2025-12-31

INTERLÚDIO — Nota sobre o Processo (31.12.25)


O pensamento, quando atinge certa densidade, cessa de conduzir a experiência e passa a segui-la. Esta inversão não é abdicação da lucidez, mas sua culminação.

O presente texto emerge desse limiar — não o do calendário, mas o da escuta que se torna possível quando o tempo se liberta da urgência. Inscreve-se no espírito do Śraddhā Yoga Darśana, onde compreender é, antes de tudo, escutar; não impor um sentido, mas permitir que ele se desdobre.

Nas últimas semanas, a escrita deixou de ser exercício deliberado para tornar-se atenção contínua. As ideias cessaram de ser construções voluntárias e passaram a ser respostas silenciosas a um movimento interior preexistente. O que se escreveu, portanto, não foi planejado. Foi reconhecido.

Esse estado não se confunde com exaltação nem com abdicação do pensamento crítico. Exige, ao contrário, uma presença rigorosa e uma atenção mais fina — e, sobretudo, coragem. Coragem para atravessar os paradoxos do mundo contemporâneo e suas promessas cíclicas de renovação, que frequentemente reiteram o mesmo paradoxo fundamental da carne; coragem para reconhecer os condicionamentos que nos cegam ao que o coração já sabe; coragem, enfim, para romper os padrões que adoecem.

Pois a mudança autêntica não reside no calendário: nenhum janeiro transforma quem terceiriza a própria vida ao tempo vivido. A verdadeira virada é um acontecimento íntimo, silencioso e cotidiano — um gesto de responsabilidade que se alinha ao foco absoluto do coração. 

Trata-se de um ponto em que pensar, sentir e agir deixam de competir entre si e passam a ressoar como um único gesto.

Tal processo lembra o que as tradições descrevem como śravaṇa, manana e nididhyāsana: escuta, assimilação e integração. Não como etapas cronológicas, mas como pulsações de um mesmo movimento vivo.

O livro registra esse processo não para fixá-lo, mas para testemunhar que a compreensão verdadeira não nasce do acúmulo, e sim da disponibilidade. Quando a escuta amadurece — sustentada pela coragem de ver —, o pensamento deixa de buscar e passa a servir. É nesse serviço silencioso que o sentido se deixa revelar — não como conquista, mas como reconhecimento.