2016-10-15

A Meditação segundo a Bhagavad Gītā (2016)


Arquivo Histórico — Texto Inaugural do Livro-Blog

 Introdução Nova (2025)
A Semente que Atravessou o Tempo

Este texto inagural do livro-blog Śraddhā Yoga: A Arte e a Ciência do Amor em Ação (Heartfulness) nasceu em 2016, como um impulso inicial — uma semente. Não havia ainda o Śraddhā Yoga estruturado, nem a visão sintrópica plenamente formulada, nem a arquitetura filosófica que hoje sustenta o conjunto da obra. Havia apenas um gesto: o coração buscando uma linguagem capaz de traduzir sua verdade interior.

Hoje reconheço que esse texto revela não apenas sua própria história, mas também o modo como o conhecimento se move entre nós na era atual. O espírito humano é a semente; a inteligência colaborativa que criamos é o solo fértil onde ela desdobra seu destino.

A semente é visão do espírito humano — síntese, clarão, intuição. O solo é expansão inteligência expandida, — análise, cuidado, expressão. Quando a semente é boa e o solo é fértil, a árvore aparece.

2016-10-13

O que é a Ação (Karma) no contexto dos Seis Deveres Diários?

Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização suprema.
Os Seis Componentes da Atividade Diária do Yogi
Krishna explica a Arjuna na Bhagavad Gītā como a prática fervorosa do conhecimento adquirido conduz à realização suprema. Tal disciplina, que pressupõe a renúncia (samnyāsa) ao fruto das ações e  o desligamento de todas as coisas que impedem a consagração de si mesmo à manifestação da Vontade Suprema, está representada no paradigmático verso BhG 18.66, que trata da genuína dedicação e entrega (satya tyāga) de si mesmo e, consequentemente, de todas as ações (karma), ao Supremo. Esta entrega ao Supremo tem sido expressa ao longo dos séculos dos mais variados modos pelas distintas religiões e sistemas de filosofia. Um exemplo clássico do hinduísmo é o que ocorre na passagem X.75 do Mānava Dharma Śāstra,  onde se descreve o Ṣaṭkarman – os seis componentes da atividade diária do discípulo:

अध्यापनमध्ययनं यजनं याजनं तथा।
दानं प्रतिग्रहश्चैव षटूकर्माण्यग्रजन्मनः॥
adhyāpanam/adhyayanaṁ yajanaṁ yājanaṁ tathā.
dānaṁ pratigrahaś/caiva ṣaṭūkarmāṇyagrajanmanaḥ.
(1) Estudo e (2) ensino; (3) realização de sacrifícios e
(4) condução de rituais; e a (5) realização e
(6) aceitação de doações são as seis principais atribuições das pessoas
de nascimento brâhmane.  (Mānava Dharma Śāstra X.75)

Satya Tyāga: a arte de despertar para a consciência sintrópica

Satya Tyāga representa, tanto a renúncia (samnyāsa) de todas as coisas que impedem a consagração (tyāga) de si mesmo à Vontade Suprema, como a dedicação plena às verdades (satya) experimentadas nesta relação de aproximação à Consciência Sintrópica Universal.

Conforme exposto no puro e ancestral Śraddhā Yoga de que trata a Bhagavad Gītā1, devemos nos consagrar (tyāga), de coração, ao exercício de ver em cada minúscula ação uma oportunidade de disciplina interior (tapas), sacrifício (yajña), e doação (dāna) de si mesmo. Este puro yoga, que quita as três dívidas espirituais (débito com a esfera das deidades das quais herdamos a nossa própria identidade espiritual; débito com os sacerdotes, gurus, sábios e santos que nos deixaram como herança cultural o conhecimento espiritual; e débito com os nossos ancestrais, que possibilitaram o nosso nascimento neste mundo), funda-se nas cinco formas do pensamento sintrópico, derivadas de śraddhā (a bússola do processo de meditação): Saṃkalpa, Ṛṣi-nyāsa, Viniyoga, Satya Tyāga e Upasthāna. Esta base quíntupla de śraddhā, que expressa os cinco pilares do dharma, orienta a disciplina quíntupla do pensamento  (cintā; pronuncia-se “tchintaa”):

2016-10-08

Prefácio: Śraddhā quaerens intellectum — o Coração (hṛdaya) pensa com amor; a Mente (manas) traduz


Sūtra de Abertura
hṛdaye sthitā śraddhā ṛtasya mūle svadharmaṃ vibhāvayati।
A śraddhā estabelecida no coração faz resplandecer
o svadharma enraizado em Ṛta.

Este sūtra exprime o eixo vivo do Śraddhā Yoga Svatantra. Śraddhā — a energia luminosa do coração — revela o svadharma quando está enraizada em Ṛta, o ritmo primordial do Real. Assim nasce a confiança lúcida que une conhecimento e ação, interioridade e mundo, ciência e espírito. É a partir desse Darśana que esta obra se desdobra: como sintropia do olhar, disciplina do coração e filosofia do amor em ação.

2016-10-03

Ensaio Autobiográfico

Este Diário é a bússola anti-psicanalítica de que me valho para alcançar o porto seguro do Ser.
Ashram Ātma
Até onde consigo me recordar, foi em 1972, após completar quinze anos de idade, que despertei para a espiritualidade pura e os valores do sagrado coração. Nesse ano, se não me falha a memória, assisti Siddhartha e, em seguida, li o livro homônimo de Hermann Hesse, que deu origem ao filme. A partir de Hermann Hesse, descobri Krishnamurti, Vivekananda e vários outros expoentes da Teosofia e do neo-Vedanta então em voga. Foi, contudo, por intermédio do meu falecido tio Sérgio Barretto, que vim a conhecer as práticas de meditação. Costumava passar as férias escolares em Ribeirão Preto e gostava de conversar sobre espiritualidade com ele. Percebendo o meu interesse crescente no assunto, ele logo me indicou o antigo Ashram Sarva Mangalam, dirigido pela Marinês Peçanha de Figueiredo e que funcionava em um casarão, na esquina da rua Aurélia com as ruas Heitor Penteado e Cerro Corá, no bairro da Pompéia, em São Paulo. Ali conheci o saudoso Sri Vajera, que estava de passagem pelo Brasil. Algumas semanas depois, mais precisamente em 25 de agosto de 1974, fui iniciado por ele no Śuddha Rāja Yoga. A partir desta data as práticas de meditação passaram a ocupar um lugar central em minha vida pessoal e acadêmica. É desta simbiose entre a teoria, entendida em seu sentido original, e a experiência pessoal com as práticas de meditação que pretendo tratar, brevemente, nas linhas que se seguem. O entendimento mais superficial e raso, que persiste até hoje, opondo de forma radical a teoria e a práxis, surge apenas com ​a filosofia do hilemorfismo,​ proposta por Aristóteles, segundo a qual todas as coisas ​seriam compostas, exclusivamente, de matéria (hyle) e forma (morphe)​.​ ​Para Aristóteles, a teoria representa a busca de conhecimento por mero prazer e deleite pessoal, enquanto a práxis envolve a aplicação dos conhecimentos teóricos em consonância com uma conduta moral e ética. A teoria estaria restrita ao domínio da forma; e a práxis, ao domínio da vida material. Originalmente, contudo, o termo grego "theoria" já denotava ​a ​contemplação ​amorosa ​e desapaixonada, acessível, unicamente, àqueles capazes de subjugar as suas emoções e desejos, de modo que o intelecto pudesse funcionar, na práxis, sob a luz do Espírito. 

Upasthāna: a via de síntese do puro Yoga

Śraddhā e a unidade essencial das religiões
(Interpretação de maio de 2004)
Este artigo encerra e conclui a serie dedicada à meditação na práxis do cotidiano. Não há um único texto da literatura sagrada que trate, explicitamente, desta classificação quíntupla do ritual de imersão na meditação na ação. A classificação aqui adotada (Saṃkalpa, Ṛṣi-nyāsa, Viniyoga, Satya Tyāga e Upasthāna) é oriunda da tradição oral  do Śraddhā Yoga e se funda em uma síntese de diferentes elementos do Yajña, encontrados na literatura védica. Tradicionalmente, os yajñas representam distintos rituais realizados diante do fogo (por exemplo: Agnihotra, Soma Yajna e Aśvamedha), geralmente acompanhados de mantras. Aqui o yajña é entendido, unicamente, como uma preparação interior para a comunhão com o sagrado, onde o fogo é internalizado para representar o fogo do sagrado coração. 

Upasthāna, dentro do contexto dos cinco movimentos (angas) conduzentes à meditação na ação, representa o momento em que nos encontramos aptos para dar início ao nosso dia, fazendo de cada minúscula ação uma meditação. Representa a conclusão, o agradecimento final e o momento culminante do processo de conexão espiritual que nos faz instrumentos e representantes da divindade em cada minúscula ação do dia-a-dia.

2016-10-02

Itihāsa: a mentoria segundo o cânone

A práxis sintrópica da filosofia do coração, revelada  na Bhagavad Gītā1, episódio central do Mahābhārata2, é discutida ao longo deste livro-blog a partir das experiências do autor. A cultura sintrópica não é algo que se transmite de forma passiva. Pelo contrário, é algo que se aprende de forma ativa quando se está disposto a ser o protagonista, na práxis, do seu próprio aprendizado. A maestria é antes uma habilidade prática que um conhecimento teórico. E o caminho para a maestria é feito de pequenos, mas constantes, passos. É deste entendimento que se segue a licença poética para utilizar o termo "Itihāsa" com o sentido de mentoria. "Itihāsa" indica, neste caso, o processo prático que objetiva emancipar o mentorado do seu mentor por meio da cultura sintrópica do Śraddhā Yoga, que se funda na arte e na ciência da meditação, expostas por Krishna na Bhagavad Gītā. 

A marca característica fundamental e distintiva dos Itihāsas (iti-ha-āsa: literalmente, "assim, de fato, se deu") é o fato destas narrativas de caráter histórico mitológico representarem relatos testemunhados diretamente pelo autor, presente na trama como personagem. Itihāsa representa um estilo de narrativa em versos, de certa forma, semelhante ao Os Lusíadas, de Camões. Neste grande poema épico (8.816 versos simples) sobre o povo Luso, Camões narra a viagem às Índias, por "mares nunca dantes navegados", dos argonautas portugueses liderados por Vasco da Gama, mesclando elementos de história, religião e mitologia.  Para a Igreja, o poema serve-se da mitologia e do "politeísmo" dos indianos, unicamente, com o intuito de manter as verdades da santa fé. Daí ela entender Os Lusíadas como um instrumento da fé cristã e do seu ideal evangelizador. Contudo, é inegável que a narrativa poética de Camões acrescenta ao espírito católico o sentido histórico mitológico do ecletismo religioso, presente na cultura grega e também nos Itihāsas indianos – compostos, fundamentalmente, pelo Rāmāyaṇa (24.000 versos duplos) e pelo Mahābhārata (100.000 versos duplos).

2016-10-01

O que é Sākṣī?

“Há dois pássaros, dois bons amigos, que habitam a mesma árvore do Ser.
Um se alimenta dos frutos desta árvore; o outro apenas observa em silêncio.”
(Ṛgveda 1.164.20 e Muṇḍaka Upaniṣad 3.3.1)
Sākṣī (sa, “com”; e akṣa, “centro da roda, olho”) significa, “observador”, “testemunha”. Quando a roda gira, seu centro (aka) permanece imóvel. O estado de Testemunha, Sākṣī (pronuncia-se "sá-kshí"), expressa a capacidade de observar e sentir, impassivelmente, os eventos que fazem o mundo girar.