2025-09-27

Ṛṣi-nyāsa: a bússola discreta da retomada na Bhagavad-Gītā (I)


Da agitação mental ao foco absoluto do coração

Nota editorial: este texto estabelece um diálogo íntimo com uma voz anterior, que em alguns momentos do quinto capítulo chamei de “sorriso interior”. Naqueles textos repousam as sementes, as bandas dos três guṇas; aqui, apresento uma floração circunstancial dessa jornada que devemos empreender, caminhando lado a lado com a herança de nossa própria tradição.

Antes de seguir, é importante esclarecer o uso metafórico da palavra “quântico” neste texto. Emprego-a para indicar a discretização da experiência em patamares ou degraus reconhecíveis, especialmente no que concerne à predominância dos guṇas (sāttvika, rājasa e tāmasa). Essa linguagem não pretende descrever fenômenos da física quântica, mas usar a metáfora para iluminar as nuances da dinâmica espiritual que exploramos aqui.

“samatvaṃ yoga ucyate.” 
Yoga é imparciabilidade amorosa.
(BhG 2.48)

“yogaḥ karmasu kauśalam.” (BhG 2.50)
Yoga é maestria sobre as ações.

"śraddhā kṣaye viniyogo ’pi muhyati;
ṛṣi nyāsaḥ tu prajñām ālokayati."
Quando śraddhā declina, até o viniyoga se confunde;
ṛṣi-nyāsa, porém, ilumina a inteligência do coração.
(Śraddhā Yoga Svatantra)

2025-09-13

Śraddhā e Kāma: A Regência da Shakti nos Cinco Corpos Sutis e nos Chakras

Uma Análise do Sagrado Feminino e da Energia Shakti à Luz da 
Bhagavad Gītā, Yoga Sūtras, Anu Gītā e Kāma Sūtra

Nota editorial de grafia
: neste artigo, optamos por shakti e chakras (grafias correntes em português), mantendo os demais termos sânscritos em IAST (ex.: kośa, kuṇḍalinī, suṣumṇā nāḍī, Ājñā, Anāhata, Ṛta). Adotamos Krishna (grafia consagrada) em vez de Kṛṣṇa.

INTRODUÇÃO 
A Alquimia do Desejo Sagrado e o Falso Dilema entre o Lótus e o Corpo

No coração da experiência humana, pulsa um antigo e persistente paradoxo: a aparente cisão entre o caminho da transcendência e o abraçar da nossa natureza imanente. De um lado, o lótus do espírito, símbolo da pureza, da renúncia e da busca ascética por uma realidade para além do véu da matéria. Do outro, o corpo, o domínio do desejo, da paixão e dos impulsos naturais que nos ancoram firmemente à terra e à nossa biologia. Esta dicotomia legou-nos um legado de conflito interior, pintando a espiritualidade como uma negação do corpo e o desejo como um obstáculo à iluminação. O Śraddhā Yoga, no entanto, questiona se esta separação é uma verdade fundamental da existência ou, talvez, a mais profunda e trágica das incompreensões sobre a força que nos anima: a energia primordial que a tradição védica chama de Shakti.

2025-09-11

O Śraddhā Yoga como Cultura Sintrópica

No vasto universo da espiritualidade indiana, o Yoga se revela não como uma tradição monolítica, mas como um delta fértil alimentado por ao menos duas grandes correntes ancestrais. De um lado, flui a corrente védica, cuja busca pela transcendência culmina na filosofia vedānta, nos Yoga Sūtras de Patañjali e na Bhagavad Gītā. Do outro, corre a corrente tântrica, cujas raízes pré-védicas talvez remontem às civilizações do Vale do Indo, e que floresce no Hatha Yoga e no complexo sistema de chakras, vendo o corpo não como uma prisão, mas como um microcosmo do universo sagrado. Embora a Bhagavad Gītā pertença inequivocamente à linhagem védica, ela representa um ponto de síntese tão revolucionário que seu ensinamento transcende as escolas, podendo ser compreendido em sua essência como Śraddhā Yoga — a arte de fazer do amor um ato cognitivo e a chave da ciência da meditação (heartfulness).

2025-09-05

O Coração que Pensa: Do Hardware Cerebral à Nuvem Cósmica

Um Ensaio sobre Sintropia, Consciência, Yoga e a Lógica Orgânica do Real

Introdução: Duas Imagens, Dois Paradigmas

Comecemos por uma imagem conhecida: o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci. Esta figura representa o paradigma ocidental fundamental, que enxerga o indivíduo como uma entidade isolada, anatômica e mestra de um universo mensurável. Nela reside a aposta metafísica do ideal renascentista que herdamos: o indivíduo proporcional, centro geométrico do mundo, porém desconectado do todo. Tudo é explicado por medidas, simetrias e leis que se impõem a partir do indivíduo‑métrica.