Na fenomenologia upaniṣádica, o silêncio emerge não da cessação discursiva, mas da plenitude ontológica que transcende sujeito-objeto. Ali, prāṇa revela-se medium primordial: respiração como articulação linguística do Ser, interseção jīva-Brahman.
Essa intuição yóguica reconhece o sopro como vibração cósmica pré-verbal — nāda, ressonância não-manifesta da Maitrī Upaniṣad (6.22), percebida como anāhata nāda na quietude. Yoga Sūtra (1.27-28) corrobora: contemplação do Praṇava AUṂ/OṂ dissolve distrações, revelando unidade.
No Hṛdaya-Guhā da Kaṭha Upaniṣad (1.2.20), morada do Ātman —, vibração transmuta em auto-conhecimento. BhG 18.61 afirma: īśvaraḥ sarva-bhūtānāṃ hṛd-deśe tiṣṭhati, convergência universal-particular mediada pelo sopro.
O Sopro que Diz “Eu Sou”
No Advaita de Śaṅkara, so’ham (“Eu sou Ele”) é ajapā-japa respiratória: “so” (Brahman) na inspiração; “ham” (ātman) na expiração — espelho de tat tvam asi (Chāndogya 6.8.7). Ontológico, dissipador de avidyā, testemunha a não-dualidade inerente: o que inspira-expira é uno.
O Sopro que Retorna
Nas vias tântricas do Śraddhā Yoga (BhG 18.66), haṃsa inverte: “ham” (jīva) inspira; “sa” (Absoluto) expira — ênfase no corpo como deva-ālaya. Prāṇa-śakti ascende suṣumnā (Haṭha Yoga Pradīpikā), nāda-anusandhāna (Vijñāna Bhairava) transfigura multiplicidade em unidade śivaica.
O Coração como Eixo Silencioso
So’ham e haṃsa convergem no hṛdaya: polaridade complementar resolvida em presença estática (BhG 15.15). Prāṇa aquietado revela os nāḍī como cit-patha, hṛdaya como svaprakāśa — escuta única do Ser que respira a si mesmo.
O Sopro que Liberta
BhG 8.10-13 aponta o limiar: recolher prāṇa no hṛdaya, OṂ como Brahman — nāda-yoga onde ouvinte, ouvido e som coincidem. Meditação torna-se ontologia vivida: entrega que desvela o Ser.
Epílogo — O Sopro que Sempre Foi
Respirar recorda a origem imperecível. Haṃsa… So’ham… Verdade espontânea do sopro. O transitório passa; o auto-luminoso permanece.
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Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2025.
