanas depois, mais precisamente em 25 de agosto de 1974, fui iniciado por ele no Śuddha Rāja Yoga. A partir desta data as práticas de meditação passaram a ocupar um lugar central em minha vida pessoal e acadêmica. É desta simbiose entre a teoria, entendida em seu sentido original, e a experiência pessoal com as práticas de meditação que pretendo tratar, brevemente, nas linhas que se seguem. O entendimento mais superficial e raso e que persiste até hoje, opondo de forma radical a teoria e a práxis, surge apenas com ​a filosofia do hilemorfismo,​ proposta por Aristóteles, segundo a qual todas as coisas ​seriam compostas, exclusivamente, de matéria (hyle) e forma (morphe)​.​ ​Para Aristóteles, a teoria representa a busca de conhecimento por mero prazer e deleite pessoal, enquanto a práxis envolve a aplicação dos conhecimentos teóricos em consonância com uma conduta moral e ética. A teoria estaria restrita ao domínio da forma; e a práxis, ao domínio da vida material. Originalmente, contudo, o termo grego "theoria" já denotava ​a ​contemplação ​amorosa ​e desapaixonada, acessível, unicamente, àqueles capazes de subjugar as suas emoções e desejos, de modo que o intelecto pudesse funcionar, na práxis, sob a luz do Espírito. 

Upasthāna: a via de síntese do puro Yoga

Śraddhā e a unidade essencial das religiões
(Interpretação de maio de 2004)
Este artigo encerra e conclui a serie dedicada à meditação na práxis do cotidiano. Não há um único texto da literatura sagrada que trate, explicitamente, desta classificação quíntupla do ritual de imersão na meditação na ação. A classificação aqui adotada (Saṃkalpa, Ṛṣi-nyāsa, Viniyoga, Satya Tyāga e Upasthāna) é oriunda da tradição oral  do Śuddha Yoga e se funda em uma síntese de diferentes elementos do Yajña, encontrados na literatura védica. Tradicionalmente, os yajñas representam distintos rituais realizados diante do fogo (por exemplo: Agnihotra, Soma Yajna e Aśvamedha), geralmente acompanhados de mantras. Aqui o yajña é entendido, unicamente, como uma preparação interior para a comunhão com o sagrado, onde o fogo é internalizado para representar o fogo do sagrado coração. 

Upasthāna, dentro do contexto dos cinco movimentos (angas) conduzentes à meditação na ação, representa o momento em que nos encontramos aptos para dar início ao nosso dia, fazendo de cada minúscula ação uma meditação. Representa a conclusão, o agradecimento final e o momento culminante do processo de conexão espiritual que nos faz instrumentos e representantes da divindade em cada minúscula ação do dia-a-dia.

2016-10-02

Itihāsa: a mentoria segundo o cânone

A práxis sintrópica da filosofia do coração, revelada  na Bhagavad Gītā1, episódio central do Mahābhārata2, é discutida ao longo deste livro-blog a partir das experiências do autor. A cultura sintrópica não é algo que se transmite de forma passiva. Pelo contrário, é algo que se aprende de forma ativa quando se está disposto a ser o protagonista, na práxis, do seu próprio aprendizado. A maestria é antes uma habilidade prática que um conhecimento teórico. E o caminho para a maestria é feito de pequenos, mas constantes, passos. É deste entendimento que se segue a licença poética para utilizar o termo "Itihāsa" com o sentido de mentoria. "Itihāsa" indica, neste caso, o processo prático que objetiva emancipar o mentorado do seu mentor por meio da cultura sintrópica do Śuddha Yoga, que se funda na arte e na ciência da meditação, expostas por Krishna na Bhagavad Gītā. 

A marca característica fundamental e distintiva dos Itihāsas (iti-ha-āsa: literalmente, "assim, de fato, se deu") é o fato destas narrativas de caráter histórico mitológico representarem relatos testemunhados diretamente pelo autor, presente na trama como personagem. Itihāsa representa um estilo de narrativa em versos, de certa forma, semelhante ao Os Lusíadas, de Camões. Neste grande poema épico (8.816 versos simples) sobre o povo Luso, Camões narra a viagem às Índias, por "mares nunca dantes navegados", dos argonautas portugueses liderados por Vasco da Gama, mesclando elementos de história, religião e mitologia.  Para a Igreja, o poema serve-se da mitologia e do "politeísmo" dos indianos, unicamente, com o intuito de manter as verdades da santa fé. Daí ela entender Os Lusíadas como um instrumento da fé cristã e do seu ideal evangelizador. Contudo, é inegável que a narrativa poética de Camões acrescenta ao espírito católico o sentido histórico mitológico do ecletismo religioso, presente na cultura grega e também nos Itihāsas indianos – compostos, fundamentalmente, pelo Rāmāyaṇa (24.000 versos duplos) e pelo Mahābhārata (100.000 versos duplos).

2016-10-01

O que é Sākṣī?

“Há dois pássaros, dois bons amigos, que habitam a mesma árvore do Ser.
Um se alimenta dos frutos desta árvore; o outro apenas observa em silêncio.”
(Ṛigveda 1.164.20 e Muṇḍaka Upaniṣad 3.3.1)
Sākṣī (sa, “com”; e akṣa, “centro da roda, olho”) significa, “observador”, “testemunha”. Quando a roda gira, seu centro (aka) permanece imóvel. O estado de Testemunha, Sākṣī (pronuncia-se "sá-kshí"), expressa a capacidade de observar e sentir, impassivelmente, os eventos que fazem o mundo girar.